Regime não cumulativo

AutorSolon Sehn
Páginas103-312
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Capítulo III
REGIME NÃO CUMULATIVO
1. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.833/2003
1.1 Medida Provisória 135/2003 e os efeitos decorrentes
da lei de conversão
O regime não cumulativo foi instituído pela Medida Pro-
visória 135, de 30 de outubro de 2003, convertida na Lei 10.833,
de 29 de dezembro de 2003. O art. 246 da Lei Maior, entretan-
to, veda a edição de medida provisória na regulamentação de
artigo com redação modificada entre 1º de janeiro de 1995 e
11 de setembro de 2001.178 Esse dispositivo aplica-se à Cofins,
uma vez que esta constitui um tributo previsto em dispositivo
constitucional alterado pela Emenda 20/98 (art. 195, I, “b”).
Parte da jurisprudência, porém, interpreta que a Medi-
da Provisória 135/2003 não seria inconstitucional, porque, a
rigor, se limitou a instituir o tributo, sem regulamentar o art.
178. Cf., a respeito: LIMA, Maria Ednalva de. PIS e Cofins - Base de cálculo: exclu-
são dos valores transferidos para outras pessoas jurídicas. Revista Dialética de Di-
reito Tributário nº 75, p. 146 e ss.; MELO, José Eduardo Soares de. As contribuições
sociais e o descabimento de medida provisória para regular emenda constitucional,
em face do art. 246 da CF. Revista Dialética de Direito Tributário nº 44, p. 93 e ss.;
NETTO, Domingos Franciulli. Cofins..., Op. cit., p. 88.
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SOLON SEHN
195, I, “b”, da Constituição.179 Essa, contudo, não parece a me-
lhor excegese, já que é justamente com a instituição do tributo
que se regulamenta uma regra constitucional de competência
tributária. É um sem-sentido jurídico conceber outra forma
de regulamentação de uma regra dessa natureza, senão por
meio de uma lei que defina a hipótese de incidência, a base
de cálculo, os sujeitos ativo e passivo, a alíquota, enfim, o regi-
me de incidência do tributo previsto no texto constitucional.
Portanto, não há dúvidas acerca da inconstitucionalidade da
medida provisória convertida na Lei 10.833/2003. Resta saber,
no entanto, se este vício alcança a Lei 10.833/2003, hipótese
na qual todo o regime não cumulativo seria inconstitucional.
A doutrina majoritária entende que a inconstituciona-
lidade da medida provisória contamina a respectiva lei de
conversão. Essa, por outro lado, não poderia ser considerada
uma lei ordinária autônoma, por absoluta incompatibilidade
entre o procedimento de aprovação e o procedimento legis-
lativo ordinário.180 Apesar disso, contraditoriamente, admi-
te-se a apresentação de emendas parlamentares ao projeto
de conversão.181
179. “A MP nº 135/2003, convertida posteriormente na Lei nº 10.833/03, não contra-
ria o art. 246 da Carta Magna, uma vez que não promoveu a regulamentação de
norma da Constituição alterada por Emenda Constitucional.” (TRF-5.ª Região. 3.ª
T. AC 200883020013382. Des. Fed. Augustino Chaves. DJE 22/10/2009, p. 598). No
mesmo sentido, cf: TRF-4.ª Região. 2.ª T. AC 2003.71.00.056938-5. Rel. Des. Fed. Vâ-
nia Hack de Almeida, DE 15.10.2008.
180. CLÈVE, Medidas..., Op. cit., p. 133; ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Consti-
tuição de 1967. São Paulo: RT, 1967, p. 30; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Per-
fil constitucional das medidas provisórias. Revista de Direito Público nº 95, p. 32;
GRECO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: RT, 1991, p. 46; TROIA-
NELLI, Gabriel Lacerda. A inconstitucionalidade da criação da Cofins não cumula-
tiva por medida provisória decorrente da falta de urgência. In: PEIXOTO; FISCH-
ER (Coord.). PIS-Cofins..., Op. cit., p. 346; FISCHER, Op. cit., p. 114.
181. CLÈVE, Medidas..., Op. cit., p. 129 e 134. O autor, em última análise, entende
que “[...] o procedimento de conversão não se confunde com o ordinário de produ-
ção legislativa. A lei de conversão não pode, por isso, ser considerada um modo
normal de manifestação do Congresso Nacional. Desse fato emergem importantes
consequências jurídicas, inclusive a permanência, na lei decorrente, do vício macu-
lador presente na medida provisória que lhe deu origem” (Ibid., p. 133).
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PIS-COFINS
Na verdade, há duas situações que precisam ser clara-
mente diferenciadas. A primeira consiste em saber se a in-
constitucionalidade da medida provisória, pela conversão em
lei, pode ser sanada pelo Congresso Nacional. A segunda diz
respeito ao problema da extensão da inconstitucionalidade
à respectiva lei de conversão. No primeiro caso, o entendi-
mento majoritário não reclama qualquer reparo. O vício ini-
cial jamais poderá ser convalidado pela lei de conversão, uma
vez que o Congresso não pode suprir a ausência de pressu-
postos constitucionais autorizadores (relevância e urgência)
nem tampouco ignorar as hipóteses em que a Lei Maior veda
a edição deste ato normativo (art. 62, § 1º, e art. 246). Admitir a
convalidação equivale a conferir ao legislador a competência
para afastar, retroativamente, a aplicabilidade das limitações
materiais e formais à edição de medidas provisórias, previstas
em texto normativo de hierarquia superior à lei de conversão.
A impossibilidade de convalidação, porém, não implica
necessariamente a inconstitucionalidade da lei de conversão.
Esta resulta da manifestação de uma vontade política autô-
noma, traduzida na confirmação expressa do conteúdo da
medida provisória pelo órgão competente para legislar sem
as vedações previstas no arts. 62, § 1º, e 246 da Constituição.
Além disso, a objeção da incompatibilidade entre os procedi-
mentos não pode mais ser invocada após a Emenda Constitu-
cional nº 32/2001. Com a promulgação desta, o procedimento
de conversão, embora ainda apresente algumas particulari-
dades (art. 62, § 9º), aproximou-se bastante do procedimento
legislativo ordinário.
Os projetos, com efeito, passaram a demandar expressa-
mente a sanção ou o veto do Presidente da República (art. 62,
§ 12). A deliberação não é mais unicameral, conforme previsto
na Resolução 1-1989-CN, devendo ser apreciados em sessões
separadas das Casas do Congresso Nacional, com início na
Câmara dos Deputados (art. 62, § 8º), a exemplo dos proje-
tos de lei de iniciativa do Poder Executivo (art. 64). A única
particularidade diz respeito às medidas provisórias versando

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