A reforma sindical brasileira: redenção ou caos?

AutorProf. Dr. Guilherme Guimarães Feliciano e Prof. Dr. Paulo Roberto Lemgruber Ebert
CargoProfessor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo
Páginas112-147
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A REFORMA SINDICAL NO BRASIL: REDENÇÃO OU CAOS?
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REFORM OF TRADE UNIONS SYSTEM IN BRAZIL: SALVATION OR
CHAOS?
Guilherme Guimarães Feliciano
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Paulo Roberto Lemgruber Ebert
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RESUMO: O presente artigo analisa criticamente as principais proposições legislativas destinadas a promover a
reorganização da estrutura sindical brasileira, sinalizando para as alternativas de modernização e democratização
que podem alinhar o Brasil com os modelos em voga nas democracias mais consolidadas. Tais modelos fundam-
se nos corolários (i) da pluralidade sindical com maior representatividade, (ii) da ampla tutela contra as práticas
antissindicais, (iii) da autonomia sindical, (iv) do fomento à negociação coletiva e (v) da instituição das
representações de trabalhadores nos locais de trabalho. Fora dessa hipótese, corre-se o risco de provocar a implosão
do sistema como resultado da pulverização de entidades pouco representativas, da estagnação financeira, da perda
de força na contraposição aos desígnios empresariais e da legitimação da intervenção patronal na ação sindical.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma sindical. Liberdade sindical. Custeio sindical. Sindicalismo. Sindicatos
brasileiros.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breve síntese das recentes medidas e propostas de reformulação sindical. 3. As
origens históricas da estrutura sindical brasileira e sua configuração na Constituição Federal de 1988. 4. A
liberdade sindical plena e seus elementos conformadores. 5. O problema do custeio sindical e suas soluções no
contexto da liberdade sindical plena e na sistemática sindical brasileira. 6. Considerações finais: a reestruturação
da organização sindical brasileira, a liberdade sindical plena e o papel da hermenêutica constitucional. 7.
Referências.
ABSTRACT: This article analyses critically th e main legislative pr ojects in order to promote the reform of the
Brazilian trade unions system, indicating alternatives of modernization and democracy that be able to align Brazil
with the models in use in the main democracies more consolidated. These models are based in guidelines such as
(i) plurality joined by the major representation, (ii) huge protection against unfair labor practices, (iii) trade unions
freedom of action and internal organization, (iv) reinforcement of the collective bargaining and (v) freedom to
create representative bodies in the workplace level. Out of this hypothesis, there is the risk of the entire trade
unions system could be collapsed by the spreading of unr epresentative and weak entities, by the financial
stagnation, by the weakness in collective bargaining and by the legitimation of unfair labor practices.
KEYWORDS: Reform of trade unions system. Freedom of trade unions association. Costs of trade unions. Trade
unionism. Brazilian trade unions.
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Artigo recebido em:28/01/2020.
Artigo aprovado em: 23/03/2020 e 27/03/2020.
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Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté SP. Coordenador da Pós-Graduação
stricto sensu em Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Taubaté. Presidente da Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do Trabalho no biênio 2013-2015.
3
Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito
Constitucional pela Universidade de Brasília. Professor Universitário. Advogado.
RDRST, Brasília, Volume V, n. 3, 2019, p 112-147, Set-Dez/2019
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SUMMARY: 1. Introduction. 2. Synthesis of the trade unionism reform proposals in discusion. 3. The Brazilian
trade unionism historical origins and its configuration in the Federal Constitution. 4. The full freedom of trade
unions association ant its main guidelines. 5. How to finance trade unions in a full freedom of trade unions asso-
ciation model and in the Brazilian system. 6. Final considerations: rebuilding the Brazilian trade union system
under the full freedom of trade union association and the role of constitutional hermeneutics. 7. References.
1 INTRODUÇÃO
As críticas à estrutura sindical brasileira não configuram exatamente um fenômeno
recente, haja vista que a divergência entre seus elementos, ainda fortemente calcados na
doutrina corporativista, e os cânones da liberdade sindical já são há muito conhecidos e
apontados. Na aurora do nosso atual hiato democrático, a Constituição Federal de 1988
preservava em seu âmago os quatro pilares do modelo corporativista e intervencionista
inaugurado pela Consolidação das Leis do Trabalho, sob a inspiração fascista da Carta del
Lavoro de Benito Mussolini: (i) a unicidade sindical por base territorial; (ii) a representatividade
por categorias (ficção legal até hoje plasmada no art. 511 da CLT); (iii) o poder normativo da
Justiça do Trabalho (redesenhado quinze anos depois, com a Emenda Constitucional n.º
45/2004, para se assemelhar a uma arbitragem pública); e (iv) o financiamento sindical por
contribuições obrigatórias (que se subsumiam, inclusive, à fattispecie do art. 3.º do CTN i.e.,
eram tributos, respaldados pelo art. 149 da CRFB , até o advento da Lei n.º13.467/2017). E,
de fato, acumularam-se por quase três décadas as reflexões acadêmicas e políticas em torno da
baixa representatividade dos sindicatos pátrios, tributária da unicidade por base territorial e do
financiamento compulsório, sem que, todavia, pudessem desencadear quaisquer mudanças
sensíveis no modelo sindical celetário. ao menos até recentemente.
Não obstante, tais críticas se intensificam em maior ou menor medida a depender do
momento político, social e econômico vivenciado pelo país, tendendo a recrudescer
especialmente nos períodos de crise. Foi exatamente essa dinâmica que ocasionou, a partir de
2017, no contexto mais amplo das propostas que culminaram com a chamada Reforma
Trabalhista” (Lei n.º 13.467/2017), um intenso debate a respeito do modelo sindical brasileiro,
com especial ênfase no financiamento das entidades, em sua função negocial, em seu âmbito
de representatividade e em seus mecanismos de atuação.
Ao contrário do que se passou em ocasiões pretéritas e especialmente durante as
discussões concernentes à tentativa pregressa de “reforma sindical”, que se tentou construir,
sob o mandato de Luís Inácio Lula da Silva, com a anuência das centrais sindical (e, diga-se,
sem qualquer êxito) , este é um momento crítico, se não periclitante, para o próprio debate e
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para as suas possíveis veredas. Com efeito, vivencia-se uma frenética atividade propositiva
voltada para a reformulação da estrutura sindical, não exatamente com vista a aprimorá-la em
superação aos problemas congênitos do sistema até então vigente (i.e., no sentido da superação
dos restolhos corporativistas), mas sim no intuito de colocar em xeque suas vigas mestras a
despeito de seus defeitos ou virtudes, mas apenas pelo ímpeto das “mudanças” –, sem
possibilitar a visualização clara do que será posto em seu lugar.
Nessa ensancha, malgrado a opacidade com que se molda o futuro da estrutura sindical
pátria, os próceres de sua célere e radical reformulação asseguram que as medidas propostas
sob a mesma matriz liberal da Reforma Trabalhista culminarão com a modernização do sistema
de relações coletivas e com a democratização dos vínculos entre os trabalhadores representados
e suas entidades representantes, em linha com os ordenamentos mais avançados sobre o tema.
Até este momento, entretanto, não foi o que se viu: bastaram as alterações já introduzidas pela
Lei n.º 13.467/2017, subtraindo abruptamente a obrigatoriedade das contribuições sindicais (o
que decerto havia de ser feito, mas com zonas e fases de transição), subsequentemente
chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal (v. ADI n.º 5794-DF e conexas), para que o
resultado palpável, em finais de 2019, fosse a redução de aproximadamente 1,5 milhão de
trabalhadores sindicalizados, em relação aos patamares de 2016 (quando aproximadamente 16%
da mão-de-obra formal estavam associados a entidades sindicais; em 2018, todavia, o
contingente de sindicalizados caiu em quase 12%)
4
. Apesar disto, seguir-se-ão doravante as
mesmas diretrizes?
Como se vê, é imperioso lançar um olhar crítico profundo sobre as tantas proposições
de reforma sindical que pululam mês a mês, tendo por lentes de apoio, inexoravelmente, (a) a
configuração histórica da organização sindical brasileira, com os vícios e virtudes a ela
inerentes, (b) os fundamentos subministrados pelo Direito Internacional do Trabalho e, em
particular, pelas Convenções n.º 87, 98, 135 e 154, da OIT, engendrando o que doravante
designaremos como liberdade sindical plena (em contraponto à liberdade sindical mitigada
instalada no Brasil a partir de 5/10/1988, ex vi dos incisos I a VIII do art. 8.º da CRFB) e (c)
as experiências exitosas hauridas do direito comparado. Eis a senda segura quando se quer
antever configurações eficientes para o nosso modelo de representatividade sindical, como
ainda para a própria estrutura sindical brasileira; ou, ainda, quando se deseja avaliar se o porvir
sinalizado por algumas das propostas legislativas (ou pré-legislativas) em curso será capaz de
4
V., por todos, “Brasil perde 1,5 milhão de sindicalizados após reforma trabalhista”. Folha de S. Paulo,
18/12/2019 (Caderno “Mercado”). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/12. Acesso em
22/12/2019.

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