Reflexões sobre o conteúdo diferenciado do princípio do melhor interesse quando aplicável ao idoso

AutorAna Carolina Brochado Teixeira e Joyceane Bezerra de Menezes
Ocupação do AutorDoutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas351-370
REFLEXÕES SOBRE O CONTEÚDO
DIFERENCIADO DO PRINCÍPIO DO MELHOR
INTERESSE QUANDO APLICÁVEL AO IDOSO
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestra
em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Professora do Centro Universitário UNA. Coordenadora editorial da Revista Brasileira
de Direito Civil – RBDCivil. Advogada.
Joyceane Bezerra de Menezes
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Ceará. Professora titular da Universidade de Fortaleza
– Programa de Pós-Graduação Strictu Senso em Direito (Mestrado/Doutorado) da Uni-
versidade de Fortaleza, na Disciplina de Direitos de Personalidade. Professora adjunto
da Universidade Federal do Ceará. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPQ: Direito
Constitucional nas Relações Privadas. Fortaleza, Ceará, Brasil. Editora da Pensar, Revista
de Ciências Jurídicas – Unifor. E-mail: joyceane@unifor.br.
Sumário: 1. A tutela das vulnerabilidades e o princípio do melhor interesse. 2. Contornos do
princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 3. A aplicação do princípio do
melhor interesse pelo direito do idoso: entre a vulnerabilidade e a autonomia. 4. Conclusão.
5. Referências.
1. A TUTELA DAS VULNERABILIDADES E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE
A partir de um movimento de personalização do Direito Civil no mundo ocidental,
o Direito brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988, colocou a pessoa humana no
centro do sistema jurídico e tutela diferenciadamente aqueles que se acham em situação
de vulnerabilidade, a exemplo das crianças, adolescentes, mulheres, idosos e pessoas com
def‌iciência (arts. 227 e 230). O tratamento diferenciado e prioritário creditado às crianças
e aos adolescentes se justif‌ica na maturidade em formação, peculiar ao seu estágio de
desenvolvimento. Paulatinamente, sob a orientação educacional dos pais/responsáveis,
esses f‌ilhos alcançarão maturidade e autonomia, fazendo retrair a heteronomia parental
(TEIXEIRA, 2009).
A pessoa com def‌iciência, por seu turno, é considerada vulnerável em virtude das
limitações permanentes que impactam a sua vida e a sua funcionalidade, demandando
apoio constante da família e da sociedade. Semelhantemente vulnerável é o idoso, que,
em virtude das fragilidades próprias da idade mais avançada, também necessita de uma
proteção diferenciada. O cuidado, porém, deve considerar a autonomia do sujeito, em
especial, quando se tratar de pessoa maior. Diferentemente da criança, o idoso é alguém
EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 351EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 351 07/03/2021 11:15:5907/03/2021 11:15:59
ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA E JOYCEANE BEZERRA DE MENEZES
352
que atingiu maturidade, construiu uma vida de relações, muitas delas, em curso. E as-
sim, a sua vontade e autonomia não podem ser minimizadas pelo apoio de que vierem
a necessitar. Disso resulta que a aplicação do melhor interesse nas situações jurídicas
relacionais que envolverem idoso ou pessoa maior com def‌iciência não poderá descuidar
da autonomia que houverem alcançado ao longo de suas vidas.
Mesmo após o texto constitucional grifar a igualdade entre homem e mulher e
repudiar toda forma de discriminação, ainda há um apelo cultural irradiando a ideia de
que o poder físico, econômico, psicológico e emocional é centrado na f‌igura masculina.1
O mercado de trabalho discrimina por gênero, haja vista a assimetria dos salários pagos
ao homem e à mulher, enquanto a mídia estampa um cotidiano marcado pela violência
doméstica. Não sem razão, lei especial (Lei Maria da Penha) que oferece instrumentos
valiosos de enfrentamento da violência contra a mulher, vítima frequente de toda sorte
de abuso e violência em virtude do gênero, condição que demonstra elevada vulnerabi-
lidade (BODIN DE MORAES, 2013, p. 155).
A passagem do sujeito abstrato dos códigos oitocentistas para o sujeito concreto
é um marco, como referido, da profunda revisão havida na teoria clássica de direito
civil que também repercutiu modif‌icações signif‌icativas em suas diversas categorias e
institutos, favorecendo, inclusive, o efetivo diálogo entre teoria e prática, abstração e
concretude (RODOTÀ, 2007). Nessa medida, acolhendo-se a pessoa como um sujeito
de igual dignidade, a sua tutela deve ser compatível à sua necessidade, o que explica
um tratamento diferenciado aos vulneráveis.2 O papel do Direito é exatamente o de
oferecer instrumentos jurídicos adequados para compensar essa fragilidade – rectius, a
f‌im de equilibrar a relação jurídica em atenção aos princípios da igualdade material e da
dignidade da pessoa humana.3
Nesse contexto, o princípio da solidariedade assume especial relevância, legitimando
a um só tempo a produção das normas que estabelecem a tutela especial aos vulneráveis
e a intervenção estatal reequilibradora voltada à sua proteção.4 O princípio do melhor
1. Esse viés discriminatório pode ser identif‌icado em atitudes mais extremadas, a exemplo da decisão de juiz do TJRJ
que modif‌ica a guarda de f‌ilho de 08 anos que sempre viveu com mãe, na favela de Manguinhos (RJ), em favor do
pai, residente em São Gonçalo (RJ), sob o argumento de que é melhor para a criança do sexo masculino ser criada
pelo pai. Também alega que a mãe reside em área violenta, mas esse argumento já não procede, porque o munícipio
de São Gonçalo é igualmente assolado pela criminalidade. Disponível em: [https://oglobo.globo.com/rio/juiz-
-aponta-violencia-do-rio-para-tirar-guarda-de-mae-que-mora-com-f‌ilho-na-favela-de-manguinhos-1-23823203].
Acesso em: 15 fev. 2020.
2. “Nesse ambiente de renovado humanismo, a vulnerabilidade da pessoa humana será tutelada, prioritariamente,
onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados
grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção
da lei. Nestes casos estão as crianças, os adolescentes, os idosos, os portadores de def‌iciência físicas e mentais, os
não proprietários, os consumidores, os contratantes em situação de inferioridade, as vítimas de acidentes anôni-
mos e de atentados a direitos de personalidade, os membros da família, os membros de minorias, dentre outros”.
(BODIN DE MORAES, 2013, p. 155).
3. “Não se trata apenas de estabelecer a igualdade material, como no caso do consumidor, mas prover a proteção
especial de uma minoria que se encontrava subjugada em todas as relações sociojurídicas, inclusive familiares.”
(BARBOZA, 2008, p. 61).
4.
Heloisa Helena Barboza (2009, p. 110) af‌irma que “a vulnerabilidade se apresenta sob múltiplos aspetos existen-
ciais, sociais, econômicos. Na verdade, o conceito de vulnerabilidade (do latim vulnerabilis, ‘que pode ser ferido’,
de vulnerare, ‘ferir’, de vulnus, ‘ferida’) refere-se a qualquer ser vivo, sem distinção, que pode, eventualmente, ser
‘vulnerado’ em situações contingenciais”.
EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 352EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 352 07/03/2021 11:15:5907/03/2021 11:15:59

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT