A redução da tutela reintegratória na rescisão contratual pela Reforma Jobs Act como exemplo da crise do Direito do Trabalho

AutorCristiane Montenegro Rondelli
Páginas63-71

Page 63

Cristiane Montenegro Rondelli *

Introdução

O objetivo desse artigo é analisar a legislação trabalhista italiana em relação à estabilidade no contrato de trabalho e a mudança do viés protetivo desta legislação em detrimento dos princípios do Direito do Trabalho, confrontando a justificativa do legislador com as causas e consequências das reformas legislativas.

Inicialmente apresenta-se a descrição histórica da legislação sobre a disciplina da extinção do contrato de trabalho.

Em seguida, são aprofundadas as situações de dispensa por iniciativa do empregador no sistema trabalhista italiano e seus desdobramentos na jurisprudência e doutrina.

São revistos os princípios e fundamentos do direito do trabalho e a possibilidade e coerência de reformas que afetem a raiz deste direito em relação à sua função social de proteção ao hipossuficiente ou ao mercado de trabalho.

Diante da imposição legislativa e política, como o judiciário pode analisar as demandas judiciais em que se busca a proteção da dignidade do trabalhador e o reconhecimento do seu direito?

Busca-se identificar a validade das justificativas do legislador e do executivo para fundamento das reformas em busca de um equilíbrio econômico e social, com a chamada flexicurity.

Diante deste contexto, verifica-se se o jurista trabalhista, em seu manejo das normas atuais pode ou deve reconstruir sua visão sobre o direito do trabalho e reavaliar seus princípios de forma a garantir um desenvolvimento sustentável e humano.

Evolução histórica da legislação italiana sobre a rescisão contratual

A matéria da extinção do contrato de trabalho reflete claramente a oposição dos interesses envolvidos pelas partes que o compõe. De um lado, o empregador que tem sempre o objetivo de reduzir ou aumentar a força de trabalho segundo as exigências do mercado, querendo poder escolher livremente a possibilidade de rescisão de forma rápida e sem dificuldades e, por outro lado, o interesse do trabalhador que quer a continuidade do seu contrato de trabalho e a estabilidade.

Na Itália, o que se vê hoje é praticamente um retorno à condição legal que havia no período da 2ª Grande Guerra, ou seja, o Código Civil de 1942 privilegiava o interesse do empregador em relação à extinção contratual. A regra geral desta época era que, conforme o art. 2.1181 do Código Civil, o empregador era li-

Page 64

vre para dispensar o empregado, tendo como única obrigação, fazer o pré-aviso. Ainda assim, este período poderia ser convertido em dinheiro e ser pago quando da rescisão, para imediata saída do empregado.

Não havia qualquer necessidade de motivação e, em caso de motivo grave, como justa causa, o pré- aviso não era necessário, seja pelo período provisório, seja convertido em indenização. A justa causa prevalece até hoje no sistema legal e consiste em um fato grave, tanto durante a prestação de serviços como fora do local de trabalho, que seja suficiente para quebrar a confiança entre as partes.

Essa liberdade para a rescisão contratual por parte do empregador, durou mais de 20 anos e, em 1966, com a Lei n. 604, foram introduzidos os requisitos, para sua legitimidade, da obrigação da motivação e a previsão do ônus do empregador em provar o motivo, em caso de impugnação. O art. 3º da Lei n. 604/19662 definia as noções de rescisão por justificado motivo subjetivo, relativo à pessoa do trabalhador, e de justificado motivo objetivo, relativo às exigências objetivas da empresa.

Quando não havia qualquer motivação para rescisão contratual, a mesma lei, em seu art. 8º, determinava que o empregador deveria reassumir o empregado ou lhe pagar uma indenização entre 2,5 a 6 meses de remuneração, mas ainda não se falava em reintegração.

Até aqui o interesse do empregador ainda era preferencial, pois mesmo cometendo um ato ilícito, o contrato extinto produzia efeitos, pois não havia uma restituição do direito, com a reintegração do empregado ao posto de trabalho, mas se operava efetivamente a rescisão, somente com a sanção do pagamento de uma indenização. A tutela desta legislação aos interesses patronais evidenciava-se ainda com a limitação de sua aplicação aos empregadores que tivessem mais de 35 empregados.

O Estatuto do Trabalhador (Lei n. 300/1970) demonstrou que a histórica força sindical da década de 1970, na Itália, alterou o lado do pêndulo do pensamento legislativo, que passou a proteger os interesses do trabalhador quanto à continuidade do contrato de trabalho, retomando a razão de ser do próprio Direito do Trabalho. O art. 18 a Lei n. 300/19703 modificou a matéria relativa à dispensa imotivada e promoveu a chamada “tutela forte” ao empregado, modificando radicalmente os efeitos desta rescisão. Passou a ser ve-dada a dispensa imotivada, sendo inválida e ineficaz e, portanto, o empregado era reintegrado ao posto de trabalho com as mesmas condições anteriores e com direito a toda remuneração e benefícios no período de afastamento. O limite de aplicação passou a ser para empresas com mais de 15 empregados, e não mais 35.

A ascensão da tutela protetiva culminou com a Lei n. 108/1990 que determinou que, mesmo para as empresas com menos de 15 empregados, a dispensa deveria ser motivada, mas nesta hipótese, não have-ria a reintegração, mas a tutela ressarcitória, ou seja, somente a indenização, semelhante à regra prevista na Lei n. 604/1966. Assim, a regra geral inicial do Código Civil passou a ser a exceção.

Essa tutela forte persistiu durante mais de 20 anos, de 1990 a 2012, quando então, depois de profundas mudanças na economia europeia e mundial, com o surgimento de diferentes formas de produção e internacionalização do mercado de trabalho, a competitividade, a concorrência e o custo da produção passaram a ser mais valorizados, impondo uma notória flexibilidade em relação à rescisão contratual, a partir de 2012, com a lei Fornero.

Essa flexibilidade, já em 2003, ficou evidente com o Decreto legislativo 276/2003, que reconheceu e regulou vários tipos de contratos temporários subordinados de terceirização, aprendizado e o traba-

Page 65

lho a projeto. A figura da flessicurezza, termo italiano traduzido do neologismo inglês flexicurity, ou seja, “a estratégia política que se propõe em favorecer, ao mesmo tempo, a flexibilidade do mercado de trabalho e a segurança social”4, foi usada como fundamento deste decreto, mas a segurança não foi o foco, pois os contratos previstos eram precários e a estes não se aplicava a disciplina relativa à dispensa.

Nas palavras do professor Giuseppe Santoro Passarelli, passou a ser mais evidenciada neste período a existência de um duplo mercado de trabalho constituído dos insiders, ou seja, os trabalhadores protegidos da normativa sobre rescisão contratual e os outsiders privados de qualquer proteção e tutela (tradução nossa)5.

Em outras palavras o mercado de trabalho informal, ou o chamado lavoro nero, crescia por todo o país, contrariando qualquer fundamento de segurança social para justificar a flexibilidade da legislação.

A crítica da economia era que a tradicional rigidez do direito do trabalho era um fator causal da desocupação, ou do desemprego, o que colocava em risco o bem primário do trabalho e, portanto, a maior flexibilidade se traduzia em uma demanda de liberalização.6

Pressionado por esse contexto, o pêndulo do legislador estava começando a voltar para o lado oposto à tutela do hipossuficiente, e nova intervenção legal ocorreu em 2012 com a chamada Lei Fornero (92/2012) que alterou o art. 18 do Estatuto do Trabalhador para flexibilizar a rescisão contratual, fixando regras para o ressarcimento como opção à reintegração.7

Por último, com o Decreto Legislativo n. 23/2015, um dos oito decretos da denominada reforma Jobs Act promulgados em 2015, houve a completa inversão do

Page 66

pêndulo em favor do mercado de trabalho e dos interesses do empregador, pois a nova disciplina passou a permitir a indenização para extinção dos contratos por prazo indeterminado, transformando a regra geral, da reintegração, em exceção. Somente era garantida a restituição do posto de trabalho nas mesmas condições, para algumas formas de dispensa disciplinar e discriminatória. Em outras palavras, as regras passaram a ser semelhantes ao que foi previsto em 1966 com a Lei n. 604, num evidente retrocesso do sistema legislativo. A dispensa individual ilegítima, que antes era sancionada com a reintegração, passou a ser penalizada somente com o ressarcimento de dano em medida fixa e predeterminada conforme o tempo de serviço. Essa forma de extinção contratual em contratos por prazo indeterminado foi denominada pelo decreto citado como “o contrato a tutela crescente”, numa irônica tentativa, sob o nosso ponto de vista, de ser aceita pela sociedade italiana como protetiva ao trabalhador.

Para os empregados admitidos na vigência do Decreto Legislativo n. 23/2015, o empregador passou a poder rescindir o contrato de trabalho, de forma unilateral e imotivada, mediante o pagamento da indenização. Passou a existir, ao mesmo tempo, três normativas simultâneas, conforme a data de ingresso do empregado. Para aqueles que foram admitidos antes da lei Fornero, a normativa aplicada era da tutela forte, para os que foram admitidos no intervalo de junho de 1992 a 06.03.2015, aplicava-se a normativa da lei Fornero, com a possibilidade de indenização. Por fim, a partir da vigência do DL n. 23/2015 em 07.03.2015, os admitidos após esta data não tinham qualquer garantia de reintegração, mas somente uma indenização limitada a um máximo de 24 meses de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT