Reflexos da Lei 11.719, de 20 de Junho de 2008, Sobre o Instituto da Absolvição Sumária

AutorAndreo Aleksandro Nobre Marques
CargoDoutorando em Ciências Jurídico-Políticas (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
Páginas6-10

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Excertos

Para todos os efeitos, a sentença que reconhecer extinta a punibilidade valerá como absolvição, independentemente de não constar dos incisos do art. 386 do CPP esta hipótese como fundamento para a sentença absolutória

A sentença que declarar extinta a punibilidade é sentença absolutória, não havendo como afastar a aplicação do art. 8º, 4, do Decreto 678/92

Somente poderá haver absolvição sumária quando houver certeza quanto à inocência do réu, pois, em caso contrário, havendo teses divergentes, é dizer, existindo provas seja no sentido da culpabilidade, seja no sentido da inocência, deverá o juiz proferir decisão de pronúncia, deixando ao órgão constitucionalmente competente o encargo de resolução da controvérsia

1. O que é a absolvição sumária?

É possível dizer, buscando responder à indagação contida no título deste item e em uma primeira aproximação ao tema, que a absolvição sumária é espécie de julgamento antecipado aplicado ao processo penal.

Note-se, porém, que, neste âmbito, se é possível admitir o julgamento antecipado para absolver, o mesmo não pode ser dito quanto a condenar1. Como é cediço, para se proferir um édito condenatório penal, impõe-se que tenha sido garantido ao acusado o devido processo legal, com o consectário da ampla defesa, é dizer, é preciso que sejam respeitadas todas as etapas procedimentais legalmente previstas, justamente para possibilitar que o acusado participe da formação do convencimento do órgão jurisdicional e, só então, havendo lastro material suficiente apontando que praticou uma infração penal, poder vir a ser condenado.

Ocorre que, em certas situações, o prolongamento do processo pode ser um fardo muito pesado para o acusado, quando esteja demonstrada, desde logo, a não existência de elementos capazes de permitir a prolação de uma sentença condenatória.

Justamente por isso, em sintonia com a mais abalizada doutrina do processo penal, a lei veio a dilatar as hipóteses de julgamento antecipado absolutório, o que somente era possível, pela sistemática anterior, no final da primeira fase do procedimento escalonado dos crimes submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular.

Atualmente, portanto, é possível a absolvição sumária após a apresentação de defesa escrita por parte do acusado, conforme se extrai do disposto no art. 397, caput e incisos, do Código de Processo Penal (CPP), desde que o juiz verifique: "a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou d) extinta a punibilidade do agente."

Ademais, sendo verdade que as hipóteses previstas pelo art. 397 do CPP aplicam-se não apenas aos processos que tramitem pelo procedimento comum, ordinário e sumário, mas também a todos os procedimentos penais em primeira instância, ainda que não regulados no CPP, de acordo com o previsto no § 4º do art. 394 do CPP, então, ao disposto no art. 415 do CPP, que trata da absolvição sumária no procedimento relativo ao Tribunal do Júri, deve ser acrescida a hipótese prevista no art. 397, IV, do CPP, esquecida que foi, injustificadamente, pelo legislador, por também se tratar de rito processual aplicável em primeiro grau.

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Da mesma maneira, não se justifica a omissão no art. 397 do CPP acerca das hipóteses elencadas no art. 415, I e II, do CPP, isto é, quando estiver provada a inexistência do fato e quando estiver provado que o acusado não é autor ou partícipe do fato, já que também tratam de possíveis hipóteses de absolvição sumária a ser utilizadas no início de qualquer relação processual penal.

Neste breve ensaio serão feitos comentários acerca das três inovações à sistemática anteriormente existente, começando pela absolvição sumária fundada na extinção da punibilidade.

2. Extinção da punibilidade do agente e absolvição sumária

Segundo o art. 397, inc. IV, do CPP, estando extinta a punibili-dade do agente, deve o juiz, após a apresentação de defesa escrita, absolver sumariamente o acusado, ou seja, proferir julgamento ante-cipado de absolvição com base na extinção da punibilidade.

Sabe-se que o art. 107 do Código Penal contém rol não exaustivo das causas de extinção da punibilidade, podendo outros casos ser extraídos não só do Código Penal2 mas também da legislação extravagante3.

A doutrina, antes da referida inovação legal, costumava classificar a sentença que declarava extinta a punibilidade como terminativa de mérito, pois punha fim ao processo, afastando a possibilidade de imposição de sanção penal, mas sem enfrentar o meritum causae.

Em razão disso, há os que sustentam que andou mal o legislador, que teria laborado em equívoco4, ao prever a extinção da punibili-dade como hipótese de absolvição sumária, já que, nestes casos, não estaria o juiz verdadeiramente a resolver o mérito da causa.

Por outro lado, há os que enxergam com bons olhos a novidade legal. Ao que parece, a lei veio a botar uma pá de cal na discussão que versava na doutrina e na jurisprudência acerca dos efeitos da sentença que extingue a punibilidade. Realmente, havia os que defendiam que quando fosse prolatada sentença extintiva da punibilidade teria o acusado interesse em recorrer para que o Poder Judiciário dissesse não apenas que o Estado não tinha mais o direito de punir, mas que verdadeiramente o acusado não havia praticado crime.

Agora não mais. Para todos os efeitos, a sentença que reconhecer extinta a punibilidade valerá como absolvição, independentemente de não constar dos incisos do art. 386 do CPP esta hipótese como fundamento para a sentença absolutória. É que não há sentido em possibilitar o julgamento antecipado absolutório, tal qual faz o art. 397 do CPP, antes mesmo da instrução processual, com base na extinção da punibilidade, e não aceitá-lo após a instrução processual, somente por falha do legislador, que se esqueceu de acrescentar mais uma hipótese ao art. 386 do CPP5.

Ao que parece, a referida alteração vem ao encontro de uma das garantias judiciais encartadas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, que foi promulgada entre nós pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, mais precisamente àquela disposta no art. 8º, 4, que diz: "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos."

Tal dispositivo, em outras palavras, quer dizer que o Estado não pode brincar com a vida das pessoas, que ele terá, a princípio, apenas uma chance para comprovar que o cidadão praticou um crime, e que, tendo transitado em julgado uma decisão de absolvição pelo Poder Judiciário, jamais poderá o Estado reabrir acusação contra quem quer que seja.

A novidade trazida pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, repita-se, é que, agora, a sentença que declarar extinta a punibilidade é sentença absolutória, não haven-do como afastar a aplicação do art. 8º, 4, do Decreto 678/92, aos casos em que, por exemplo, houver sido declarada extinta a punibilidade com base na morte do agente, mesmo que, posteriormente ao trânsito em julgado, venha a se descobrir que a sentença tenha se apoiado em certidão de óbito falsa, pois a sentença terá feito coisa julgada material.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em mais de uma oportunidade, que a sentença apoiada em certidão de óbito falsa não faz coisa julgada material6 e, por consequência, que a reabertura da ação penal não constitui revisão criminal pro societate.

Também, o Superior Tribunal de Justiça já assentou ser possível a instauração de nova ação penal quando seja descoberto que a sentença que extinguiu a punibilidade pela morte do agente se apoiou em certidão de óbito falsa7.

O fato é que o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça não se justifica do ponto de vista legal, já que tradicionalmente o nosso ordenamento não admite a revisão criminal pro societate8.

Para uns, neste caso, haveria...

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