Regime jurídico e políticas públicas de águas no direito internacional e brasileiro: rumo a estatuto privilegiado?

AutorMarcio Henrique Pereira Ponzilacqua/Leonardo Mattoso Sacilotto
CargoUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto - SP, Brasil/Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto - SP, Brasil
Páginas310-337
Regime jurídico e políticas públicas de
águas no direito internacional e brasileiro:
rumo a estatuto privilegiado?
Legal regime and water resources policies in international
and Brazilian law: towards a privileged statute?
Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua*
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil
Leonardo Mattoso Sacilotto**
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil
1. Introdução
Os direitos concernentes à água, assim como os direitos em geral da Mãe
Terra, devem ser postos em primazia a quaisquer outros direitos sociais e
humanos. Daí que o seu reconhecimento e declaração é mais do que uma
exigência legal, é uma acomodação existencial. Todavia, dada a necessida-
de de expressar (ou reduzir) em ordens legais (expectativas normativas)
aquilo que se concebe como ordem de conhecimento, as expectativas cog-
nitivas, as considerações e apropriações no âmbito do aprofundamento
científico e do conhecimento acerca do elemento “água” em todas as suas
formas e dimensões, precisam ser igualmente traduzidas em termos legisla-
* Professor Associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Livre-Docente em Sociologia do Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Univer-
sidade de São Paulo. Doutor em Política Social pela Universidade de Brasília. Mestre em Lin-
guística pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Bacharel em Direito pela
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”. E-mail: marciorique@usp.br.
** Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” . Advogado. E-mail: lmsacilotto@gmail.com.
Direito, Estado e Sociedade n.58 p. 310 a 337 jan/jun 2021
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tivos e jurídicos inteligíveis, que também contemplem a sua anterioridade
existencial e fundamentalidade ecossistêmica. Há nos sistemas jurídicos
certa ambivalência, que, ao mesmo tempo em que reconhece e resguarda
a relevância da água enquanto elemento vital à sobrevivência e reprodução
humana e dos demais seres, nem sempre a erige num nível de reconheci-
mento privilegiado capaz de propiciar políticas públicas condizentes.
A realidade física da água exorbita as fronteiras humanas e os códigos
normativos estatais, além de confrontar as soberanias nacionais, razão por
que precisa ser primeiramente considerada em sua complexidade. O pri-
meiro eixo de análise do artigo aborda a necessidade de assunção de con-
ceituações claras no campo do direito internacional, o que inclui a análise
do direito das águas transfronteiriças e a declaração do direito humano à
água. O segundo eixo, com foco no ordenamento e nas políticas hídricas
brasileiras, terá por escopo a abordagem local, mas sem perder a consi-
deração comparada e internacional, até porque as questões são sempre
interconectadas. Apontam-se, nesse contexto, para os desafios e obstáculos
rumo à concretização de regime peculiar e privilegiado para as águas, à
luz da experiência nacional e internacional. Como conclusões, destaca-se
a natureza vital da água, como base de políticas públicas e demais direitos
fundamentais, no âmbito de sua complexidade inerente. A concretização
de estatuto especial passa pela consideração de uma perspectiva dialógica
entre o direito internacional e o direito nacional, com políticas públicas
igualmente abrangentes e consistentes, sob o prisma socioambiental.
2. Estatuto especial da água no direito internacional
Os Estados resistem em assumir um estatuto privilegiado da água no âm-
bito do direito internacional. Por muito tempo, tem prevalecido o enten-
dimento da água como um recurso natural semelhante aos outros, sem a
constatação jurídica de estatuto especial. O paradigma da soberania estatal
é ainda um empecilho ao reconhecimento das condições e formas especiais
da água1, cujas nascentes, aquíferos e cursos – isto é, dimensão subterrânea
ou superficial –, não se submete às circunscrições político-jurídicas artifi-
cialmente criadas pelas nações humanas. É dizer: a manifestação natural
da água é bem diversa daquelas dadas pelas conjunções culturais e histó-
1 PAQUEROT, 2010, pp. 542-543.
Regime jurídico e políticas públicas de águas no direito internacional
e brasileiro: rumo a estatuto privilegiado?

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