A Reforma Trabalhista e os Desafios no Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo

AutorAdriana Augusta de Moura Souza - Rafaela Neiva Fernandes
Páginas15-21

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Adriana Augusta de Moura Souza 1

Rafaela Neiva Fernandes 2

Introdução

O presente artigo tem por escopo tecer comentários iniciais (e, portanto, não herméticos e sujeitos a críticas para maiores reflexões) sobre os impactos da reforma trabalhista no combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Ao sancionar a Lei n. 13.467, de 13.07.2017, o Presidente da República utilizou expressões como “aperfeiçoamento extraordinário”, “adaptação ao século XXI” e “modernização trabalhista”, para se referir à reforma e seus efeitos nas relações de trabalho no Brasil, culminando com a frase: “A conflitância trabalhista gera uma litigiosidade social que é indesejada pela sociedade.” Indaga-se, inicialmente, a qual sociedade o Excelentíssimo Presidente se refere, por quem essa litigiosidade social é indesejada e quem a estimula.

Os pareceres do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator da reforma trabalhista nas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS), ambas do Senado Federal, também apresentaram ataques sistemáticos à Justiça e ao Direito do Trabalho. Na CAE, onde o PLC n. 38, oriundo do PL n. 6.787/2016 (com originalmente 13 artigos), recebeu 193 emendas, o parecer contempla as seguintes passagens: “tola tese de que esta reforma ataca direitos constitucionais”, sobre o respeito do PLC à hierarquia das leis; “populismo judicial”, “infame invasão das competências do Congresso Nacional”, “decisões impensadas” que criam “insegurança jurídica”, referindo-se às decisões emanadas pela Justiça do Trabalho; “ativismo judicial”, “aventuras judiciais”, por parte de advogados, reclamantes e demais postulantes na Justiça do Trabalho, incluído o MPT.

A ementa da lei traz a informação de que ela promove alterações na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, “a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho”. Todavia, por trás do discurso de modernização e aperfeiçoamento da legislação trabalhista, foram editadas regras que precarizam as relações de trabalho, vulneram a saúde do empregado e desprestigiam o princípio da proteção, a grande base norteadora do Direito do Trabalho.

Algumas das alterações repercutem no campo do trabalho análogo ao de escravo, ao ampliar as hipóteses de terceirização, a contratação de autônomos de forma irrestrita e o aumento da jornada com a redução de horas de descanso, tendendo a banalizar situações e condições de trabalho que até então eram identificadas como trabalho análogo ao de escravo.

Os postulados da reforma trabalhista e suas inconstitucionalidades

A aversão ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho, como visto no tópico anterior, restaram patentes nas falas do Presidente Temer e do Relator da reforma trabalhista.

A desqualificação da Justiça do Trabalho tem um propósito claro: reduzir o número de processos (3,5

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milhões ao ano, conforme anuário do CNJ3) e inviabilizar seu funcionamento e a autonomia hermenêutica dos juízes (vários pontos da reforma são respostas contundentes à jurisprudência sólida das cortes trabalhistas – TRTs e TST).

A reforma trabalhista é um dos mecanismos utilizados para esvaziar a importância da Justiça do Trabalho e do sistema de justiça trabalhista, integrado pela fiscalização do Ministério do Trabalho e MPT.

Desde 2016, as Leis Orçamentárias Anuais (LOA’s) previram cortes no orçamento da Justiça do Trabalho bastante superiores ao contingenciamento dos demais ramos do Poder Judiciário. A Lei n. 13.467/2017, como desfecho da afronta ostensiva à Justiça do Trabalho, limita sua jurisdição e cala seus magistrados, ao solapar a hermenêutica jurídica, ora restringindo a aprovação de súmulas pelo TST e TRTs (art. 720, I, f, e §§ 3º e 4º), com ritos procedimentais mais rígidos que a edição de súmulas vinculantes pelo STF, ora impedindo a tutela jurisdicional quanto ao dano extrapatrimonial, acordos e convenções coletivas e a diversas outras disposições que negam a eficácia das garantias constitucionais e direitos fundamentais.

Da mesma forma, o Ministério do Trabalho, já precarizado nos anos anteriores, se viu paralisado nas ações de fiscalização por absoluta carência de pessoal (1.100 cargos de auditores fiscais não foram repostos/ providos) e de recursos materiais básicos para a prestação de serviços típicos aos trabalhadores. Não raro, o próprio MPT destina verbas (multas) de TAC e ACP para instrumentalizar as Gerências do Trabalho.

No MPT, a reforma tenciona calar os Procuradores do Trabalho: primeiro, porque o MPT, por força norma-tiva da Constituição Federal e LC n. 75/1993, está vinculado, como ramo especializado, à jurisdição da Justiça do Trabalho, apesar de atuar em alguns casos em litisconsórcios com outros Ministérios Públicos, em justiça distinta (Comum Estadual ou Federal). Em segundo lugar, porque o cerne da atuação do MPT, especialmente em razão das coordenadorias nacionais temáticas, com destaque para o combate à fraude, ruiria com a reforma, seja porque práticas consideradas ilícitas foram legalizadas (apesar de afrontarem a CF e tratados internacionais), seja porque a nova lei delegou aos sindicatos (negociado x legislado) ou ao próprio empregado (hipo ou hipersuficiente) a legitimação exclusiva para ditar os direitos aplicáveis aos contratos de trabalho.

Cabe aos operadores do Direito perante a Justiça do Trabalho assumir posição institucional coerente com sua missão constitucional. O MPT vem fazendo isso desde as primeiras discussões no Congresso Nacional, se portando como protagonista na defesa dos direitos sociais, emitindo notas técnicas direcionadas à comunidade jurídica e aos parlamentares, culminando com o envio ao Presidente da República de pedido de veto total ou parcial ao, ainda, Projeto de Lei da Câmara n. 38/2017, em 12.07.2017.

A CLT e a legislação esparsa sobre Direito do Trabalho, condensadas agora na Lei n. 13.467/2017, devem reverência aos postulados da Constituição Federal. Mas não só à Carta Magna. As normas internacionais, ratificadas pelo Brasil, também são fontes normativas de índole supralegal, e que possuem natureza fundante de direitos humanos. Portanto, defender os direitos sociais e trabalhistas no Brasil, como faz o MPT por dever funcional, é, tão somente, aplicar a Constituição Federal em sua inteireza, seguir seus princípios, reiterar sua importância, inclusive histórica.

No julgamento da liminar na ADPF n. 489 MC/DF, a Ministra Rosa Weber ratificou esse entendimento, ao concluir que “A defesa do Direito do Trabalho é indissociável da própria defesa dos direitos humanos”.

Assim, não se trata de paroxismo existencial ou ideológico, esquerda x direita, assunção de posição político-partidária. Defender os direitos sociais é obrigação dos agentes políticos de qualquer Poder, Legislativo, Executivo ou Judiciário/MP, porque as normas-princípios que regem o Estado Democrático de Direito e a República Federativa do Brasil estão assentadas na Constituição Federal, formando o núcleo básico para estruturar a construção de uma sociedade livre e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, com fundamento na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho.

Sob esta perspectiva, a reforma trabalhista se insere no contexto do trabalho análogo ao de escravo ao se desvencilhar dos princípios garantidores dos direitos humanos.

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