Reflexões sobre o contrato de trabalho a tempo parcial e a reforma trabalhista

AutorNádia Regina de Carvalho Mikos
Páginas49-54

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1. Introdução

Sob o manto da necessária atualização da legislação celetista, que promulgada em 1943 apresentava disposições carcomidas em confronto à realidade laboral, o Poder Legislativo aprovou a Lei n. 13.467/2017, que vige a partir de 11 de novembro de 2017, alterando mais de cem artigos da “idosa e desatualizada” Consolidação das Leis do Trabalho.

Não há um consenso acerca dessa necessidade. De um lado, os apoiadores da Reforma afirmam que as mudanças gerarão mais empregos, que a era tecnológica prescinde de maior flexibilização nas normas trabalhistas e que o hermetismo da legislação laboral impede o desenvolvimento econômico, porque oprime o empregador em regras que atrasam a performance empresarial frente às exigências de uma nova ordem mundial.

De outro lado, os combatentes opositores temem que a Reforma desequilibre ainda mais a relação empregado-empregador, precarizando a relação de trabalho porque liquida direitos arduamente conquistados e que tem estrita relação com uma nova visão de meio ambiente laboral, sob a égide de um princípio de responsabilidade solidária de todos com todos.

É fato, entretanto, que a partir de novembro de 2017 as práticas laborais serão alteradas. Pelo menos por agora, o que se faz extremamente necessário é o debate reflexivo, para levar à construção dos novos contornos que a Reforma prega.

Dentre os artigos modificados, a modalidade contratual a tempo parcial mereceu alterações significativas pela concretização da Reforma Trabalhista, modificando alguns de seus elementos conceituais, com vistas à sua adequação a uma nova realidade de demanda do mercado de trabalho, para alguns, e para oficializar situações que, de fato, já ocorriam na seara laboral, para outros.

A proposta de alteração dessa forma contratual já integrava o texto originário da Mini-Reforma, proposta consubstanciada pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016, a contrário de outras alterações que foram sendo adicionadas ao Projeto, tanto em se considerando a origem (iniciativa do Poder Executivo Federal) quanto em sua tramitação (pelas duas Casas Legislativas).

Os atores do contrato de emprego terão à sua disposição novas normativas, que ensejarão — como, ademais, a maioria das normas contidas na Lei n. 13.467/2017, grande embate e construção doutrinária, a fim de minimizar eventuais discrepâncias interpretativas.

Por tal, busca-se trazer a lume estas considerações a respeito do tema, como parte integrante de mais uma obra capitaneada pelo ilustre Professor Doutor José Affonso Dallegrave Neto, no objetivo de auxiliar as reflexões necessárias aos operadores do Direito Laboral, não só em sua executividade diária, mas principalmente para uma construção de novos contornos para a relação laboral, frente às modificações impostas pelo cenário econômico.

2. Do Conceito e dos Contornos

É da natureza intrínseca do contrato a especificação do prazo de duração de sua execução, não sendo diferente com os contratos laborais. O que se convencionou denominar-se de contrato padrão estabelece uma carga horária diária de oito horas, perfazendo o total semanal de quarenta e quatro horas de jornada.

A Consolidação das Leis do Trabalho2, calcada por disposições constitucionais (art. 7º, incisos XIII e XIV) estabelece, igualmente, em seu Capítulo II a duração do trabalho para considerar esses os termos de uma “duração normal do trabalho3”.

Já no caput do art. 58-A, encontra-se o contorno conceitual do trabalho em regime de tempo parcial como sendo

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“aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais”, por redação inserida, ao final4, em razão da edição da Medida Provisória n. 2.164-41/2001.5

A “novidade” trazida pela legislação de 1998 e regulamentada pela Medida Provisória de 2001 inseriu no mundo laboral o regramento de um contrato de trabalho não-padrão, mas que já se encontrava sendo realizado no mundo fático, à espera, apenas, de seu reconhecimento em dispositivo legal, como sói acontecer com tantos outros institutos jurídicos.

Embora não deva ser considerado uma modalidade especial, o contrato de trabalho a tempo parcial tem por característica principal a limitação diferenciada da jornada laboral, que se reflete bastante inferior àquela estabelecida como “normal” pelas disposições constitucionais, também espelhadas na legislação consolidada.

Outro elemento característico desse tipo contratual é a impossibilidade do elastecimento da jornada por hora suplementar6. Vale dizer que o contrato a tempo parcial deveria ser cumprido somente dentro da jornada pré-estabelecida, vez que se o reconhecia como uma modalidade diferenciada.

Em relação à remuneração, também o dispositivo trata da isonomia salarial, valendo afirmar que o salário do empregado contratado a tempo parcial é proporcional à sua jornada, tendo-se por base o salário de outros empregados que desempenham as mesmas funções em tempo integral.

Há, entretanto, uma diferença substancial nesse tipo de contrato, além da que diz respeito direto à jornada de trabalho. No tratamento dado às férias, a Consolidação apresenta em seu art. 130-A7 as regras próprias da concessão de férias para os contratados sob o regime a tempo parcial:

I — dezoito dias de férias, para jornada superior a vinte e dois e até vinte e cinco horas semanais;

II — dezesseis dias, para jornada superior a vinte e até vinte e duas horas semanais;

III — quatorze dias, para jornada superior a quinze e até vinte horas semanais;

IV — doze dias, para jornada superior a dez dias e até quinze horas semanais;

V — dez dias, para jornada superior a cinco horas e até dez horas semanais;

VI — oito dias, para jornada igual ou inferior a cinco horas semanais.

Como nas demais modalidades contratuais, é possível a adoção do regime parcial tanto em sua própria origem (momento da contratação) quanto por meio de alteração do contrato, desde que em consonância às normas cole-tivas de trabalho. Neste último caso, a transmudação do regime deverá ser operada sem perda de garantias trabalhistas, como ressalta Maria Lucia Cardoso de Magalhães.8

Faz-se necessário, outrossim, diferenciar o contrato de trabalho em regime de tempo parcial daquele a que se denomina “trabalho de meio período”. Neste, também contratualmente ajustado e sob a guarida da legislação laboral, o empregado tem jornadas diárias idênticas, ou seja, sua jornada está pré-estabelecida e não sofre modificações ao longo do desenvolvimento e execução do contrato. Já no contrato em regime de tempo parcial, a distribuição das horas da prestação do serviço pode ser irregular, desde que não exceda ao limite estabelecido pela legislação9.

Maria Lúcia Cardoso de Magalhães10 leciona, ainda, que este tipo contratual não se confunde, igualmente, com o contrato de trabalho provisório, instituído pela Lei

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n. 9.601/199811 e com o contrato de trabalho temporário, regido pela Lei n. 6.019/7412.

Não obstante sua adequada conformação legal, o contrato de trabalho em tempo parcial sugeria discussões jurisprudenciais especialmente quanto à forma de cumprimento, em franco desrespeito à sua característica principal, como se vê do seguinte aresto:

TRT-6 — Recurso Ordinário RO 00016704920155060101

Data de publicação: 03/08/2017

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. REGIME DE TEMPO PARCIAL. INVALIDADE. Conforme restou devidamente comprovado nos autos, durante o período contratual em que o autor esteve sujeito ao regime de tempo parcial, sua jornada habitualmente extrapolava o limite semanal de 25 horas disciplinado no art. 58-A, caput, da CLT. Claramente descumprido, pois, o requisito de validade dessa modalidade de contrato de trabalho disposto no § 4º do art. 59-A da CLT, segundo o qual “Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras”. Destarte, correta a sentença ao reconhecer como nulo o contrato de trabalho por tempo parcial a que o reclamante esteve sujeito até 30.4.2012 e, por consequência, deferir em seu favor as diferenças salariais e reflexos para o piso da sua categoria profissional...

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