Recursos no Processo do Trabalho
Autor | Mauro Schiavi |
Ocupação do Autor | Juiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo |
Páginas | 894-1099 |
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O Código de Processo Civil brasileiro não nos dá o conceito de recurso, apenas no art. 994 diz quais são as espécies de recursos cabíveis no âmbito do Processo Civil1. Tampouco a Consolidação das Leis do Trabalho define o conceito de recurso (art. 893 da CLT2).
Como a Lei não define o conceito de recurso, esta árdua tarefa cabe à doutrina.
O termo recurso vem do latim recursus, que significa andar para trás, retorno, reapreciação.
Para José Carlos Barbosa Moreira3, “pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial a que se impugna. Atente-se bem: dentro do mesmo processo, não necessariamente dentro dos mesmos autos.”
Ensina Nelson Nery Junior4: “Recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.”
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Conforme as definições dos mestres Barbosa Moreira e Nery Júnior, os recursos se destinam, dentro da mesma relação jurídico-processual, à anulação, nos casos em que a decisão contém um vício processual, à reforma, quando visa à alteração do mérito da decisão, ou à integração ou aclaramento, quando a prestação jurisdicional não foi completa, ou está obscura ou contraditória.
Existem duas correntes sobre a natureza jurídica dos recursos. Uma que assevera ser o recurso ação autônoma de impugnação da decisão, e outra, como um meio de impugnação dentro da própria relação jurídico-processual.
Diante da sistemática do Direito Processual Civil brasileiro, os recursos não constituem meio de impugnação autônomo, mas sim instrumento de impugnação da decisão dentro da mesma relação jurídico-processual em que foi prolatada a decisão, pois pressupõe a lide pendente na qual ainda não se formou a coisa julgada.
Nesse sentido, relevante destacar as conclusões de Carlos Henrique Bezerra Leite5:
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recurso constitui corolário, prolongamento, do exercício do direito de ação; b) essa concepção é aplicável tanto no processo comum quanto no trabalhista.
No mesmo diapasão, argumenta Manoel Antonio Teixeira Filho6:
“O recurso, enfim, não é uma ação autônoma; é um direito subjetivo, que se encontra implícito no direito público, também subjetivo e constitucional, que é o de ação. Está certa a doutrina quando, sob outro ângulo óptico, vê no recurso um ônus processual, visto que, em verdade, para que a parte obtenha a desejada reforma ou anulação de decisão desfavorável, há necessidade de que tome a iniciativa de exercer a pretensão recursória; se não o fizer, a sua sujeição à coisa julgada, como qualidade da sentença, será inevitável, ressalvada a hipótese de remessa obrigatória, quando for o caso (Decreto-lei n. 779/69).”
De outro lado, os recursos constituem também uma forma de controle dos atos jurisdicionais pelas instâncias superiores.
A doutrina costuma apontar como fundamentos dos recursos: a) aprimoramento das decisões judiciais; b) inconformismo da parte vencida; e c) falibilidade humana.
Como bem adverte Wagner D. Giglio7, “o juiz, como todo ser humano, está sujeito a falhas: pode errar, enganar-se, julgar mal. E de fato erra, por vezes. A sociedade não o ignora, e por isso ninguém se satisfaz, psicologicamente, com um único julgamento, preferindo acreditar num erro judiciário, em vez de admitir que não tinha razão, para preservar o próprio amor.”
Com a possibilidade dos recursos, principalmente os juízes de primeiro grau e os mais novos irão se esmerar e cada vez mais aprimorar suas decisões. Além disso, os recur-sos serão apreciados por juízes mais experientes e também em composição colegiada.
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Por outro lado, nem sempre as decisões de segunda instância têm maior justiça que as decisões de primeiro grau. Para alguns, a justiça de primeiro grau é mais justa, pois o juiz de primeira instância teve contato com as partes, viveu na pele o problema. O juiz de segunda instância está mais distante.
O inconformismo, colocado pela doutrina como fundamento dos recursos, talvez seja um dos argumentos mais contundentes para justificar a existência dos recursos, pois dificilmente alguém se conforma com uma decisão desfavorável. É da própria condição humana buscar impor os próprios argumentos e tentar reverter uma decisão desfavorável.
Por derradeiro, acreditamos que o argumento mais forte a justificar a existência dos recursos é a falibilidade humana, pois os juízes, como homens, estão sujeitos a erros, que podem ser corrigidos pelo recurso, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a quantidade de serviços muitas vezes impede que o juiz proceda a uma reflexão mais detalhada sobre o processo.
Não obstante, a possibilidade de falhas também acontece nas instâncias superiores, e muitas vezes estes erros são mais nocivos ao jurisdicionado, pois as chances de correção são reduzidas.
Como bem adverte Manoel Antonio Teixeira Filho8:
“[...] Recorre-se, porque a lei reconhece à parte esse direito; logo, aquela é o fundamento deste. Já os motivos que aconselharam o legislador instituir leis assecuratórias desse direito compreendem um amalgamado de fatores, cujas raízes remotas, como dissemos, são de ordem política.”
A doutrina também sustenta que a existência dos recursos propicia maior equilíbrio e justiça do processo, oferecendo às partes maiores oportunidades, buscando uma decisão com a menor incidência de falhas possíveis.
Não obstante todas as vicissitudes que enfrenta o sistema recursal brasileiro, inclusive tem sido apontado pelos estudiosos como um dos vilões que emperram a máquina judiciária, pensamos que os...
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