Recursos no processo do trabalho

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas351-414
Manual de Processo do Trabalho ← 351
XV
RECURSOS NO PROCESSO DO TRABALHO
1. Conceito de recurso
Não há uniformidade sobre o conceito de recurso. Mas há um ponto
comum: o recurso é uma forma de impugnar decisão “dentro” do processo em
que ela foi proferida. Diferencia-se, assim, o recurso de outros meios de impug-
nação de decisão judicial, como a ação rescisória e o mandado de segurança,
sobre os quais falaremos no Capítulo XXI.
José Carlos Barbosa Moreira sustenta que os “meios de impugnação divi-
dem-se em duas grandes classes: a dos recursos – assim chamados os que se
podem exercitar dentro do processo em que surgiu a decisão impugnada – e o
das ações impugnativas autônomas, cujo exercício, em regra, pressupõe a irrecor-
ribilidade da decisão, ou seja, o seu trânsito em julgado. No direito brasileiro,
protótipo da segunda classe é a ação rescisória” (1993, p. 139).
Manoel Antonio Teixeira Filho, por sua vez, arma que “recurso é o direito
que a parte vencida ou o terceiro possui de, na mesma relação processual, e
atendidos os pressupostos de admissibilidade, submeter a matéria contida na
decisão recorrida a reexame, pelo mesmo órgão prolator, ou por órgão distinto
e hierarquicamente superior, com o objetivo de anulá-la, ou de reformá-la, total
ou parcialmente” (1991, p. 66).
Preferimos conceituar o recurso como espécie de remédio processual consubs-
tanciado em um direito assegurado à parte, ao terceiro juridicamente interessado, à
Defensoria Pública ou ao Ministério Público com o escopo de provocar o reexame da
decisão proferida na mesma relação jurídica processual, retardando, assim, a formação
da coisa julgada.
2. Princípios recursais
Não há uniformidade doutrinária sobre os princípios recursais. Vamos
examinar, doravante, os mais invocados no ordenamento jurídico brasileiro
aplicáveis nos sítios do direito processual do trabalho.
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Destacamos, em primeiro lugar, o princípio do duplo grau de jurisdi-
ção, que consiste na previsão, explícita ou implícita, de que as decisões judi-
ciais possam ser submetidas, por intermédio de um recurso voluntário, a novo
julgamento por um órgão judicial, geralmente colegiado e hierarquicamente
superior. Foi previsto expressamente no art. 158 da Constituição brasileira de
1824. As demais Cartas republicanas, inclusive a CF de 1988 (art. 5º, LIV, LV,
LVI, §§ 2º e 3º), não o contemplam de forma explícita, o que propicia diver-
gências doutrinárias e jurisprudenciais acerca não somente de sua existência,
como também do seu status constitucional.
Em âmbito internacional o duplo grau é um direito humano, previsto na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (22.11.1969), raticada pelo
Brasil (Decreto n. 678, de 6.11.1992), cujo art. 8º, § 10, assegura a toda pessoa
o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Parece-nos
que, a par de direito humano, o duplo grau também é um direito fundamen-
tal, já que a referida Convenção é recepcionada como um Tratado de Direitos
Humanos (§ 2º do art. 5º da CF/1988).
O STF (HC n. 88.420/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe-032,
divulg. 6.6.2007, publ. 8.6.2007) deixou assentado que o
acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se
encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias funda-
mentais [...] Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao
duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, cuja raticação pelo Brasil
deu-se em 1992, data posterior à promulgação do Código de Processo
Penal [...] A incorporação posterior ao ordenamento brasileiro de
regra prevista em tratado internacional tem o condão de modicar a
legislação ordinária que lhe é anterior.
Idêntico raciocínio há de ser aplicado aos sistemas recursais do processo
civil e do processo do trabalho, pois ambos são anteriores à vigência doméstica
do referido Tratado de Direitos Humanos.
Embora humano e fundamental, o direito de recorrer não é absoluto, como
no caso em que a competência originária do STF (CF, art. 102, I) revela que há
julgamentos sem duplo grau de jurisdição.
No processo do trabalho, a discussão ganha maior importância, em face da
regra contida no art. 2º, § 4º, da Lei n. 5.584/1970. Entendemos que o preceptivo
em causa não afronta o princípio insculpido no art. 5º, LV, da Constituição.
O TST também compartilha desse entendimento por meio da Súmula
n. 356, valendo lembrar que a Súmula n. 640 do STF reconhece o cabimento de
“recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas
causas de alçada”, o que reforça a tese da constitucionalidade do § 4º do art. 2º
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da Lei n. 5.584/1970. Vale registrar, ainda, que a Súmula n. 303 do TST também
mitiga o princípio do duplo grau de jurisdição obrigatório nas sentenças desfavo-
ráveis às pessoas jurídicas de direito público.
Além disso, no processo do trabalho vigora o princípio da irrecorribili-
dade imediata das decisões interlocutórias, também chamado de princípio
da concentração. Sua residência é o § 1º do art. 893 da CLT que, a nosso ver,
não afronta o princípio do duplo grau de jurisdição. A Súmula n. 214 do TST o
reconhece ao limitar o cabimento de recurso contra decisões interlocutórias nas
hipótese de decisão: (a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou
Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; (b) suscetível de
impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; (c) que acolhe exceção
de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional
distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no
Além das hipóteses previstas na Súmula n. 214 do TST, cabe lembrar que
é também recorrível de imediato a decisão interlocutória que declara de ofício
ou acolhe preliminar de incompetência (absoluta) em razão da matéria ou da
pessoa, pois o art. 799, § 2º, da CLT continua permitindo a interposição imediata
de recurso contra a decisão interlocutória terminativa do feito, isto é, aquela que
remete os autos para outro ramo do Judiciário, “terminando” a sua tramitação
na Justiça do Trabalho.
Outra exceção ao princípio da irrecorribilidade é aquela contida nos §§ 1º e
2º do art. 2º da Lei n. 5.584, de 26.6.1970, ou seja, quando o juiz mantiver o valor
da causa xado para ns de alçada, poderá a parte formular pedido de revisão
uma espécie de “agravinho” – que será julgado pelo Presidente do Tribunal ao
qual está vinculado o juiz prolator da decisão.
O princípio da singularidade, também chamado de princípio da unirre-
corribilidade ou unicidade recursal, não permite a interposição simultânea de
mais de um recurso contra a mesma decisão (parte ou capítulo da mesma deci-
são). Cremos que não violam o princípio da unirrecorribilidade as conhecidas
“razões adicionais”, que, em rigor, constituem novo recurso contra nova decisão.
Suponhamos que a ré tenha se apressado em interpor recurso ordinário antes do
julgamento dos embargos de declaração opostos pelo autor. Se a decisão dos
embargos modicar a sentença anteriormente proferida, acarretando prejuízo à
parte, agura-se-nos que poderá ela interpor novo recurso ou aditar o anterior-
mente interposto. Inexistindo alteração na decisão, incabível novo recurso ou
razões adicionais.
O princípio da fungibilidade (ou conversibilidade) recursal encontra ampla
aceitação no processo laboral, principalmente pelo fato de os recursos trabalhistas
terem, em geral, o mesmo prazo para interposição (oito dias, salvo os embargos
de declaração, cujo prazo é de cinco dias), prevalecendo, entretanto, a ressalva
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