Reflexões sobre financeirização e seguro

AutorJ?lia Normande Lins
Páginas435-452
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50 .
REF LE ES SO BR E
FI NA NC EI RI ZA ÇÃ O E S EG UR O
Júlia Normande Lins
INTRODUÇÃO
O
capitalismo contemporâneo impõe a reflexão sobre as mudanças qualitati-
vas na estrutura de acumulação dos principais agentes econômicos. A difi-
culdade em classificar os fenômenos ante as significativas mudanças que surgiram
pós-Bretton Woods, em maioria relacionadas ao crescente poderio das finanças
nas suas mais variadas feições, seja nas mudanças observadas na dinâmica do pró-
prio sistema financeiro, seja no outro extremo da forma de capital, na mudança no
modo de acumulação produtiva e gestão da empresa capitalista, acaba gerando con-
fusões conceituais acerca do tema que comumente se define como financeirização.
Num primeiro momento, portanto, o presente ensaio se propõe a esclarecer
os contornos do conceito de financeirização que considera adequado ao conteúdo
que se pretende discutir.
Esse conteúdo, como o título já diz, volta-se para a reflexão sobre o fenômeno
da financeirização analisado do ponto de vista do setor de seguros. Assim como
o tema da financeirização comporta um sem-número de abordagens, também o
seguro, pelos variados ramos de que é parte – de garantia à vida à garantia de ris-
cos relacionados a atos puníveis de administradores–, é alvo de diversas aborda-
gens relacionadas à “financeirização”.
Aqui, quando falarmos de “seguros”, estaremos nos referindo àqueles que
garantem grandes riscos, ou seja, que garantem os interesses de determinados
segurados ou seguradores expostos a perdas de elevada dimensão, como é o
caso, como exemplo, do grande capital industrial, do ponto de vista das perdas
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dos segurados, aliado aos riscos catastróficos, do ponto de vista da exposição das
seguradoras.
Após explicarmos o funcionamento do setor securitário e os contornos sobre
sua importância para o setor produtivo, passaremos à reflexão objeto do ensaio: de
que modo a financeirização tem interferido no setor de seguros do ponto de vista
dos seus principais agentes, do conteúdo dos produtos comercializados e da fun-
ção social imposta ao seguro?
I. FINANCEIRIZAÇÃO E CAPITALISMO CONTEMPORÂN EO
O tema da financeirização, ou dominância financeira, possui numerosas fren-
tes de embates e percepções, todas inclinadas à caracterização de uma ampla gama
de fenômenos que partilham entre si a ideia de supremacia das finanças, partindo
desde o domínio da lógica financeira sobre o cotidiano dos cidadãos até a financeiri-
zação das commodities e sua influência no agronegócio.1
Tratam-se, sobretudo, de abordagens que possuem uma importante afini-
dade quanto ao período em análise: as mudanças socioeconômicas que marcaram
a dinâmica do sistema capitalista entre os anos 1970 e 1980 e que perduram, em
menor ou maior grau, até os dias de hoje, nos diversos países e nas relações econô-
micas travadas entre si.
Quando se fala em lógica financeira quer-se dizer que, assim como as demais
formas de capital, o capital monetário tem uma pulsão e um modo de acumulação
inerente a ele.
Para Marx, o capital monetário, aqui categorizado enquanto capital portador
de juros, é o resultado da transformação do dinheiro em mercadoria, dando ao seu
proprietário a capacidade de gerar rendimento sobre ele. Seu valor de uso adqui-
rido é o de gerar mais valor por meio dos juros obtidos pela alienação, visualizando
o emprestador apenas a forma abreviada do ciclo de reprodução do capital (D-D’).
N’O Capital, Marx desdobra o capital portador de juros numa segunda cate-
goria: o capital fictício. Sendo considerada uma forma desenvolvida do primeiro,2
o capital fictício não corresponde a capital algum, mas a direitos sobre rendimentos
1 PALLUDETO, Alex Wilhans Antonio; FELIPINI, André Rodrigues. Panorama da literatura sobre a
financeirização (1992-2017): uma abordagem bibliométrica. Economia e Sociedade, Campinas, vol. 28,
n. 2, 2019, pp. 313-337.
2 CARNEIRO, Ricardo. Acumulação fictícia, especulação e instabilidade financeira. Parte I: uma reflexão
sobre a financeirização a partir de Marx, Keynes e Minsky. Economia e Sociedade, Campinas, vol. 28, n.
2 (66), 2019, pp. 293-312.
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