Reflexões sobre o tempo de espera e sua inconstitucionalidade

AutorAlexandre Simões Lindoso
Páginas256-263

Page 256

1. Considerações iniciais

O instituto denominado de “tempo de espera” compreende aquelas horas em que o motorista profissional empregado fica aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias.

A Lei n. 12.619, de 30 de abril de 2012, introduziu o tempo de espera na dinâmica do trabalho do motorista, promovendo a inserção na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do artigo 235-C, §§ 8º e 9º, de seguinte teor:

§ 8º São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias.

§ 9º As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por cento).

De características já sobremaneira criticáveis, o instituto do tempo de espera assumiu contornos ainda mais deletérios com o advento da Lei n. 13.103, de 2 de março de 2015, trazendo por consequência um maior coeficiente de precarização das condições de trabalho do motorista.

Realmente, na forma em que previsto no artigo 6º da Lei n. 13.103/2015, o tempo de espera obedece à seguinte conformação legal:

“Art. 235-C. [...]

§ 1º Será considerado como trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso e descanso e o tempo de espera.

[...]

§ 8º São considerados tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias.

§ 9º As horas relativas ao tempo de espera serão indenizadas na proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora normal.

§ 10. Em nenhuma hipótese, o tempo de espera do motorista empregado prejudicará o direito ao recebimento da remuneração correspondente ao salário-base diário.

§ 11. Quando a espera de que trata o § 8º for superior a 2 (duas) horas ininterruptas e for exigida a permanência do motorista empregado junto ao veículo, caso o local ofereça condições adequadas, o tempo será considerado como de repouso para os fins do intervalo de que tratam os §§ 2º e 3º, sem prejuízo do disposto no § 9º.

§ 12. Durante o tempo de espera, o motorista poderá realizar movimentações necessárias do veículo, as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 (oito) horas ininterruptas aludido no § 3º.

§ 16. Aplicam-se as disposições deste artigo ao ajudante empregado nas operações em que acompanhe o motorista.” (NR)

Page 257

O instituto, conforme se verá, padece de inúmeras inconstitucionalidades. Demonstrá-las constitui o objeto do presente trabalho. É o que passamos a fazer.

2. Tempo de espera e sua natureza jurídica

Com vistas ao exame das inconstitucionalidades que eivam o tempo de espera, é absolutamente imperioso que fixemos a sua natureza jurídica.

Com vistas à consecução de tal mister, cabe observar que a legislação traça algumas importantes diretrizes ao regulamentar o instituto. Segundo a Lei n. 13.103/2015, o período em que o trabalhador está em tempo de espera não será computado como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias.

Vê-se, pois, que pretendeu o legislador instituir um critério especial de fixação da jornada, à semelhança do que ocorre com o tempo de prontidão e com o sobreaviso, com os quais, porém, o tempo de espera não se confunde.1

Prossegue, porém, a legislação afirmando que, quando “superior a 2 (duas) horas ininterruptas e for exigida a permanência do motorista empregado junto ao veículo, caso o local ofereça condições adequadas”, o tempo de espera “será considerado como de repouso para os fins do intervalo de que tratam os §§ 2º e 3º”. Já aqui o legislador equipara o tempo de espera aos intervalos intra e interjornada, conquanto seja forçoso observar que tal equiparação revela-se de todo inadequada e constitucionalmente impertinente, consoante se verá mais adiante.

À luz da legislação, portanto, tem-se que o tempo de espera assume uma natureza jurídica híbrida e mutante. Em um primeiro momento assume a feição de critério especial de fixação de jornada. Em outro, transmuda sua natureza jurídica, equiparando-se aos intervalos intra e interjornada.

A partir de cada uma das naturezas jurídicas acima, cabe analisar a inconstitucionalidade do tempo de espera.

3. Tempo de espera enquanto critério especial de fixação da jornada

Do regramento legal que rege o tempo de espera, extrai-se que, conquanto o veículo não esteja em movimento, em razão de operações de carga, descarga ou fiscalização, o trabalhador está efetivamente à disposição de seu empregador, aguardando ou executando ordens. Tanto que, de acordo com o § 12 do art. 235-C da CLT, “durante o tempo de espera, o motorista poderá realizar movimentações necessárias do veículo”. Ademais, para o bom desenlace da fiscalização fiscal ou alfandegária, o trabalhador terá que prestar esclarecimentos e apresentar documentos referentes aos bens que são objeto do transporte, a fim de que sejam concluídos os procedimentos e o veículo possa seguir viagem.

Sucede que, a despeito disso, a Lei n. 13.103/2015 estabelece que o tempo de espera não é computado para fins de quantificação da jornada de trabalho, não se caracterizando igualmente como hora extraordinária. É o que textuamente preconiza a redação atribuída à Consolidação das Leis do Trabalho (art. 235-C, § 1º e § 12), pelo artigo 6º da lei aqui analisada.

Para além disso, como contraprestação pelo labor realizado o § 9º do artigo 235-C da CLT estabelece que: “As horas relativas ao tempo de espera serão indenizadas na proporção de 30% (trinta por

Page 258

cento) do salário-hora normal.” Em síntese, o empregado, não obstante esteja na execução efetiva de trabalho, não é remunerado por isso. Percebe apenas o montante equivalente a 30% do salário hora normal. E mais, esse montante lhe é pago a título indenizatório, sem produzir reflexos, portanto, no pagamento de férias, 13º salário etc, além de não integrar a base de cálculo da contribuição para o FGTS2, nem dos recolhimentos para a previdência social3.

A primeira inconstitucionalidade que emerge das disposições normativas acima situa-se na contrariedade por elas perpetrada ao artigo 7º, XIII e XVI, da Constituição, cujo teor é o seguinte:

“Art. 7º [...]

XIII — duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[...]

XVI — remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;”

Conforme se vê de maneira clara e insofismável, o texto constitucional estabelece uma correlação entre trabalho e tempo, estabelecendo no rol de direitos fundamentais sociais do trabalhador a limitação da jornada.

Nesse contexto, se há prestação de trabalho, o atuar do trabalhador ou se insere na jornada ordinária prevista no inciso XIII do artigo 7º da Lei Magna e tem a sua contraprestação abarcada pelo salário contratual pactuado, ou, ultrapassada a jornada normal, o labor estará inserido no conceito de serviço extraordinário (inciso XVI) e, como tal, deverá resultar no pagamento de remuneração, no mínimo, superior em cinquenta por cento àquela correspondente à hora normal.

Conforme se infere do caput do artigo 7º da Constituição, a dicotomia trabalho ordinário e extraordinário se aplica à integralidade dos trabalhadores urbanos e rurais, de sorte que os destinatários da Lei n. 13.103/2015 não estão excepcionados. Nesse contexto, em razão do princípio da supremacia das normas constitucionais, não pode o legislador ordinário instituir uma modalidade de trabalho que não esteja inserido quer na jornada ordinária (inciso XIII), quer na extraordinária (inciso XVI).

Entender-se de forma diversa significa abrir ensanchas ao esvaziamento do núcleo essencial dos referidos dispositivos constitucionais, mediante a submissão do trabalhador a jornadas que, além de abusivas e extenuantes, não serão dignamente remuneradas.

Imagine que o empregado, antes de iniciar a viagem, permaneça ao lado do veículo aguardando por uma hora o carregamento da mercadoria que irá transportar. Suponha que, iniciada a viagem, após dirigir por 1 (uma) hora, esse motorista depare-se com um posto de fiscalização e seja compelido a aguardar por 3 (três) horas em uma fila, até a chegada de sua vez. Não obstante tenha trabalhado efetivamente por 5 (cinco) horas (1 hora de carregamento + 1 hora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT