O recurso de revista no processo do trabalho à luz das alterações introduzidas pela reforma trabalhista

AutorMurilo Rodrigues Coutinho
Páginas493-511
O RECURSO DE REVISTA NO PROCESSO DO TRABALHO À LUZ DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA
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O RECURSO DE REVISTA NO PROCESSO DO TRABALHO À LUZ DAS
ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA
Murilo Rodrigues Coutinho(*)
(*) Assessor Jurídico de Desembargador do TRT da 3ª Região. Ex-Assessor Jurídico de Ministros do TST.
(1) Art. 840. A reclamação poderá ser escrita ou verbal. § 1º, da CLT: “sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou
do juiz de direito a quem for dirigida, a qualif‌i cação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido,
a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”.
(2) Dois exemplos da jurisprudência do TST em que o princípio da simplicidade foi reconhecido para além da petição inicial: RECURSO DE REVISTA.
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. 1. Considerando o princípio da simplicidade que infor-
ma o Recurso Ordinário na Justiça do Trabalho, a reiteração dos argumentos anteriormente deduzidos, por si só, não implica ausência de fundamenta-
ção de tal recurso, ainda que essa não seja a melhor forma para a sua interposição. 2. Num tal contexto, não há falar em ausência de fundamentação do
Recurso Ordinário pelo simples fato de a recorrente haver reiterado os argumentos erigidos na petição inicial, mormente diante da total improcedência
da pretensão obreira. 3. Conf‌i gurada, nessas circunstâncias, a má-aplicação da Súmula n. 422 desta Corte superior, a ensejar a reforma do acórdão
prolatado pela Corte de origem. 4. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST — RR: 42006720135170011, Data de Julgamento: 2.12.2015, Data
de Publicação: DEJT 4.12.2015); JUNTADA DE PROCURAÇÃO NOVA INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE REVOGAÇÃO DE PODERES DO INSTRUMEN-
TO DE MANDATO ANTERIOR. DEMONSTRAÇÃO DE OUTORGA DE PODERES À ADVOGADA SUBSCRITORA DO RECURSO ORDINÁRIO.
IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO NÃO CONFIGURADA. Tendo em vista os princípios da simplicidade e da instrumentalidade das formas
que regem o processo do trabalho, é de se considerar a demonstração inequívoca da outorga de poderes à advogada subscritora do Recurso Ordinário,
não se podendo cogitar de irregularidade de representação processual. Ademais, a juntada de nova procuração, inválida, não produz os efeitos que se
espera, sendo inviável considerar-se que os poderes conferidos ao mesmo patrono tenham sido tacitamente revogados. Recurso de Revista conhecido
e provido. (TST — RR: 1212006420085180002, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 6.5.2015, 8ª Turma, Data de Publicação:
DEJT 8.5.2015)
(3) Menciono, a título de exemplo, dois acórdãos do TST, um recente e outro mais antigo: “Na Justiça do Trabalho, em virtude do princípio da
simplicidade do processo trabalhista, bem como o da adoção do jus postulandi, não se exige grande rigorismo técnico no que tange ao pedido e à causa
de pedir. Basta que a parte faça uma breve exposição dos fatos e o pedido, nos termos do artigo 840, § 1º, da CLT, até porque o juiz conhece o direito
(iura novit curia).” (ARR-1-71.2013.5.04.0008, Relator Ministro: Antonio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 8.3.2017, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 10.3.2017)
PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR JULGAMENTO ULTRA PETITA. As normas que regem a petição inicial no processo
civil são bem diferentes das do processo do trabalho, onde se evidencia a aplicação do princípio da simplicidade, permitindo que a exordial seja
A edição da Lei n. 13.467/2017 trouxe algumas
consideráveis modif‌i cações na sistemática recursal tra-
balhista, especialmente quanto ao Recurso de Revis-
ta. Podemos separá-las entre alterações: a) menores,
como a explicitação de poderes do Ministro Relator
para decidir monocraticamente, conforme a inclusão
do § 14 no art. 896 da CLT; b) pontuais, mas com amplos
ref‌l exos, como a da técnica de fundamentação em um
tópico específ‌i co de negativa de prestação jurisdicional
com a inserção do inciso IV no § 1º-A do art. 896 da
CLT, e; c) mais profundas, como a revogação dos §§ 3º
a 6º do art. 896 da CLT, introduzidos pela recente Lei
n. 13.014/2014, eliminando a uniformização, digamos,
compulsória da jurisprudência dos Tribunais Regionais
do Trabalho por meio de Incidentes de Uniformização
de Jurisprudência — IUJ e, ainda, a introdução de seis
parágrafos no art. 896-A, que agora regulamentam, em
lei, um instituto há tempos existente e inoperante: a
transcendência do recurso de revista.
Faremos observações conforme a necessidade de
aprofundar em cada tema, ref‌l etindo sobre as consequên-
cias das alterações e possíveis rumos interpretativos a
serem dados.
1. INSERÇÃO DO INCISO IV NO § 1O-A DO ART. 896 DA
CLT. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL EM NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Como sabido, o jus postulandi é a faculdade de qual-
quer parte de atuar na Justiça do Trabalho sem um ad-
vogado nas causas decorrentes da relação de emprego.
Essa norma teria ef‌i cácia reduzida se não fossem os
princípios da oralidade e da simplicidade que estão con-
sagrados mesmo ainda com a alteração provocada pela
Lei n. 13.467/2017 no art. 840, caput e § 1º, da CLT(1)
e permitem que a atuação sem advogado ocorra sem
maiores rigores técnicos. Assim, ao invés de serem con-
siderados regras especiais da petição inicial trabalhista,
esses dois princípios e em especial o da simplicidade,
foram alçados a verdadeiros princípios norteadores do
Direito Processual do Trabalho, conforme reconhecido
até mesmo pela jurisprudência do TST(2).
Desse modo, deve-se interpretar de forma integrativa
o jus postulandi e, como instrumento para viabilizá-lo,
os princípios da oralidade e da simplicidade previstos no
art. 840, caput e § 1º, da CLT, conforme inclusive reitera
a jurisprudência do TST(3), salvo as exceções previstas
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MURILO RODRIGUES COUTINHO
na Súmula n. 425(4), editada em maio de 2010, f‌i rmando
que o jus postulandi não alcança o Recurso de Revista e
outros instrumentos processuais específ‌i cos.
Atendo-se exclusivamente ao Recurso de Revista,
que é o foco deste estudo, a fundamentação para tal
separação é, em suma, de que este tem natureza recur-
sal extraordinária, sobressaindo aspectos estritamente
técnico-jurídicos, o que o distinguiria, por exemplo, do
recurso ordinário(5).
Embora não seja o objetivo deste artigo a análise dos
princípios que norteiam o Direito Processual do Tra-
balho, as observações feitas são de suma importância
para entender como o TST vem alterando a sua própria
compreensão das características do Recurso de Revista,
sendo que por meio da Súmula n. 425 já afastou deste
a incidência do art. 791 da CLT e, ao que parece, mini-
miza a aplicação dos princípios especiais e caracteriza-
dores deste ramo processual especial, como o princípio
da simplicidade do art. 840, § 1º, da CLT, embora este
último, o da oralidade e o jus postulandi estejam desde a
redação original de maio de 1943 e incidissem ao então
“recurso extraordinário trabalhista”(6), ou seja, foram
pensados originariamente para a aplicabilidade inclusi-
ve em casos de recursos de natureza técnica.
A cisão de incidência principiológica iniciada no Di-
reito Processual do Trabalho em 2010 com o afastamen-
to do jus postulandi do Recurso de Revista, entretanto,
não teve o condão de desacoplar o princípio da simplici-
dade da estrutura argumentativa tanto de petições subs-
critas por advogados quanto de despachos e decisões de
magistrados, pois o princípio da simplicidade já convi-
via e amoldava-se a uma larga e pretérita jurisprudência
recursal formal e técnica(7).
Destacamos, por exemplo, o prequestionamento,
considerado pela jurisprudência do TST essencial ainda
que se trate de discutir incompetência absoluta (OJ n.
62 da SBDI-1); que a decisão de TRT que simplesmente
adota os fundamentos de primeiro grau e não explicita
apresentada de forma verbal ou por escrito, admitindo-se, também, que as partes ingressem em juízo e acompanhem suas ações sem a intermediação
de procurador (jus postulandi), com fulcro no art. 791 da CLT. (...) A dispensa de vários requisitos no processo do trabalho justif‌i ca-se porque os
fundamentos jurídicos do pedido dependem da livre apreciação judicial, pois tal sistema admite leigos postularem em juízo; porque as provas são
requeridas e apresentadas em audiência; porque a citação do reclamado é promovida automaticamente pelo secretário da Vara, bem como nesta seara
não se admite o despacho de saneamento. Daí porque de extremo rigor exigir no processo trabalhista o mesmo tecnicismo empregado contido no
processo civil. Preliminar não conhecida. (RR — 540975-57.1999.5.03.5555, Relator Ministro: Rider de Brito, Data de Julgamento: 12.2.2003,
5ª Turma, Data de Publicação: DJ 14.3.2003)
(4) Súmula n. 425 do TST. JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. Res. n. 165/2010, DEJT divulgado em 30.4.2010 e 3 e
4.5.2010. O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não
alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.
(5) Vide Incidente de Uniformização de Jurisprudência apreciado pelo Eg. Tribunal Pleno do TST no julgamento do processo n. 8558100-
81.2003.5.02.0900, Red. Designado Min. João Oreste Dalazen, DEJT 1º.4.2011.
(6) A redação original do art. 896 da CLT, para a qual foi pensado, harmonicamente, o princípio da simplicidade, era: “Art. 896. Cabe recurso
extraordinário das decisões de última instância, quando: a) derem à mesma norma jurídica interpretação diversa da que tiver sido dada por um Conselho
Regional ou pela Câmara de Justiça do Trabalho; b) proferidas com violação, expressa de direito. § 1º O recurso extraordinário será interposto, no prazo
de quinze dias, para a Câmara de Justiça do Trabalho. § 2º O recurso terá efeito devolutivo, salvo ao juiz ou presidente do tribunal recorrido, no caso de
divergência manifesta, dar-lhe também, o efeito suspensivo; § 3º Na hipótese de não ser dado o efeito suspensivo, o presidente do tribunal recorrido, ou
o juiz, encaminhará o recurso devidamente informado ao tribunal ad quem, sendo a este facultado determinar a remessa do processo”. A nomenclatura
“recurso de revista” foi introduzida pela Lei n. 861, de 13.10.1949.
(7) Por exemplo, as Súmulas ns. 126, 296, 297 e 422, do TST.
as suas próprias razões de decidir não atende preques-
tionamento (OJ n. 151 da SBDI-1), bastando, todavia,
que o TRT adote explicitamente a tese, ainda que sem
menção a dispositivo (OJ n. 118 da SBDI-1), mas ha-
vendo necessidade de a parte indicar expressamente o
dispositivo legal nas razões do Recurso de Revista (Sú-
mula n. 221). Dispensa, todavia, o prequestionamento
quando a violação indicada houver surgido no próprio
acórdão regional (OJ n. 119 da SBDI-1).
Pelo que se percebe, o legislador e a própria juris-
prudência do TST ao longo dos anos quiseram mudar
o feitio do recurso de natureza extraordinária trabalhis-
ta, reduzindo-lhe as hipóteses de incidência, até porque
caso mantida a redação original ter-se-ia hoje um ape-
lo que fatalmente seria uma terceira instância de ampla
discussão, e não uma Corte de uniformização da legisla-
ção trabalhista voltada para uma discussão mais técnica.
Entretanto, ainda que se acolha a alegada complexi-
f‌i cação de recursos de natureza técnica, o que justif‌i -
caria inviabilizar que a própria parte se valesse do jus
postulandi para interpor seu recurso, o que se percebe é
que os advogados utilizam do princípio da simplicidade
previsto no art. 840, § 1º, da CLT e neste f‌i ncam a técni-
ca argumentativa utilizada no Recurso de Revista, cau-
sando também impactos na estrutura e aprofundamento
argumentativo decisório dos magistrados da Justiça do
Trabalho, pois o princípio da simplicidade também está
ligado à celeridade, outro pilar de sustentação teleológi-
co do Direito Processual do Trabalho: faz-se o simples
para poder se fazer mais.
Como nem as várias Orientações Jurisprudenciais e
Súmulas mencionadas foram suf‌i cientes para alterar a
estrutura técnica argumentativa pautada na simplicida-
de, pretendida — ou, ao menos, sinalizada — pelo TST
para o Recurso de Revista sob o argumento de se tratar
de recurso técnico, não por falta de qualif‌i cação dos ad-
vogados, mas por conta da cultura jurídica processual
arraigada ao princípio da simplicidade até mesmo dos

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