Reforma Trabalhista: a Escravidão Contemporânea em Análise

AutorBárbara Isabelli Squárcio Rodrigues - Janini Loyslene Talini dos Santos
Páginas118-123

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Bárbara Isabelli Squárcio Rodrigues 1

Janini Loyslene Talini dos Santos 2

Introdução

O significado da palavra escravo remete o leitor a uma concepção historicamente construída sobre a coisificação do ser humano, o tratamento enquanto mercadoria, a submissão forçada ao trabalho. Enquanto o passado transmuta uma imagem escravocrata fundada na ausência de consentimento, a era contemporânea pauta a realidade baseada no consentimento viciado pelas necessidades de sobrevivência em meio ao sistema econômico capitalista, no qual a aferição de lucros torna-se objetivo basilar, capaz de relativizar parâmetros fundamentais de dignidade da pessoa humana. De acordo com a Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” designa todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade.

A legislação brasileira, nesse ínterim, é reconhecida internacionalmente como uma das mais avançadas em termos de combate ao trabalho escravo contemporâneo. No que concerne aos pressupostos de reconhecimento do trabalho em condições análogas às de escravo, o Código Penal, em seu art. 149-A, regula as hipóteses legais ensejadoras de tipificação criminal, quais sejam, circunstâncias degradantes de trabalho, trabalho forçado, servidão por dívida e jornada exaustiva.

Dessa forma, a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho constituem situações fáticas de maior incidência nos órgãos jurisdicionais brasileiros. Isso decorre da conjuntura social-econômica do país, que evidencia um quadro de hipossuficientes submetidos a condições análogas às de escravo em decorrência da ausência de proteção estatal efetiva, tornando o ato de vontade desprovido de liberdade individual de escolha.

Ante o cenário jurídico atual, adentra-se na aná-lise da Lei n. 13.467/2017, justificada sob argumento de potencializar a geração de empregos no país, bem como fornecer condições autônomas de negociação entre trabalhadores e empregadores. Dessa forma, alega-se que a Consolidação das Leis Trabalhistas não está em consonância com a realidade do mercado de capital e trabalho no Século XXI.

No entanto, a linha argumentativa construída no artigo em questão, constata que a concretização das supracitadas mudanças legislativas terá como consequência, tanto na esfera penal quanto na trabalhista, a precarização das condições de trabalho, normalizando práticas de mercado censuradas pelo aparato legal. Por conseguinte, a aprovação da referida lei encontra-se em confronto com os parâmetros estabelecidos na legislação acerca de trabalho escravo, bem como prejudicará de forma patente os casos objetos de tutela no Poder Judiciário, uma vez que a atuação dos órgãos da jurisdição brasileiros estarão vinculados ao entendimento legal referendado pelo Poder Legislativo.

Assim, o artigo explora as conceituações de jornada exaustiva no ordenamento jurídico brasileiro, traçadas sob o âmbito das jurisprudências firmadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. A abordagem empírica do artigo destacará especificamente os casos ajuizados pela Clínica de Trabalho Escravo e

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Tráfico de Pessoas da UFMG, reconhecida pela Defensoria Pública da União como entidade prestadora de assistência jurídica gratuita em razão de convênio.

Breves notas sobre a jornada exaustiva

Apesar do conceito legal de jornada exaustiva não estar consolidado na doutrina trabalhista, é possível reconhecê-la com base nos preceitos estabelecidos constitucionalmente, que dispõem expressamente sobre a duração do trabalho em condições normais (art. 7º, inciso XIII):

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (...) (vide Decreto-Lei n. 5.452, de 1943)

Contudo, a Consolidação das Leis Trabalhistas, flexibilizando o supracitado dispositivo legal, entende que tal jornada poderá estender-se ao limite de 2 horas diárias, mediante acordo de negociação:

CLT: Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de duas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante convenção coletiva de trabalho.

Dessa forma, é possível observar que a tipificação aludida pelo tipo penal enseja uma análise criteriosa no caso em concreto, haja vista que existem espécies de trabalho que demandam maior esforço físico ou mental.

Ante tal cenário, a jornada exaustiva poderá ser caracterizada até mesmo em situações que respeitem os parâmetros de horário constantes em instrumento legal, pois esta não se correlaciona exclusivamente ao número de horas trabalhadas, mas sim ao impacto ocorrido na vida do trabalhador submetido às condições laborais impostas pelo empregador:

Tal qualificação deve adequar-se à forma que cada trabalho assume, pois, em um trabalho mais intenso, mais rapidamente se atinge a exaustão, enquanto em um trabalho meramente contemplativo pode prolongar-se por muito mais tempo antes que condições de esgotamento equivalentes se instalem. Por essa razão, a legislação prevê intervalos intrajornadas mais frequentes naqueles. Mas, independentemente de tais ponderações, na busca de um critério objetivo para tal caracterização, seria possível identificar como jornada exaustiva (qualquer que seja a atividade) aquela exigida, regular-mente, do trabalhador, para além da décima hora em uma mesma jornada diária; ou seja, para todo trabalho a décima hora, em um mesmo dia, se imporia como o limite quantitativo. (FILHO, Wilson, 2008, p. 24.)3

Sob tal perspectiva, examinam-se as consequências oriundas da submissão do indivíduo a jornadas extenuantes, concebido como dano existencial (modalidade do dano moral). Destarte, o Código Civil brasileiro, ao analisar o caráter de responsabilidade sobre aquele que causa dano a outrem, dispõe expressamente sobre a obrigação de reparação4. Nesse sentido, o dano existencial é in res ipsa, ou seja, independe de produção de provas na fase processual, sendo de demonstração fática que a jornada, de per si, infligiu no obreiro dificuldades de convivência familiar e problemas de saúde, dado que sua vida laboral acabou por suprimir o tempo destinado à consecução dos ideais de vida...

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