Reflections on the construction of human rights and their dialogue with Marxism/Reflexoes acerca da construcao dos direitos humanos e seu dialogo com o marxismo.

Autorda Costa, Rafaela Ribeiro Saraiva
  1. Breve recuperacao historica das lutas por incorporacao de direitos

    Para que as ideias transformadoras se concretizem na realidade faz-se necessario que existam condicoes sociais e historicas que favorecam as mudancas. E preciso tambem que os grupos sociais consigam resistir as pressoes dos seus oponentes. Diante dessas exigencias, e dificil reunir todos esses elementos em um momento especifico e concreto, mas, no caso dos direitos humanos, tais fatores estavam minimamente combinados em alguns paises da Europa Ocidental, no seculo XVIII, e, em particular, na Franca. Essas forcas foram gestadas durante um longo periodo da historia e nao se deram de forma imediata, mas processual. Por esse motivo, a compreensao historica nao pode se dar em etapas, visto que existe uma constante correlacao de forcas sociais em acao.

    Podemos mencionar, como forcas sociais e historicas que contribuiram para a construcao de um conjunto de direitos, tres elementos: o feudalismo, a peste negra e o surgimento da burguesia enquanto classe social. O feudalismo caracteriza-se como um sistema economico que se baseava em uma rigida estratificacao social, fundado no principio do privilegio de nascimento, no qual o servo, o ultimo estrato da hierarquia social, deveria pagar impostos aos nobres e ao clero. Cabia ao servo uma serie de obrigacoes para com o seu senhor, como, por exemplo, prestar servicos na casa, no castelo e nas igrejas e lutar nas guerras quando convocado (TRINDADE, 2002). Esse sistema baseava-se ainda no uso comum da terra, onde os vassalos plantavam nas areas produtivas, mas pelo menos um terco da producao deveria ser entregue ao senhor; o restante era destinado a sobrevivencia. Alem de entregar um terco da producao, eles eram obrigados a corveia (trabalho gratuito), em que o servo e seus familiares tinham que trabalhar dois ou tres dias da semana nas terras do senhor feudal.

    No feudalismo, o servo diferia do escravo em dois aspectos: a) nao poderia ser vendido, pois pertencia a terra, so podendo ser transferido de senhor caso a terra fosse vendida; b) recebia, por parte do senhor, uma parcela dos rendimentos da producao. Devido a forma como funcionava o feudalismo, este se caracteriza por: produzir pouco excedente; ser um modo de producao de subsistencia; existir poucas trocas entre os feudos e ser, predominantemente, rural.

    A peste negra (1348), segundo Trindade (2002), representou um importante evento historico impulsionador do direito a liberdade.

    A peste negra ficou conhecida na historia como uma doenca responsavel por uma das mais tragicas epidemias que assolaram o mundo Ocidental. Chegando pela Peninsula Italica, em 1348, essa doenca afligiu tanto o corpo, quanto o imaginario de populacoes inteiras que sentiam a mudanca dos tempos por meio de uma manifestacao fisica. Assim como a Aids, a peste negra foi considerada por muitos um castigo divino contra os habitos pecaminosos da sociedade. (SOUSA, 2017).

    Com o despovoamento da Europa Ocidental devido ao grande numero de vitimas da peste negra, ocorreu escassez de trabalhadores e, consequentemente, um aumento no valor do trabalho alugado. Os camponeses perceberam nessa situacao uma oportunidade de fortalecimento da sua luta, pois naquele contexto tinham como enfrentar os senhores e exigir, atraves da forca, as concessoes que nao conseguiram conquistar de outra forma. Isso so foi possivel porque os camponeses possuiam como moeda de barganha a sua forca de trabalho, que se tornava cada vez mais rara, tendo em vista que poucos sobreviveram. Alem disso, a peste negra atingiu nobres, clero e plebeus, desconstruindo a ideia de que a nobreza e os sacerdotes teriam protecao divina. Diante desses elementos, o seculo XIV foi marcado por convulsoes e revoltas camponesas contra os impostos, a fome e as mas condicoes de vida as quais estavam submetidos.

    O surgimento da burguesia como uma nova classe social e um dos elementos que contribuiram para o processo historico de aquisicao de direitos civis. Essa classe intermediaria era composta por pessoas livres que conseguiram se desvincular do seu senhor ou que haviam fugido ou comprado a sua liberdade. Pessoas vindas de familias que tinham se dedicado, exclusivamente, as atividades artesanais ou eram funcionarios publicos, advogados ou que nao possuiam ocupacao.

    Com o passar do tempo, essa classe foi construindo a sua hegemonia e conseguindo se consolidar. Nos seculos XV e XVI ja emprestavam dinheiro aos reis, forneciam assessores para administrar o Estado e estavam envolvidos em todos os negocios que surgiam na epoca.

    Entre os seculos XVII e XVIII, a burguesia ja estava bastante diversificada em varios estratos, desde mestre artesao que expandiram suas oficinas contratando muitos empregados e montando manufaturas ate grandes (para a epoca) industriais e banqueiros, e constituia o que pode ser chamado de uma classe media- no sentido de ser intermediario entre a aristocracia e a grande massa do povo. (TRINDADE, 2002, p. 25).

    Essa nova classe tinha interesse em ver o declinio do feudalismo, pois a ideologia que predominava impedia a acumulacao de riquezas, o lucro, o desenvolvimento do trabalho assalariado (base do capitalismo) e a expansao dos mercados. Os elementos de contradicao interna do feudalismo foram as molas propulsoras da sua transformacao. A derrocada do feudalismo se deu de forma dialetica, processual e inserida em um contexto historico em que as forcas economicas e sociais o sufocaram, ate o ponto em que o sistema deu lugar ao capitalismo e este montou suas bases por dentro do sistema vigente. Esse processo viria a resultar na tomada de poder por parte da burguesia, que tem na Revolucao Francesa (1789) o seu ponto maximo, provocando profundas transformacoes no sistema de direitos.

    No topico seguinte sera discutido o contexto historico em que se desenvolveram os direitos humanos, sendo importante ressaltar que nao se trata de um movimento linear, e sim processual, marcado por avancos e retrocessos. Realizamos as divisoes em ciclos para destacar os principais elementos de cada momento historico.

    1.1 1 ciclo (seculos XVII e XVIII)

    Segundo Trindade (2002), podemos dividir cronologicamente a aquisicao dos direitos humanos em tres ciclos: o primeiro ciclo, compreendido entre os seculos XVII e XVIII, esta relacionado a construcao pro gressiva de uma nova sociedade diferente da que havia na Idade Media, estando diretamente relacionada aos elementos citados anteriormente. E nesse momento da historia que os estados modernos se constituem e ocorre a substituicao dos privilegios feudais pelos direitos burgueses.

    Quatro marcos historicos foram fundamentais para a aquisicao dos direitos civis e politicos: a Revolucao Puritana (1640), a Revolucao Gloriosa (1688) (1), a luta pela independencia dos EUA (1776) e a Revolucao Francesa (1789). Esta ultima e a mais importante para a conquista de tais direitos, porque projetou os seus ideais para alem das fronteiras francesas, ou seja, com ela "os direitos passam a ter um carater universal" (MONDAINI, 2006, p. 65).

    Nesse momento historico a liberdade e o principio mais evocado por todas essas revolucoes, pois so o ser livre seria capaz de escolher; ou melhor, quando um povo e livre tem possibilidades de escolha e pode construir a sua propria historia. Apesar disso, adiantando alguns elementos da critica de Marx (2009), essa liberdade posta pelas revolucoes burguesas esta intrinsecamente vinculada a sociabilidade capitalista e, por esse motivo, so pode ser exercida dentro das limitacoes que ela impoe. Somente a emancipacao humana permitiria ao ser humano vivenciar uma liberdade plena e sem restricoes.

    A Declaracao dos Direitos dos Homens e do Cidadao, promulgada durante a Revolucao Francesa, segundo Trindade (2002), e o atestado de obito do regime feudal, pois rompe com...

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