A reforma trabalhista e a edição de súmulas pelos tribunais do trabalho

AutorJorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Paula Esteves da Costa
Páginas241-255

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1. Introdução

Legislar em matéria de direito do trabalho não é uma tarefa fácil. No Brasil ela parece ser particularmente difícil. As normas relativas à relação de emprego provocam e sempre provocaram sentimentos antagônicos. Para uns elas representam um marco imprescindível para a efetivação dos direitos humanos, redução das desigualdades e distribuição da renda. Para outros elas consistem apenas num fator de encarecimento da produção e, por conseguinte, num obstáculo para o progresso econômico.

Essa dificuldade no processo legislativo em matéria trabalhista explica, embora não justifique, a não regulamentação, pela via legal, de questões de fundamental importância como a proteção contra a despedida arbitrária e o adicional de penosidade. Explica, também sem justificar, a demora na disciplina de questões como o aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço e a terceirização, e o elevado número de verbetes editados pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A criação de regras pela via das súmulas e orientações jurisprudenciais é necessária no cenário jurídico brasileiro. Nem por isso se pode dizer que essa solução seja adequada. Num Estado Democrático de Direito formalmente filiado ao modelo romano de criação do direito (civil law), em que o Poder Soberano é dividido em três vertentes independentes e harmônicas entre si, o ideal é que as normas abstratas sejam criadas pelos parlamentares, que detêm representação popular, e não por magistrados que, embora competentes e bem intencionados, são escolhidos por critérios técnicos e pautados por regras meritocráticas, não apresentando, portanto, mandato da população.

A inércia do Legislativo e o ativismo judicial que ela provoca transformaram o direito do trabalho brasileiro de uma forma tal que o modelo atual nos deixa muito mais próximo dos países do sistema de common law do que dos que adotam o regime de civil law, ao qual tradicionalmente sempre estivemos vinculados. Para ilustrar essa afirmação basta mencionar que a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe de 922 artigos, muitos dos quais sem qualquer serventia por não terem sido recepcionados pela Constituição vigente ou por terem sido ab-rogados ou derrogados por norma posterior, enquanto o Livro de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho contava, em meados de agosto de 2017, com aproximadamente 1300 verbetes, entre súmulas, orientações jurisprudências e precedentes normativos.

Além de mais numerosos do que os preceitos legais, os verbetes podem, em certo aspecto, ser considerados mais protegidos e quiçá relevante para o direito do trabalho do que o texto legal infraconstitucional. Nas ações de rito sumaríssimo, por exemplo, cabe recurso de revista quando houver contrariedade à súmula, mas não quando houver violação a dispositivo legal infraconstitucional (artigo 896, §9º, da Consolidação das Leis do Trabalho). O fato de se considerar uma contrariedade à súmula mais grave do que uma violação legal, ao ponto de protegê-las e não fazer o mesmo com a lei, é um indicativo de que determinadas regras criadas por tribunais são consideradas, até certa medida, mais relevantes do que as criadas pelo legislador.

Não é difícil compreender por que o Tribunal Superior do Trabalho e todos os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros instituíram, com base na Lei n. 13.015/14, procedimentos para a edição, cancelamento e alteração de súmulas próprias.

O Código de Processo Civil de 2015 reforçou essa regra por entender que a uniformização da jurisprudência era de grande relevância. A comissão de juristas que elaborou o Código justificou, em sua exposição de motivos, a criação de mecanismos destinados a evitar a dispersão da jurisprudência, asseverando que eles se destinam a concretizar na vida da sociedade brasileira o princípio constitucional da isonomia3 e estatuindo que “A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito” 4.

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Quando os efeitos das Leis ns. 13.015 e 13.105 ainda começavam a ser sentidos, foi publicada a Lei n. 13.467/17, cujo início de vigência se aproxima, que, dentre outras coisas, restringiu a autonomia dos tribunais para editar suas súmulas.

O presente trabalho, elaborado a partir de uma análise dogmática do texto das Leis ns. 13.015, 13.105 e 13.467, e de estudos de suas exposições de motivos em busca da mens legislatoris, destina-se a analisar esse comportamento contraditório e, em certa medida oscilante, do legislativo e a apontar sugestões que permitam cumprir o escopo das três normas.

2. Incidente de uniformização da jurisprudência

A Lei n. 13.015 originou-se em um Projeto de Lei de autoria do Deputado Federal Valtenir Pereira (PSB/MT), a partir de uma sugestão do Ministro do Tribunal do Trabalho João Oreste Dalazen para promover atualizações e aperfeiçoamentos na sistemática atual que compreende a fase recursal do processo do trabalho, provocando alterações necessárias a contemplar hipóteses de contrariedade às súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme disposto na Lei n. 11.417/2006. A exposição de motivos do Projeto posteriormente transformado em Lei estabelece ainda a obrigatoriedade de Uniformização de Jurisprudência no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho e, por fim, institui medidas de celeridade para decisões em recursos cujos temas estejam superados pela iterativa, atual e notória jurisprudência das Cortes Superiores competentes5.

O projeto de Lei fortaleceu a atuação dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho ao lhes assegurar a possibili-dade de “denegar seguimento aos Embargos, nas hipóteses pré-definidas de inadequação do recurso, bem como impor sanções, caso verificado o intuito protelatório”6. Para limitar esse arbítrio, “Foi prevista, ainda, a possibilidade de Recurso Interno no Tribunal Superior do Trabalho para impugnação desta decisão”7.

Os propósitos do incidente de uniformização eram bastante claros. Reduzir o número de recursos e aumentar a uniformidade das decisões proferidas sobre determinados temas em cada um dos diversos tribunais do trabalho brasileiros8. Entendia-se que essa seria uma forma de aumentar a segurança jurídica em relação aos temas de direito e processo do trabalho9.

3. Incidente de resolução de demandas repetitivas – Novo CPC

Consta da exposição de motivos do Novo CPC, elaborada pela comissão de juristas responsáveis pela sua primeira redação e apresentada em 2010, que:

O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas. Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta. Se, por um lado, o princípio do livre convencimento motivado é garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à própria ideia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranquilidade social e descrédito do Poder Judiciário. Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.

A tendência à diminuição do número de recursos que devem ser apreciados pelos Tribunais de segundo grau e superiores é resultado inexorável da jurisprudência mais uniforme e estável. Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia. Criaram-se figuras,

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no novo CPC, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional. Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no Direito alemão, o já referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes.

Percebe-se que também o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instaurado pelo Novo Código de Processo Civil, destina-se a conferir maior segurança jurídica ao jurisdicionado.

4. A edição de súmulas nos tribunais do trabalho brasileiros

Os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros instituíram, a partir da Lei n. 13.015, mecanismos muito pare-cidos para...

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