O Regime dos Precedentes no Direito Processual Brasileiro

AutorArthur José Jacon Matias
Ocupação do AutorMestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
Páginas187-245
Precedentes: Fundamentos, Elementos e Aplicação 187
Capítulo VI
o Regime dos Precedentes no
Direito Processual Brasileiro
1 Considerações preliminares
A Lei Federal nº 13.105/2015 instituiu o novo Código de
Processo Civil, rede nindo o papel do Poder Judiciário na con-
fecção do tecido normativo brasileiro. As normas que de uem
dos enunciados inscritos no Código de Processo Civil permitem
inferir que ao Poder Judiciário foi conferida atribuição normativa,
capaz de não só solucionar as controvérsias de natureza concreta
postas à sua apreciação, como também disciplinar as relações
intersubjetivas no plano geral e abstrato.
A lei em sentido formal recebeu com isso ressigni cação.
Não se adstringe aos documentos com pretensão normativa
provindos do Poder Legislativo e, eventualmente, do Poder
Executivo. O Poder Judiciário passa, formalmente, a compor o
elenco dos produtores de normas, aptas a conferir direitos
subjetivos e ônus e deveres processuais.
A linguagem constante de alguns dispositivos do Código
de Processo Civil, especialmente dos artigos 926 e 927, permite
cogitar uma mais íntima aproximação do sistema jurídico positivo
até então predominante no Brasil, vale a rmar, o sistema jurídico
romano-germânico, com o sistema jurídico característico dos
países pertencentes à tradição do common law, porque parte da
produção do direito foi atribuída pelo Código de Processo Civil
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ao Poder Judiciário, semelhantemente ao que acontece nos países
liados ao common law.
Essa aproximação, todavia, não pode ser designada como
uma espécie de submissão do sistema vigente ao common law,
ou de reconhecimento de superioridade deste em relação ao
direito escrito. O teor dos dispositivos do Código de Processo
Civil que colimaram esse intercâmbio não representam a insti-
tuição do common law no Brasil. Não se institui por lei algo que
delonga séculos para se consolidar e que só se realiza mediante
técnicas de aplicação do Direito que radicam sobre uma estrutura
lógica completamente diferente dos países de direito romanista.
Há, em verdade, uma busca pelas características do common
law que aperfeiçoam a aplicação do Direito sob o ponto de vista
da calculabilidade, previsibilidade e racionalidade – e que repre-
sentam fatores de incerteza e instabilidade do sistema romano-
-germânico. O stare decisis é o instituto de maior apelo nessa
busca. A conança de que as controvérsias judiciais semelhantes
recebam tratamento semelhante (treat like cases alike), inde-
pendentemente do órgão jurisdicional que as julgam, signica
um standard esperado pela coletividade e pelo ambiente jurídico
e que, a pretexto da independência judicial (= independência
funcional) e da livre convicção do juiz, não tem recebido no Brasil a
necessária importância.
Em verdade, a independência judicial, princípio sufragado
pela Constituição da República Federativa do Brasil, art. 2º, tem
sido utilizada como desculpa para prolação de decisões as mais
discrepantes, mesmo diante de casos semelhantes, fator que
gera um ambiente de decisões desencontradas, arbitrárias e
imprevisíveis, tornando altamente imponderável a resolução de
controvérsias jurídicas, em detrimento da segurança e da conança
que deveriam permear os relacionamentos havidos entre os entes
jurídicos e políticos e os relacionamentos e expectativas dos
jurisdicionados perante seus julgadores.
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Esse parece um dos objetivos do novo código: instituir
uma lei para os juízes e impor uma disciplina judiciária que torne
mais previsível e hierarquizada a aplicação do Direito, sem que
isso represente necessariamente um amesquinhamento ou enges-
samento da atividade intelectual do juiz. Em verdade, pela leitura
dos dispositivos do Código que serão objeto do presente estudo,
depreende-se que o Poder Judiciário teve suas forças incre-
mentadas, malgrado esse incremento de poder concentre-se
nas mais elevadas instâncias, com perda de discricionariedade
judicial (se é que ela existe ou algum dia existiu) dos juízes de
primeiro grau.
Como dito, é temerário (e epistemologicamente errado)
declarar que os dispositivos focalizados promulgam a vigência
no Brasil do common law. A base normativa do common law pas-
sa ao largo do direito escrito. O common law não se impõe a
fórceps, por lei. E não é disso de que cuida o novo código. Não
institui ele o regime da supremacia judicial no âmbito normativo,
nem a utilização dos costumes enquanto principal fonte do di-
reito. Não se fala em higher law quando proclamou o Código de
Processo Civil a disciplina da vinculação aos pronunciamentos
dos tribunais. Esses pronunciamentos são muito diferentes dos
precedentes, seja no processo de formação, seja na elaboração
de seus enunciados. Tampouco pairam sobre a lei, tal como su-
cede com o common law. O direito consuetudinário, importante
no plano retórico para a legitimação do common law, não ganhou
espaço e relevância debaixo do novo regime processual.
Em verdade, esses pronunciamentos arrolados pelo art. 927
do Código de Processo Civil não consistem em normas jurídicas
inerentemente primárias, assim entendidas as normas que arran-
cam seu fundamento de validade de normas superiormente institu-
ídas pelo poder constituinte. (Não se confunda aqui o signicado
de norma primária com a noção de normas primárias preconizada
por Hart, detalhada no nº I, item 2.3., supra.) Eles partem de
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