Reforma Trabalhista: até onde é possível a sua revisão pela via judicial

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas226-230

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1. Introdução

Em 11 de julho de 2017, depois de uma conturbada sessão, e já pela noite, foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara (PLC) n. 38, de 2017, mais conhecido como reforma trabalhista, tendo sido o projeto sancionado dois dias depois, e sem vetos, pelo Presidente da República, embora com a promessa de que alguns pontos serão objeto de modificação por meio de medida provisória a ser editada2. A Lei é a 13.467, de 13 de julho de 2017 e entrará em vigor 120 dias após sua publicação.

Ao contrário do que possa à primeira vista parecer, a lei aprovada não trata somente de alterações de normas que tratam das relações individuais de trabalho. Pelo contrário, a Lei n. 13.467/2017 trata de uma reforma ampla da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e, por isso, há alterações, também, de normas do Direito Sindical e do Direito Processual do Trabalho.

Nesse breve texto, todavia, não vou tratar, no mérito, das significativas alterações levadas a cabo, mas sim do ato em si da reforma, procurando desvendar as possibilidades existentes para que ela pudesse ocorrer, dentro de um específico modelo de democracia: a democracia constitucional, assim como dos limites para a sua revisão pela via judicial.

Com isso, sem desmerecer as discussões de mérito que são relevantes, que também penso que são fartas e serão travadas, quero me concentrar em duas questões que podem ser resu-midas na seguinte pergunta: quais são os limites para a ação legislativa na reforma trabalhista, dentro de um modelo de democracia constitucional como a brasileira, sem que isso desafie a revisão judicial?

Estabelecido de forma clara, penso, o problema, pode-se vislumbrar que o objetivo do trabalho será demonstrar o que pode ser objeto de ação legislativa, nesse caso em relação às matérias que foram objeto da reforma trabalhista, ou seja, quais são os limites ao poder de reforma pelo Parlamento nas questões envolvendo as relações individuais e coletivas de trabalho e nas que dizem respeito ao principal meio de solução de conflitos, que é a solução jurisdicional.

Não posso, é claro, deixar de dizer que considero a reforma que foi feita inoportuna e bem insensível às necessidades e aos direitos dos trabalhadores, além de açodada e sem os debates que caracterizam a boa atividade parlamentar. Sintomática dessa falta de discussão foi a decisão da maioria do Senado Federal de abrir mão de seu poder revisor, aprovando sem qualquer alteração o que havia sido objeto de decisão na Câmara dos Deputados, mesmo havendo críticas a determinados aspectos do texto aprovado, e sob a expectativa de que o que era objeto de críticas, ao menos em boa parte, seria ajustado por iniciativa do Presidente da República por intermédio de uma medida provisória.

Não quero dizer com isso que não é necessário reformar parte do conjunto normativo hoje existente, pois, não penso dessa forma. Há dezessete anos, por exemplo, venho pregando a necessidade de reformar radicalmente o modelo brasileiro de Direito Sindical, totalmente ultrapassado e que só prejudica as relações coletivas de trabalho, e muito especialmente os trabalhadores3. Isso foi feito de maneira muito parcial, e sem atacar o principal problema, que é a falta da liberdade sindical coletiva de organização.

Vou enveredar por outro caminho, todavia, e que é relevante, considerando as discussões que se travam a respeito de levar à esfera judicial a questão.

Fixados os limites do texto, registro que a pesquisa desenvolvida é eminentemente teórica, com apoio na doutrina, especialmente da Filosofia Política e do Direito, sendo marco teórico do estudo o pensamento de Ronald Dworkin a respeito.

Para cumprir o objetivo do trabalho, este breve estudo, no item a seguir, discutirá os limites da ação parlamentar, ou seja, tratará das questões que podem ser objeto da atuação do Parlamento, e de quando essa atuação pode ser objeto de revisão judicial, com base, especialmente, nos ensinamentos de Dworkin.

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Por fim, serão apresentadas algumas conclusões, à guisa de manifestação final a respeito do tema enfrentado.

2. Reforma trabalhista: possibilidade de ser feita e os limites da revisão judicial

Devo, acredito, iniciar a discussão estabelecendo um posicionamento a respeito da reforma trabalhista que foi feita por intermédio da Lei n. 13.467/2017, e que completa o que já afirmei na Introdução, embora sobre outro prisma.

Para isso, importante registrar que me declaro, expressamente, especialmente em meus escritos, como um liberal igualitário, nos moldes propostos por John Rawls desde 1971, quando publicou Uma teoria da justiça4. Acredito, então, que todos têm direito, de acordo com suas necessidades e particularidades, a todos os direitos fundamentais, tanto os que decorrem do ideal político da liberdade, como os dos ideais da igualdade e da fraternidade5.

O respeito aos direitos fundamentais — dentre eles os próprios do ser humano trabalhador6 —, então, é a base que deve motivar qualquer ação que pretenda a reforma do ordenamento jurídico, dentro dele, por óbvio, a legislação que regula o trabalho humano, a que normatiza as relações dos sujeitos que representam trabalhadores e empregadores, e a que estabelece as formas de solução dos conflitos envolvendo os sujeitos da relação jurídica de emprego.

Como um liberal igualitário, por natural, adoto como o melhor modelo de democracia o que se denomina de demo-cracia constitucional, em que entende-se a democracia como processo político que respeita a regra da maioria, desde que, de igual modo, respeitados os direitos fundamentais das pessoas, nos planos individual, coletivo e difuso, mas, também, em relação ao que se denomina interesse público primário.

E com esse intróito quero dizer que, em princípio, não vejo como ofensiva qualquer tentativa de reforma, desde que ela seja feita por quem detém o poder político para tal, ou seja, pelos parlamentares regularmente eleitos para as duas Casas do Congresso Nacional: Câmara dos Deputados e Senado Federal, com base na correlação de forças que se formou a partir de eleição em que foi reafirmada a igualdade política — aqui no sentido de que puderam participar da eleição, como eleitores, todos os regularmente habilitados para tal, sem exclusões despropositadas ou discriminatórias —, mas, desde que se preservem, como será visto adiante, as questões que não são sensíveis à escolha dos parlamentares, ainda que amparados na regra da maioria, como são os direitos fundamentais, dentre eles os dos trabalhadores.

Nesse sentido, uma das questões importantes a verificar na reforma trabalhista, já aprovada nas duas Casas do Congresso, e sancionada sem vetos pelo Presidente da República, é se as alterações foram feitas respeitando o balizamento feito acima, pois é a partir dele que se dirá se é possível ou não inquinar de inconstitucionais, e para além do que poderiam fazer os parlamentares, essas alterações.

Por esse motivo trago algumas considerações feitas por um dos principais teóricos, na Filosofia, que discorreu a respeito dessa questão, que foi Ronald Dworkin.

Para isso, é preciso que se diga de início que, ainda é polê-mica a possibilidade de se fazer a revisão judicial dos atos do Poder...

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