Reflexões sobre a nova lei falimentar: os efeitos da homologação do plano de recuperação extrajudicial

AutorJean Carlos Fernandes
Páginas169-184

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1. Introdução

A Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 20051 instaurou uma nova ordem jurídica no direito concursal brasileiro. A busca da preservação da empresa em crise econômi-co-financeira contribuiu para a mudança de paradigma, focado no regime anterior apenas na liquidação do acervo patrimonial do devedor em estado de insolvência e pagamento de seus credores.

A atual evolução dó direito falimentar brasileiro supera a fase de uma legislação orientada pelo modelo pró-credor, voltada apenas ao incentivo da liquidação dos ati-vos do devedor e sua partilha entre os credores.

A Inglaterra é um exemplo típico de regime de insolvência pró-credor, com uma legislação que acelera a liquidação dos ati-vos e pagamento dos credores. O incentivo ao encerramento das atividades das empresas é traço marcante no direito inglês.

O modelo pró-credor, contudo, não atende aos interesses sociais que gravitam em torno da empresa em crise, devendo, em muitas situações, sopesá-los na busca da recuperação do devedor e manutenção da fonte produtora. Surge, assim, uma visão do regime de insolvência voltado para o modelo pró-devedor, detectável nos países com sistemas jurídicos derivados do direito romano, apresentando incentivos ao devedor e possibilidades amplas de recuperação.2

2. A influência da economia no sistema falimentar

O impacto da falência não se restringe apenas às empresas que se tornem insolventes ou aos seus credores particulares, mas afeta diretamente a economia, que sofre os efeitos das crises económicas, fa-tores conjunturais, problemas de liquidez, acirramento da concorrência, desenvolvi-

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mento de novas tecnologias e até mesmo insolvência de fornecedores ou clientes.

Os nefastos efeitos sócio-econômicos da falência demandam uma ordem jurídica mais coerente e adequada, visando diminuir os impactos causados pela insolvência na economia, voltando-se, principalmente, para função social da empresa.

A interação entre economia e direito, principalmente no sistema falimentar, necessita de um Judiciário conscientizado do seu papel determinante no desenvolvimento económico.3 O desempenho do Judiciário no mundo globalizado4 do século XXI deve ser avaliado segundo os serviços que ele produz em termos de garantia de acesso, previsibilidade e presteza dos resultados, além de remédios adequados. Deve-se "focar a justiça enquanto uma entidade que presta serviços para a sociedade, e considerar a qualidade dos serviços ofertados",5 de forma eficiente.

Adverte Rafael Bicca Machado que, "Infelizmente, ainda não está assimilada por todos a ideia de que julgadores devem sopesar, em suas decisões, os reflexos eco-nômico-sociais das mesmas.

"Mas para isso, primeiramente, é fundamental que os operadores do Direito, em sua totalidade, deixem de preconceitos e aceitem, antes de mais nada, que a Economia existe como Ciência. Que possui leis e regras próprias, e que estas não são sempre fruto da exploração de uma maioria pobre por uma maioria rica. E, por fim, que estas devem ser minimamente estudadas."6

Segundo Armando Castelar Pinheiro, "O Judiciário é uma das instituições mais fundamentais para o sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir direitos de propriedade e fazer cumprir contratos. Não é de surpreender, portanto, que há vários anos o Congresso Nacional venha discutindo reformas que possam tornar o Judiciário brasileiro mais ágil e eficiente. O que se verifica, não obstante, é que apenas recentemente se começou a analisar e compreender as relações entre o funcionamento da justiça e o desempenho da economia, seja em termos dos canais através dos quais essa influi no crescimento, seja em relação às magnitudes envolvidas. Nota-se, assim, que até aqui o debate sobre a reforma do Judiciário ficou restrito, essencialmente, aos operadores do direito -magistrados, advogados, promotores e procuradores - a despeito da importância que essa terá para a economia".7

Nesse contexto, a legislação falimentar deve ser um "mecanismo justo e célere e que preserve, na medida do possível, a entidade económica, sem prejuízos aos credores legítimos da massa".8 Uma lei de falências deve perseguir objetivos, além de

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mera redução de capital de custo. Há que se considerar o assunto sob uma perspectiva mais voltada à análise económica do direito.

A teoria formal da falência9 começou com o reconhecimento de que o sistema falimentar às vezes é necessário para salvar o problema de ação coletiva entre os credores de uma empresa. A "angústia" ocorre quando a empresa não consegue ter renda suficiente para cobrir seus custos sem incluir os custos financeiros. Tal empresa tem valor economicamente negativo. Credores se interessam mais na existência de bens que satisfaçam suas exigências do que em salvar empresas. Se existem bens, os credores tentarão pegá-los, e isso provavelmente conduzirá pouco a pouco a uma liquidação.

A teoria moderna da falência relaciona o resultado de um processo falimentar com as fases mais recentes de uma empresa mutuária. Um eficiente sistema falimentar ex post10) maximizaria o saldo que credores receberiam de empresas insolventes.

Uma lei de falências sem "poderes anulatórios",11 que fornecedores e consumidores poderiam contratar com segurança, que inverte o plano de compensação de despesas de credor e que é somente um procedimento de valor que as partes estão livres para variarem diferenciariam muito da lei que temos agora.

Cabe destacar aqui que o sistema americano é mais dirigido ao mercado que os sistemas equivalentes na Europa. Em muitas jurisdições europeias, quando uma empresa importante passa por "angústia" o país aprova um subsídio; o propósito disso é injetar liquidez na empresa. Nos EUA, ao contrário, o mercado de crédito decide se aumenta a liquidez para a empresa. Devedores "angustiados" que não podem persuadir o mercado estão quebrados e liquidados.

Um sistema de falência deveria funcionar para maximizar o retorno e rendimentos que credores ganhariam quando empresas quebrassem. Quanto maior for este retorno menor será a taxa de juros que o credor exigirá para emprestar. Uma maior taxa de juros é eficiente por duas razões. Primeiro, o grupo de projetos social e economicamente variáveis que as empresas irão perseguir se tornam maiores quando as taxas de juros diminuem. Segundo, o esforço que as empresas fazem em busca de projetos de fundos de débitos sobe para nível ótimo quando a taxa de juros cai.12

Segundo Alan Schwartz,13 duas questões se mostram relevantes no contexto da organização do processo de falência: 1) Como a Lei de Falências pode contribuir ex ante na geração de incentivos para que o regime de garantias ajude o sistema de crédito a funcionar com mais eficiência? 2) E como potencializar a eficiência ex post com que se dá a reestruturação ou o fechamento ordenado da empresa, no contexto dos conflitos que se afiguram nessas circunstâncias?

Um sistema que promova ex ante maior proteção aos credores, por meio de garantias, responde à primeira indagação. A segunda pergunta encontra resposta na realocação ou maximização expost, de forma eficiente, de ativos entre os vários agentes económicos. Nos dizeres de Castellar e Saddi: "Primeiro, um procedimento fali-

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mentar deveria produzir um resultado eficiente expost. Quer-se dizer, com isso, que o valor total dos ativos da massa falida deveria ser sempre maximizado, a fim de produzir a maior quantidade de dinheiro possível para os credores, aqui entendidos como todos aqueles que têm algo a prémio na empresa (não apenas bancos e fornecedores, mas também empregados, fisco etc). Ou seja, qualquer decisão de venda ou reestruturação deve obedecer à simples regra de que o procedimento será mais eficiente se o resultado aos credores for maior. É evidente que isso conduz a um estado de eficiência ex ante: quanto maiores as garantias dadas aos credores antes da insolvência ou da iliquidez, menores os custos de transação relacionados ao curso das ati-vidades da empresa (a taxa de juros, por exemplo)".14

É certo que o processo falimentar impõe custos de transação (deterioração dos ativos, inutilização ou subutilização dos recursos produtivos, custas judiciais, perícias, administrador legal, advogados etc), pois é sempre um processo de distribuição de valor. A insolvência leva os credores a um jogo semelhante ao do "dilema do prisioneiro".15 Na tentativa de cada um maxi-mizar o seu resultado, sabendo que os demais também estarão se comportando assim, inviabilizam-se soluções que produzem um resultado agregado mais elevado. É melhor vender o negócio do devedor como um todo (o que tende a valer mais) do que fatiá-lo.16

Segundo Alan Schwartz,17 o Estado deveria fornecer às partes (pelo menos) dois processos de falência que regulassem a liquidação e reorganização. Cada um destes processos poderia maximizar o retorno/rendimento insolvente líquido, dependendo das circunstâncias que as partes estão enfrentando. O Estado também deveria permitir que as partes contratassem em acordo de empréstimos/mútuos a respeito de qual procedimento posteriormente seria aplicado a eles. Os contratos ex ante melhor resolveriam os problemas de apresentação que surgiriam entre uma empresa insolvente e seus credores. A empresa pode não devidamente atrasar a entrada em um processo, e pode escolher o procedimento que maximize benefícios.18

Assim, a interação entre direito e economia torna-se...

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