Reforma administrativa: os privilégios continuam

AutorFlávio de Leão Bastos Pereira
CargoProfessor da Mackenzie
Páginas258-258
258 REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 668 I FEV/MAR 2021
PONTO FINAL
Flávio de Leão Bastos Pereira PROFESSOR DA MACKENZIE
REFORMA ADMINISTRATIVA: OS PRIVILÉGIOS CONTINUAM
Aproposta de emenda
constitucional 32/2020,
que tem por objeto a re-
forma da administração
pública, propõe a alteração de
27 artigos e a inserção de 87
novos dispositivos na Consti-
tuição, inclusive com a retifica-
ção do art. 37, que disciplina a
estrutura principiológica para
a administração pública, sendo
por isso alvo de críticas por es-
pecialistas e administrativistas
que vislumbram a precarização
do Estado e da massa dos servi-
dores de escalões inferiores.
A reforma em curso será
aplicável aos servidores que
ingressarem na carreira após
sua aprovação e atingirá os
três poderes da república em
todas as esferas federativas.
Suas principais proposições
incluem o disciplinamento da
forma de ingresso na carreira
(mediante concurso público,
com período de experiência ou
seleção simplificada), e o fim
da estabilidade para considerá-
vel parcela do funcionalismo,
exceto para carreiras típicas
de estado, que impliquem fun-
ções de alta responsabilidade
e que devem se ver livres de
pressões. Eventual desliga-
mento do servidor somente
se dará por meio de sentença
judicial proferida por órgão
colegiado. Lei complementar
definirá as regras de remune-
ração do serviço público. Al-
guns benecios, como férias
superiores a 30 dias e adicional
por tempo de serviço, passam a
ser extintos.
Não são poucas as críticas
apontadas, a começar pela
constatação de que já vigoram
instrumentos jurídicos neces-
sários para o enfrentamento
dos problemas visados, como a
previsão de processo adminis-
trativo disciplinar nas hipóte-
ses de infrações cometidas por
servidores. Também há ressal-
vas ao fato de que certas cate-
gorias não foram incluídas, in-
clusive com a manutenção de
privilégios, como férias acima
de 30 dias, inexistência de me-
tas etc., e que para certas con-
cessões não existem razões ou
explicações que as justifiquem,
resultando de opções políticas.
Sob o ponto de vista econô-
mico, afirma-se que a reforma
também se impõe em vista da
necessidade de melhor aloca-
ção dos recursos públicos para
que o setor produtivo possa
passar por um processo evo-
lutivo. Contudo, não existem
dados suficientemente claros
que chancelem tal visão. A
grande maioria dos servidores
públicos recebe vencimentos
baixos, se comparados com o
setor privado. As justificativas
para o avanço da reforma ad-
ministrativa parecem ignorar
as próprias razões de ser da
estrutura pública e seus fun-
damentos, como o bem-estar
coletivo e o adequado aten-
dimento das necessidades da
população, pautando-se mais
pela busca do ajuste fiscal e a
privatização de bens públicos.
Certos “mitos” foram con-
solidados perante a popula-
ção, especialmente sobre um
suposto alto número de ser-
vidores públicos e com salá-
rios altos quando, na verdade,
cerca de 60% dos servidores
brasileiros atuam nas esferas
municipais percebendo salá-
rios inferiores e na prestação
de serviços básicos.
Obstáculos constitucionais
deverão ser superados para
que a  32/2020 avance,
como, por exemplo, a garantia
de autonomia administrativa
e financeira conferida ao Po-
der Judiciário pelo art. 99 da
Constituição da República de
1988, o que assegura aos tribu-
nais o direito de elaboração de
suas próprias propostas orça-
mentárias nos limites estabe-
lecidos conjuntamente com os
demais poderes na lei de dire-
trizes orçamentárias.
Assim, um longo caminho
marcado pelos debates políti-
cos e jurídicos deverá ser per-
corrido. O risco, a nosso ver,
consiste na precarização do
Estado e do serviço público,
que se busca aproximar das
normas disciplinadoras do se-
tor privado, também já comba-
lido, colocando em risco a pres-
tação adequada de serviços à
população.n
Giovana Tows

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