Reforma Trabalhista no Brasil: A Prevalência do Negociado sobre o Legislado e a Comparação com o Contrato Coletivo Italiano

AutorRoberto Vinícius Hartmann - Marco Antônio César Villatore
Páginas147-155

Page 147

Roberto Vinícius Hartmann *

Marco Antônio César Villatore **

Introdução

A temática da Reforma Trabalhista está na pauta de discussões de todos os estudiosos do Direito do Trabalho, principalmente após a promulgação pelo Presidente Michel Temer, da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017 e que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017.

Referida legislação é oriunda do Projeto de Lei n. 6.787, que foi apresentado pelo Poder Executivo em 23 de dezembro de 2016, com o intuito de promover alterações no Decreto-Lei n. 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho) e nas Leis n. 6.019/1974, sobre Trabalho Temporário; n. 8.036/1990, que trata do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; e n. 8.212/1991, que versa sobre a Seguridade Social1.

As alterações efetivadas na legislação trabalhista vieram atreladas a um discurso que sempre vem à tona em momentos de crise, qual seja: o de que são necessárias mudanças na área trabalhista para que ocorra uma adequação da legislação aos tempos modernos em que vivemos, de modo que as empresas possam retomar o seu crescimento econômico com uma maior competitividade no mercado, mediante a geração de novos postos de trabalho.

Ocorre que a explicação dos defensores da Reforma Trabalhista está costumeiramente atrelada ao fantasma do desemprego, o que de fato há aflição por parte de toda a população, já que no primeiro trimestre de 2017, o Brasil atingiu a maior taxa de desocupação de sua história, atingindo o patamar de 13,6%, ou seja, 14.084.000 de brasileiros2.

Page 148

Houve uma relativa melhora no segundo semestre de 2017, quando atingiu 12,8% de desocupação, mas que somente se viabilizou em razão do aumento do número de empregados sem carteira de trabalho assinada e de trabalhadores por conta própria, já que o número de pessoas trabalhando com carteira assinada manteve-se estável, segundo dados do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3.

Os dados são realmente preocupantes, principal-mente se verificarmos a análise entre os anos de 2002 até 2015 feitas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)4, em que se constatava um decrescimento do desemprego, chegando a atingir, em 2014, o índice de 4,3% da população desempregada.

Mesmo assim, não se justifica a implementação de uma Reforma Trabalhista, pautada nos apelos do grande empresariado que almeja exclusivamente uma maior lucratividade e, portanto, preconiza a flexibilização da legislação, que, no Brasil, coincide significativamente com a precarização das relações de trabalho, impondo sobre os trabalhadores o ônus pelo decrescimento econômico.

Jorge Luiz Souto Maior afirma que a Reforma Trabalhista para além do desrespeito aos parâmetros democráticos em sua tramitação acaba impondo “uma enorme derrota aos trabalhadores, como se tivessem sido eles, ao longo da história do Brasil, grandes privilegiados e como se fossem, em razão de seus direitos (que nunca foram de fato cumpridos), os culpados da crise econômica”5.

Temos que outras alternativas poderiam ser utilizadas para a retomada do crescimento econômico, já que o problema não é trabalhista, muito embora diver-sos empregadores entendam que os direitos trabalhistas sejam um fardo muito árduo para suas empresas.

Sergio Pinto Martins sugere que poderiam ser reajustados os encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento dos empregados, uma vez que o salários pagos no Brasil não são altos, mas ter que pagar uma contribuição de 35,8% é excessivamente oneroso, sem se falar na tributação dos produtos que é altíssima e igualmente poderia ser diminuída6.

Tal assertiva de que o custo da mão de obra em nosso país é elevado, é desmantelado por Jorge Luiz Souto Maior ao afirmar que:

E nem se sustente que um custo menor gera mais empregos, pois, em 2016, o custo da hora trabalhada no Brasil, no setor industrial, chegou a U$ 2,90 por hora, enquanto que, na China, esse custo era de U$ 3,60 por hora, no mesmo período. Ocorre que o custo menor não ajudou a criar emprego no Brasil, pois a economia apresentou uma queda de 3,6% do PIB, enquanto o crescimento da China foi de 6,7% no ano [...]7.

Ademais, analisando os demais argumentos utilizados para a aprovação da Reforma Trabalhista, e que, diga-se de passagem, não se sustentam, temos a alegação da modernização da legislação, a qual estaria defasada para o tempo em que vivemos. Isso não é verdade, quando constatado que aproximadamente 80% dos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho não estão mais em vigor, ou seja, “dos 921 artigos da CLT de 1943, apenas 188 continuam vigentes até hoje e praticamente nenhum destes fixa, digamos assim, custos aos empregadores”8.

A jurisprudência dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho tem estado constantemente debatendo as temáticas laborativas e fixando novos entendimentos que se adequem aos parâmetros de uma relação empregatícia vivenciada em pleno século XXI.

Outra alegação que não subsiste na realidade é o de que a flexibilização ensejará um maior número de postos de trabalho, não existindo qualquer estudo científico que prove tender a retirada de direitos trabalhistas a solucionar o problema da informalidade e do desemprego, seja pelo fato de que o “[...] empregador poderá fazer a automação de seu estabelecimento, aumentando a produtividade, sem contratar trabalhadores”9 ou simplesmente pelo fato de que a

Page 149

redução dos encargos trabalhistas não garante que o empregador irá optar por ter maior lucratividade e com isso deixar de contratar novos empregados.

O Brasil, ao promulgar uma Reforma Trabalhista que precariza as relações de emprego, está indo na contramão do que a Organização Internacional do Trabalho afirma a partir de seus estudos sobre a flexibilização em países da Europa. Naquele continente, também foi igualmente utilizado o pretexto de se estimular um crescimento nos níveis de empregabilidade pautado na redução da proteção aos empregados, o que na prática não se efetivou10.

Antonio Casimiro Ferreira afirma que “o padrão que liga’ as estruturas criadas no ambiente de um retorno ao liberalismo econômico deletério, pois ‘configura um modelo político-econômico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro, enquanto procede a implementação de um arrojado projeto de erosão dos direitos sociais e de liberalização econômica da sociedade”11.

Evidencia-se o tamanho do equívoco cometido em nosso país quando se tem asseverado que:

Por ejemplo, en Argentina, Brasil, China y Sudáfrica, la adopción de modalidades innovadoras de protección social ha ayudado a mejorar la seguridad del ingreso de los trabajadores en situaciones de empleo vulnerable. En diversas economias avanzadas y en desarrollo, los gobiernos han aplicado combinaciones de políticas en matéria de protección social y de mercado de trabajo que han permitido incrementar el empleo formal12.

Resta claro que nos países que adotam uma legislação assegurando os Direitos Trabalhistas de forma clara tende a apresentar um desenvolvimento econômico e social melhor, baseado nas premissas de um emprego formal.

Situação negativa, quando se vislumbra a precarização de direitos do trabalho, tem-se comprovado na Itália, onde ocorreram diversas alterações legislativas que conduziram a uma desregulamentação da legislação trabalhista, o que acabou gerando um aumento exponencial no número de empregos a tempo parcial, constatando-se que, no período entre 2008 e 2015, houve um crescimento de 4 pontos percentuais ou mais no referido país, chegando ao número de 18,5% dos empregados contratados a tempo parcial. Referida conjuntura vem ocorrendo de forma involuntária, já que os trabalhadores passaram a aceitar esse regime contratual, pois não conseguiram encontrar empregos permanentes13.

Ao se tratar de uma Reforma Trabalhista, como a que foi imposta em nosso país, dever-se-ia possibilitar uma discussão ampla do assunto com todos os interessados e afetados, especialmente a classe trabalhadora que foi tolhida de manifestação, pois é uníssono entre os estudiosos do Direito que mudanças na legislação trabalhista poderiam e deveriam acontecer, mas não do modo como foi realizada, nem mesmo com o objetivo de precarização quanto à proteção das relações empregatícias.

De maneira muito nítida, foi perceptível que a alteração legislativa ocorreu por imposição dos interesses dos grandes empresários, que de modo contumaz entendem que os direitos trabalhistas significam um empecilho para uma maior lucratividade em suas empresas e servem de base para a sustentação de um governo que vê suas bases estremecidas diante de tantos escândalos de corrupção14.

Page 150

Ocorre que uma mudança dessa magnitude não poderia ter sido realizada como o foi, ou seja, quando apresentado o Projeto de Lei n. 6.787, havia a propos-ta de alteração em apenas 7 artigos e, em menos de 7 meses, tempo decorrido até a sua promulgação, ocorreram 1.340 emendas15 com a modificação de mais de uma centena de artigos de normas trabalhistas.

Esquecem-se os seus defensores de que há um impacto muito negativo na precarização das relações de trabalho, tanto para o empregado quanto para a sociedade como um todo. Afirmam Pedro Mahin Araujo Trindade e João Gabriel Pimentel Lopes que a Reforma Trabalhista:

Segue na contramão, também, da erradicação da pobreza e da marginalização, bem como agrava as desigualdades sociais e regionais [...] A reforma trabalhista achatará salários, reduzindo o acesso da população a bens e serviços essenciais para a sua sobrevivência digna; ampliará jornadas de trabalho, impedindo a construção de uma vida plena também fora da relação de trabalho; inflacionará o número de acidentes e de adoecimentos no trabalho, e gerará mais mortes por causas ligadas às atividades laborais16.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT