Reflexos das representações sociais de gênero no funcionamento da guarda compartilhada

AutorRoselaine Toledo - Maria das Dores Saraiva de Loreto
CargoUniversidade Federal De Viçosa - Universidade Federal De Viçosa
Páginas146-177
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 9 - Nº 04 - Ano 2020
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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REFLEXOS DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO NO
FUNCIONAMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA
Roselaine Toledo
1
Maria das Dores Saraiva de Loreto
2
Resumo: Este artigo objetivou analisar
os reflexos das representações sociais de
gênero no funcionamento da guarda
compartilhada, considerando a visão dos
operadores de direito e das famílias de
Viçosa/MG, em que essa modalidade de
guarda foi aplicada. Para tanto, utilizou-
se de uma abordagem qualitativa, por
meio de pesquisa bibliográfica e análise
textual dos dados de entrevistas
aplicadas junto aos referidos sujeitos, por
meio do Software Iramutec. Os
resultados evidenciaram que os
magistrados vêm aplicando a guarda
compartilhada, como regra, na comarca
de Viçosa-MG, por entenderem que é
dever de ambos os pais de forma
igualitária o compartilhamento dos
direito e deveres referentes ao seu filho,
participando da sua educação, criação e
cuidado, remetendo essa igualdade,
nomeadamente à conquista da mulher
pelo espaço público. Contudo, na visão
1
Universidade Federal De Viçosa
2
Universidade Federal De Viçosa
das famílias, a divisão de papéis da
maternidade e paternidade está, ainda,
presente em relação à organização
familiar, por considerarem que a mãe
desenvolve melhor a função de
cuidadora e o pai de provedor. Nesse
sentido, pode-se concluir que, a despeito
da guarda compartilhada ser aplicada
como regra na comarca de Viçosa/MG,
na prática, a guarda unilateral materna se
mantém, assim como a divisão de papéis
socialmente construídos.
Palavras-chaves: Representações
Sociais de Gênero. Reflexos. Guarda
compartilhada.
Abstract: This paper aimed to analyze
the reflexes of social representations of
gender in the functioning of shared
custody, considering the view of legal
operators and families in Viçosa/MG, in
which this custody modality was applied.
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For this purpose, a qualitative approach
was used, through bibliographic research
and textual analysis of the data from
interviews applied to these subjects,
using the Iramutec Software. The results
showed that the magistrates have been
applying shared custody, as a rule, in
Viçosa/MG, because they understand
that it is the duty of both parents to share
equally the rights and duties regarding
their child, participating in their
education, creation and care, referring
this equality, namely to the conquest of
women in the public space. However, in
families view, the division of roles of
motherhood and paternity is still present
in relation to family organization, as they
consider that the mother better develops
the role of caregiver and the father of the
provider. In this sense, it can be oncluded
that, despite shared custody being
applied as a rule in Viçosa/MG, in
practice, the unilateral maternal custody
remains, as well as the division of
socially constructed roles.
3
Art. 1.584. § 2º do CC. Quando não houver
acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a
exercer o poder familiar, será aplicada a guarda
compartilhada, salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja a guarda
do menor (Brasil, 2002)
Keywords: Social Representations of
Gender. Reflexes. Shared custody.
1 INTRODUÇÃO
A guarda compartilhada foi
regulamentada pela primeira vez no
Brasil, em 2008, pela Lei n° 11.698 de
2008. E, em 2014, a Lei 13.058,
alterando o artigo 1.584 do CC,
3
determinou a aplicação desta
modalidade de guarda como regra. Antes
da legislação de 2008, o Código Civil
Brasileiro tratava somente da guarda
unilateral, observando, para sua
aplicação, o critério de melhores
condições para exercê-la, o que
correspondia, na prática, em sua maioria
na guarda unilateral materna.
É importante destacar que o
Código Civil de 1916 determinava que o
pátrio poder
4
fosse exercido pelo pai, que
possuía a guarda exclusiva dos filhos,
submetendo as mulheres às
determinações do cônjuge, já que era
4
O poder familiar tem origens remotas. No
direito romano, base das legislações modernas, a
figura do pater era tida como uma espécie de
chefe absoluto. Os membros da família (mulher,
filhos e escravos) eram “propriedade” do pater,
podendo este vend ê-los, puni-los e até matá-los,
ou seja, a pátria potestas romana abrangia o poder
de vida ou morte. (Cordeiro, 2016, sp).
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reconhecida como relativamente incapaz
para o exercício dos atos civis.
5
Somente
em meados de 1962, com a promulgação
do Estatuto da Mulher Casada (Lei
4.121/1962), o exercício do pátrio poder
foi legitimado, como sendo de
competência de ambos os pais.
Em 1977, com a Lei do
Divórcio (Lei 6.515), no caso de
dissolução conjugal, a guarda era
concedia ao cônjuge inocente ou
unilateralmente à mãe, no caso de ambos
os cônjuges serem responsáveis pela
separação.
A Constituição Federal de 1988
promulgou a igualdade entre homens e
mulheres em direitos e obrigações e, em
seu artigo 226, § 5º, consagrou o poder
familiar a ambos os pais, relatando: “Os
direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher” (Brasil, 1988).
Nesse sentido, o CC/02 alterou a
expressão “pátrio poder” para “poder
familiar”, consolidando a ideia de que tal
5
Com o casamento, a mulher perdia sua
capacidade civil plena, ou seja, não poderia mais
praticar, sem consentimento do marido, inúmeros
atos que pratica ria sendo maior de idade e
solteira. Deixava de ser civilmente capaz para se
tornar, “relativamente incapaz”. Enfim, esse
Código Civil regulava e legitimava a hierarquia
de gênero e o lugar subalterno da mulher dentro
do casamento civil. Assim, se casada, a mulher
poder deve ser exercido conjuntamente
pelo pai e pela mãe, em igualdade de
condições.
É importante ressaltar que todas
essas modificações legislativas são
frutos das dinâmicas sociais,
notadamente dos movimentas
feministas, na busca pela visibilidade,
inserção e autonomia feminina no espaço
público. Como destaca Pinto (2010), sob
o impacto desses movimentos, foram
implementadas as primeiras políticas
públicas com recorte de gênero, visando
superar a desigualdade entre mulheres e
homens na sociedade brasileira. Além
disso, como salienta Itaboraí (2017: 85),
o estudo de gênero é importante na
percepção da organização familiar, pois
contribuí “decisivamente para
desnaturalizar os modelos de família e
realçar as desigualdades de gênero que a
estruturam”.
Nesse sentido, objetivou-se
examinar os reflexos das representações
sociais de gênero no funcionamento da
não poderia, sem prévia autorização do seu
marido “aceitar ou repudiar herança; aceitar
tutela, curatela ou outro múnus público; litigar
(demandar) em juízo civil ou criminal e exercer
profissão”. Vale destacar: na Justiça do Trabalho
ela necessitava da assistência do marido para
reivindicar direitos trabalhistas (Barsted;
Hermann, 1999: 19).

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