Reformando o processo civil mediterrâneo: existe necessidade de terapia de choque?

AutorAlan Uzelac
CargoProfessor da Universidade de Zagreb e diretor do Departamento de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da mesma Universidade. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Zagreb
Páginas2-41
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a Abril de 2017
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 02-41
www.redp.uerj.br
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REFORMANDO O PROCESSO CIVIL MEDITERRÂNEO: EXISTE
NECESSIDADE DE TERAPIA DE CHOQUE?
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REFORMING MEDITERRANEAN CIVIL PROCEDURE: IS THERE A NEED
FOR SHOCK THERAPY?
Alan Uzelac
Professor da Universidade de Zagreb e diretor do
Departamento de Direito Processual Civil da Faculdade de
Direito da mesma Universidade. Doutor em Direito e
Ciências Sociais pela Universidade de Zagreb. Investigador
convidado de numerosas universidades a nível mundial.
Membro ativo da Associação Internacional de Direito
Processual e da Associação Alemã para o Direito Processual
Internacional.
auzelac@gmail.com
RESUMO:O autor divide os países europeus em dois grupos, de acordo com a eficiência
de seu respectivo sistema jurídico-processual. Primeiro, aqueledos Estadoscujo relativo
sistema é ineficiente, o qual denomina "mediterrâneo", em razão de a maioria dos referidos
países estar situada às margens do mar de mesmo nome. Segundo, aquele dos países cujos
sistemas são eficientes. Em seguida, procura identificar as causas para a ineficiência e
propõe soluções para este problema.
PALAVRAS-CHAVE:Eficiência do sistema jurídico-processual; Rejeição imediata de
ações e recursos manifestamente infundados; Calendário; Comunicação entre os sujeitos
processuais; Litigância demá-fé; Responsabilidade das partes na instrução; Redução do
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Artigo recebido em 18/04/2017 sob dispensa de revisão.
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UZELAC, Alan. Reforming mediterranean civil procedure: is there a need for shock therapy?. In:
UZELAC, Alan; VAN RHE E, CornelisHendrik. Civil Justice between efficiency and qua lity: from Ius
Commune to the CEPEJ. 1. ed.Antwerp Oxford Portland: Intersentia, 2008, p. 71-99. Traduzido para o
português por Pedro Gomes de Queiroz.Doutorando e mestr e em Direito Processual pela UERJ. Especialista
em Direito Processual Civil pela PUC-Rio. Bacharel em Direito pela PUC-Rio. Advogado.Email:
. Currículo: 7>.
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Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a Abril de 2017
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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número de audiências; Oralidade; Eficácia imediata da sentença; Redução das sentenças
apeláveis; Audiências em tribunais de apelação; Princípio do juiz natural.
ABSTRACT: The author divides the European countries into two groups, according to the
efficiency of their respective legal-procedural system. First, that of the States whose
relative system is inefficient, which he calls "Mediterranean" because most of those
countries are situated on the shores of the Mediterranean Sea. Second, that of the countries
whose systems are efficient. He then seeks to identify the causes for inefficiency and
proposes solutions to this problem.
KEYWORDS: Efficiency of the legal-procedural system; Immediate rejection of actions
and appeals manifestly unfounded; Calendar; Communication between procedural
subjects; Contempt of court; Responsibility of the parties for the finding of facts;
Reduction in the number of hearings; Orality; Immediate effectiveness of the sentence;
Reduction of the appealable sentences; Hearings in appellate courts; Principle of the
natural judge.
SUMÁRIO:1. O mito sobre a unidade de procedimentos civis na Europa continental. 2.
Terapia de choque em onze etapas: uma cura forte é a única cura.2.1. Rejeição imediata de
ações e recursos manifestamente infundados.2.2. Definindo a data do julgamento no início
do processo. 2.3. Abertura de todos os canais de comunicação entre as partes, o juiz e o
tribunal. 2.4. Limite mínimo de tolerância para comportamento passivo e táticas
protelatórias nos processos. 2.5. A coleta e apresentação das provas como a
responsabilidade principal das partes. 2.6. O julgamento deve ser concluído em não mais
do que duas audiências.2.7. Planejando o processo e definindo o calendário para atos
processuais futuros no início do feito. 2.8. Reforçando a oralidade nos processos.2.9. A
exequibilidade imediata das decisões de primeira instância. 2.10. A limitação do direito de
apelar unicamente aos casos que merecem apelação. 2.11. A (re)introdução de audiências
adversariais em tribunais de apelação e a exclusão da possibilidade de remessas. 3.
Concluindo as observações: podemos fazer isso?
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1. O mito sobre a unidade de procedimentos civis na Europa continental
Praticamente todos os cursos básicos de direito comparado começam com a divisão
dos sistemas legais em duas famílias, o common law e o civil law. Como descrito
paradigmaticamente por John Henry Merryman em 1969
3
, os países do continente europeu
pertencem a uma tradição legal unida - a tradição que é marcada por um estilo processual e
uma filosofia comuns. A percepção de que essa divisão de tradições legais corresponde às
características e ao estilo comuns no processo civil europeu continental continua a ser
generalizado, embora já relativizado pelo próprio Merryman na segunda edição de seu
livro em 1985
4
. Esta foi, e ainda é, largamente adotada não só por estudiosos do outro lado
do globo, mas também pelos advogados nas várias jurisdições que, por sua própria
autocompreensão, pertencem à família continental europeia.
Neste artigo, não vou desafiar a precisão histórica dos argumentos sobre as
tradições comuns dos sistemas jurídicos europeus continentais. Ao invés, eu começarei
com a afirmação de que a evolução das últimas décadas contribuíram para o fato de que os
países da Europa Continental - pelo menos em relação ao funcionamento real dos seus
sistemas judiciários - não constituem mais um grupo uniforme que pode, por suas
características comuns, ser contrastado com algum outro grupo de países de common law
ou qualquer outro grupo de países. Embora algumas características de menor importância
possam ter permanecido, existem outras, diferenças muito mais importantes que os
remanescentes superficiais da dicotomia civil law/common law. Hoje, não existe um estilo
uniforme de procedimento civil na Europa.
Por um lado, os desenvolvimentos na União Europeia fortaleceram a necessidade
de unidade nos padrões aplicados aos seus judiciários nacionais. A integração na UE não
significa uma uniformidade das legislações nacionais ou dos sistemas judiciários. Por outro
lado, o princípio da igualdade de padrões de protecção dos direitos civis e obrigações
3
Cf. MERRYMAN, J.-H.. The Civil Law Tradition. An Introduction to the Legal Systems of Western Europe
and Latin America. Stanford: Stanford University Press, 2nd ed., 1985.
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No novo capítulo final, Merryman diagnostica o "impacto aparentemente dramático" de vários movimentos,
já que a tradição do direito civil "entrou em um novo e d inâmico estágio de seu desenvolvimento". Ele
também afirma que "seria incorreto supor que a tradição do civil law está perdendo sua vitalidad e", prevendo
mudanças no catálogo futuro de subtradições. MERRYM AN, J.-H..The Civil Law Tradition. An Introduction
to the Legal Systems of Western Europe and Latin America.ob. cit., p. 158.

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