Redimensionando a tutela jurisdicional

AutorPaulo Eduardo Alves da Silva
Páginas609-624
REDIMENSIONANDO A TUTELA
JURISDICIONAL
Paulo Eduardo Alves da Silva
Mestre, Doutor e Livre Docente em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor
da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP/USP).
Sumário: 1. O redimensionamento contemporâneo da jurisdição e da tutela jurisdicional; 1.1.
Introdução – quem, em que e como atua a jurisdição – 2. O redimensionamento do conceito
de “tutela jurisdicional” e o escopo geral da resolução de conitos – 3. Quem presta a tutela
jurisdicional? O papel do terceiro intermediador da resolução de conitos; 3.1. Métodos
adequados de resolução das disputas – a jurisdição “privada” contemporânea; 3.2. Arbitra-
gem – a equiparação da tutela jurisdicional privada à estatal; 3.3. Mediação no Brasil: “justiça
consensual” e jurisdição “privada” pelo estado – 4. Os escopos da nova jurisdição: proteger
direitos, atuar a lei ou resolver conitos? – 5. Referências bibliográcas.
É uma honra e uma satisfação pessoal poder render uma homenagem ao esti-
mado e cioso Professor Walter Piva Rodrigues. Conheci o Professor Piva na etapa
f‌inal do meu curso de graduação em direito e chamou-me a atenção o modo como
conseguia combinar o zelo técnico processual com uma preocupação mais ampla
com o acesso da população ao sistema e os resultados substanciais de justiça que ele
deveria promover. Pouco tempo depois, recebi do Professor Piva a oportunidade de
desenvolver pesquisas em nível de doutoramento sob sua paciente e compreensiva
orientação. Embrenhara-me na complexa questão da internalização de uma racio-
nalidade gerencial no sistema de justiça – por meio do então pouco conhecido me-
canismo do “gerenciamento de processos judiciais”. Recebi do Professor Piva, além
da conf‌iança, a autonomia necessária para atravessar o delicado processo interno
de “emancipação acadêmica” que o doutorado desencadeia. Desde então, exerço a
pesquisa e a docência em direito sob a constante preocupação de pensar a técnica
processual para além de si mesma, a partir do contexto mais amplo e realista da so-
ciedade brasileira. Tenho em muito boa conta e sou deveras grato à oportunidade, a
convivência e o exemplo dado pelo Professor Walter Piva.
O texto abaixo apresentado reúne ref‌lexões em torno do fenômeno de diversif‌i-
cação da tutela jurisdicional gerado pela introdução de novos métodos de resolução
de disputas – a arbitragem, a conciliação e a mediação. A importância e atualidade
do tema, como imagino que recomendaria o Professor Piva, não o eximem de uma
análise cuidadosa, ciente de seus potenciais e também de seus limites. O texto foi
iniciado há muitos anos, quando os ADR começavam a ocupar as políticas públicas e
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propostas legislativas no Brasil, e revisto e f‌inalizado agora, após a sua consolidação
na recente legislação processual civil de 2015. Apesar de hoje conhecermos muito
mais sobre o tema, alguns de seus aspectos e seus obstáculos prosseguem um desaf‌io
ao exercício prof‌issional e às análises especializadas. Os novos métodos ainda en-
frentam dif‌iculdades de sedimentação prática e, do ponto de vista do sistema, ainda
não temos um desenho claro de que como f‌ica o direito processual, a jurisdição e o
ensino do direito com o ingresso das novas formas de resolução de disputas. Essas
preocupações compõem o pano de fundo deste texto, que promete muito mais re-
colocar as questões do que lhe dar respostas def‌initivas.
1. O REDIMENSIONAMENTO CONTEMPORÂNEO DA JURISDIÇÃO E DA
TUTELA JURISDICIONAL
1.1. Introdução – quem, em que e como atua a jurisdição
Uma premissa fundamental para pensar o direito processual é a compreensão
da relação entre as práticas da sociedade e as formas que pode assumir a tutela juris-
dicional. A razão de ser e a legitimação política para o exercício da jurisdição estatal
decorre justamente da necessidade de as sociedades contemporâneas resolverem
seus conf‌litos de modo racional e justo, em oposição ao rudimentar exercício da
autotutela. Este texto visa discutir, não exaustivamente, a relação entre a jurisdição
e os chamados “meios alternativos de solução de conf‌litos” através da evolução do
conceito de “tutela jurisdicional”. Apoia-se na literatura processual ítalo-brasileira
das últimas três décadas e na literatura de países de common law sobre os chamados
ADR (alternative dispute resolution).
Compreender o que signif‌ica hoje a “tutela jurisdicional” importa saber: a)
quem presta a tutela, b) o que é tutelado e c) como ela é realizada. Historicamente,
nem sempre o Estado foi o agente responsável por prestar a jurisdição, nem sempre
a tutela consistiu na declaração de direitos e muitas foram as formas de tutela juris-
dicional e os modos de obtê-la. Permito-me uma surreal ilustração. Se, repentina-
mente, fossemos visitados por um cidadão romano ou um artesão do século XVI que
nos indagasse sobre como solucionamos, hoje, as divergências entre os homens de
bem, provavelmente invocaríamos as imagens do Estado, dos direitos subjetivos e
do processo judicial. Este insólito diálogo circularia pelas seguintes questões e res-
postas: “Quem resolve as disputas? O Estado – responderíamos. Como? Pelo processo
judicial. Como é este processo? Bem, é um conjunto de regras para que os cidadãos – e
o próprio Estado – defendam seus interesses por meio de um diálogo ordenado com
o objetivo de convencer, de forma racional, um julgador – que também representa
o Estado. Qual o resultado? … (pausa) Em geral, a justiça! – o que se pode traduzir
por proteção aos direitos, atuação da lei, paz na sociedade, segurança nas relações
jurídicas, resolver em def‌initivo os conf‌litos...”
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