A reforma trabalhista: Contratos de emprego precários e organização sindical
Autor | Nasser Ahmad Allan |
Páginas | 225-230 |
Page 225
Ver12
Com enorme preocupação vem-se acompanhando a tentativa de desmonte do sistema de garantias e proteção social construído em mais de cem anos de lutas de trabalhadoras e trabalhadores no País.
O substitutivo ao Projeto de Lei n. 6.787/2016, aprovado na Câmara dos Deputados de maneira antidemocrática, açodada e desprovida de debates com o conjunto da sociedade, foi encaminhado ao Senado Federal, onde foi autuado como PLC 38/2017, sendo, posteriormente, aprovado.
O projeto de iniciativa do Poder Executivo, que apontava para modificações pontuais, embora impactantes, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Lei n. 6.019/74, restou desfigurado na Câmara dos Deputados, sendo enxertado para promover mais de duas centenas de alterações no texto consolidado.
A ausência de um debate sério e de maior profundidade acerca das consequências da proposta de alteração legislativa também foi a tônica no Senado Federal. Já sem surpresas, senão com constrangimento, pôde-se constatar no parecer do relator naquela Casa a indicação de existirem inúmeras inconstitucionalidades na proposta votada na Câmara dos Deputados, mas que seriam sanadas por veto presidencial e/ou por medida provisória que melhor regulamentaria alguns dos novos institutos.
Como bem se sabe, não houve veto algum; tampouco, até o momento, a prometida medida provisória. E, assim, foi sancionada a Lei n. 13.467, de 2017, permeada de contradições e inconstitucionalidades, uma apologia ao retrocesso social. Verdadeiramente, não se trata de uma reforma trabalhista, mas, de uma desconstrução do Direito do Trabalho no Brasil.
Pretende-se, nesta análise preliminar, indicar possíveis impactos das modificações legislativas propostas nos direitos de trabalhadores e trabalhadoras, e, por que não dizer, no próprio modelo de regulação do trabalho no País.
Por ser mais didático, convencionou-se separar esta aná-lise – que abordará alguns pontos da Lei n. 13.467 – em segmentos temáticos, sem perder de vista que a reforma trabalhista deve ser compreendida em seu conjunto, como instrumento de maximização da mais-valia a fim de permitir transferência de renda da classe trabalhadora para o patronato. Igualmente, não se deve descurar que se trata de uma dentre as diversas reformas propostas por um governo ilegítimo que impõe à sociedade uma agenda política conservadora.
Feitas essas ressalvas, inicia-se com as implicações das modificações pretendidas nos contratos de emprego e na organização sindical brasileira.
Os efeitos das políticas econômicas neoliberais sobre o mercado de trabalho na Europa podem ser percebidos a partir da elaboração de leis trabalhistas que permitiram aos empregadores a substituição dos antigos empregos estáveis e duradouros, modelo construído especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, por relações contratuais de curta duração, mal remuneradas e instáveis. São subempregos, ou bad jobs, cuja prestação de trabalho se realiza mediante condições inadequadas, sendo caracterizados por, além da baixa remuneração, ausência de segurança do(a) trabalhador(a) no emprego3.
Para ilustrar, a Espanha, a partir de 1984, promoveu uma série de modificações em sua legislação trabalhista para ampliar a possibilidade jurídica de contratos temporários. Sob o pretexto de combater os altos índices de desemprego, a mudança retirou entraves legais para a contratação de trabalhadores(as) por períodos determinados, de curta duração, reduzindo às empresas os custos financeiros existentes nos contratos de emprego por prazo indeterminado. Essa medida resultou em taxas altíssimas de contratos temporários, alcançando significativos 35% em 1995 e permanecendo, até 2006, acima de 30% do mercado de trabalho espanhol4.
O economista britânico Guy Standing, ao analisar as alterações no mercado de trabalho europeu, afirmou que as
Page 226
políticas neoliberais resultaram na flexibilização das garantias estendidas à classe trabalhadora, causando aumento acentuado de contratos precários, principalmente de contratação temporária e terceirização de mão de obra5.
A reforma trabalhista no Brasil não pode ser compreendida de outro modo, especialmente no que se refere à tentativa de ampliação de modalidades de contratação que podem ser consideradas como precarizantes.
No Brasil, a possibilidade legal de contratação de mão de obra mediante empresa intermediadora, de forma irrestrita, é antiga. No início da década de 1990, sob pretexto de se adaptar à realidade do mercado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reformulou seu entendimento anterior, sedimentado na Súmula n. 256, e passou a compreender como regular e lícita a terceirização de serviços especializados e em atividade-meio.
No entanto, tal medida não satisfez o empresariado brasileiro, que continuou perseguindo uma modificação legislativa ou de entendimento jurisprudencial a fim de que lhe possibilitasse contratar mão de obra terceirizada sem qualquer restrição.
A recente Lei n. 13.429, de 2017, ao contrário dos anseios do patronato, não atendeu completamente aos seus objetivos, pois gerou muita discussão sobre o alcance da terceirização então regulamentada. Por essa razão, a matéria foi incluída no substitutivo do PL 6.787/2016, a fim de não restar dúvida sobre a licitude de qualquer espécie de terceirização. É o que se vislumbra do novo texto do art. 4-A da Lei n. 6.019/74, que entrará em vigor com a Lei n. 13.467, de 2017:
Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (grifo nosso)
Permitir a contratação de trabalho terceirizado em qualquer atividade, incluindo aquela considerada como central ao tomador dos serviços, representaria esvaziar de conteúdo e significado a própria noção legal de empregador, compreendida como aquele que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, na definição legal do art. 2º da CLT.
Deve-se notar ainda que o texto proposto não impõe limite à contratação de terceiros, podendo-se chegar ao disparate de a lei permitir que uma determinada empresa não possua empregados(as) diretos, mas, tão somente terceirizados(as).
Tampouco há preocupação em fixar-se isonomia de direitos entre empregados(as) terceirizados(as) e aqueles contratados diretamente pelas empresas tomadoras de serviços, observando-se quanto a isso somente algumas questões acessórias da relação contratual, como uso de refeitório e/ou fornecimento de alimentação, concessão de transporte e uso de serviços médicos ambulatoriais. No mais, remete-se à faculdade de o contrato entre a empresa terceirizada e a tomadora assim estabelecer, o que, sabe-se, dificilmente ocorrerá.
De outra parte, a majoração do prazo previsto na Lei
n. 6.019/74 para contratação de trabalho temporário também se mostra problemática, ao passo que estende o tempo máximo, para essa espécie de contratação, de seis para nove meses. Certamente, tal situação se coaduna com o espírito norteador dessa reforma trabalhista, ampliando a duração desses contratos e, por conseguinte, reduzindo as garantias legais a quem vende sua força de trabalho, com a finalidade de minimizar os custos com a dispensa sem justa causa.
Igualmente mostra-se preocupante a modificação, introduzida pela Lei n. 13.429/2017, que retira o vocábulo “urbano” do conceito anterior de empresa de trabalho temporário, assinalando a possibilidade de essa modali-dade de contratação efetivar-se também em relação ao trabalho rural, no qual, invariavelmente, tem-se constatado...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO