Regimes internacionais: teoria e metodologia de análise da efetividade dos regimes ambientais

AutorFlavio Paulo Meirelles Machado; Maurício Sampaio do Santos
Páginas167-217

Page 167

1 Teoria dos regimes internacionais

A presente pesquisa12 examina a Teoria dos Regimes nas Relações Internacionais, expondo-as sob a ótica de três correntes de pensamento das Relações Internacionais. Na primeira parte, pretende-se atender as expectativas de fornecer instrumentos para um diálogo básico sobre conhecimentos teóricos. Em segundo lugar, os autores examinam critérios e opções metodológicas para avaliação da efetividade dos regimes ambientais internacionais. Em seguida, abordam o objetivo central da pesquisa: conciliar as metodologias sobre efetividade de regimes em pequena escala, presentes em inúmeros estudos de caso, com as indagações das Teorias de Relações Internacionais, permitindo assimPage 168 que futuros acadêmicos tenham mais facilidade na análise de efetividade de certos regimes ambientais.

Os regimes internacionais estão presentes em todas as esferas das relações internacionais. Em suas atividades cotidianas, os diferentes indivíduos encontramse inseridos e fazendo uso de variados regimes internacionais formais e informais. Quando recebem uma carta ou um telefonema internacional, por exemplo, essa simples ação implica na existência prévia de um regime internacional, cuja existência se deve a um anterior e intrincado jogo político, movimentações e mobilizações sociais sem as quais as feições do mundo atual seriam outras.

Os regimes internacionais, apesar de serem um tema controvertido, formam uma categoria básica para o entendimento do Direito Internacional Contemporâneo. A atual conjuntura global evidencia a importância desse tema. De fato, uma das dimensões da globalização3 é o crescimento das redes de regras e instituições que regulam as relações internacionais.

A globalização possibilitou aos seres humanos a conscientização de que certos atos realizados pelo homem podem afetar não somente a si mesmos, mas, também aos inúmeros atores presentes no meio ambiente de maneira, por vezes, caótica e incontrolável; nos casos mais críticos, até mesmo, irreversíveis.

O que é mais importante de se constatar é que algumas dessas ações do homem e fenômenos da natureza excedem o conceito geopolítico de território: verbi gratia, um problema ambiental em um país, em pouco tempo pode afetar outras nações. Daí a crescente preocupação dos instrumentos jurídicos em regularem essas ações. Por exemplo, a Declaração de Estocolmo de 1972 “expressa a convicção comum de que: o homem [...] tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras [...]”4; “Estados têm [...] obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional”5 e “devem assegurar-se de que as organiza-Page 169ções internacionais realizem um trabalho coordenado, eficaz e dinâmico na conservação e no melhoramento do meio ambiente.”6

No contexto ambiental, verifica-se que a depreciação da camada de ozônio, o aquecimento global e a poluição são problemas globais que não podem ser contidos nem solucionados por um único Estado. Ou seja, muitos dos problemas globais implicam soluções políticas internacionais, tal como, o Protocolo de Quioto, relativo às substâncias que aumentam o efeito estufa.

As inquietações contemporâneas voltam-se para a busca de compreensão e entendimento acerca de uma série de transformações ocorridas em várias dimensões: política, econômica ou ambiental, dentre outras. Nossa sociedade tem sofrido um redimensionamento, fruto não somente das novas tecnologias, sobretudo, dos meios eletrônicos da informação, mas do uso tecnológico baseado em interesses sociais, econômicos e políticos. Isto é, da interação entre o que há de tecnologia disponível e o que as pessoas querem fazer dela, segundo seus valores, crenças e ideais de mundo.7

Entende-se aqui que esse fenômeno descrito faz parte da chamada globalização, uma mutação crescente na geopolítica mundial, cujo sintoma mais visível é o constante aumento do entrelaçamento dos povos, envolvendo redes de interdependência continentais, ligadas pela circulação e influência de capital e bens, de informação e ideias, de pessoas e forças e também pelo meio ambiente.8;9

Essas mudanças foram dinamizadas pelo advento da desregulamentação e liberalização dos Estados no final do século XX, e igualmente pela existência de infraestrutura informacional das telecomunicações e transportes que permitiramPage 170 que um sistema global pudesse funcionar em escala mundial.10 Porém, as sociedades não são formadas somente pelos seus desenvolvimentos técnicos e científicos, mas o que se faz com a técnica, em relação com aquilo que somos ou acreditamos que deva acontecer em nosso mundo. Essa relação é construída em termos de identidade11;12. Portanto, é uma dialética entre a tecnologia e as estruturas sociais, do eu e das redes. A abordagem de Castells postula “que as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder13.

Uma instituição vista dentro desse novo mundo é o Estado; seu desempenho tem se transformado rapidamente devido ao crescimento do poder de outros atores, o que o obriga a se juntar para tomar decisões que afetam todos e equilibrem as relações para maior controle sobre os fenômenos nacionais e internacionais. Para isso, constitue uma série de instituições, baseadas em Estados Nações, mas também em instituições “supranacionais”. Desenvolve um sistema complexo de relações institucionais, com inúmeras formas, mas com certas similaridades14Page 171 em todo o mundo.15 No mais, o Estado tem um papel para entendimento entre as relações tecnológicas e a sociedade; promove, interrompe ou lidera a inovação tecnológica, e é um fator decisivo, pois organiza as forças sociais dominantes.16

Adiante, observa-se que o progresso da técnica deu novas dimensões aos problemas da comunidade. Portanto, há a necessidade de solucionar os problemas mundiais dentro de novas dimensões estabelecidas por uma civilização cada vez mais aperfeiçoada em sua técnica.17 Castells acredita que, talvez, o problema fundamental dessa questão seja a crise política das instituições responsáveis por gerir essas mudanças.18 Para o autor, vivemos em um complexo sistema de relações institucionais, uma rede de Estados19, ou melhor, uma complexa rede de interações entre “soberanias compartilhadas”, e cuja chave de maior entendimento está nas conexões econômicas geridas paralelamente entre Estados e instituições internacionais (p.ex, FMI, NAFTA, Pacto Andino, BID, Mercosul).

Os Estados operaram dentro de uma rede interativa e ampla. Todo tomador de decisão do processo econômico mundial, por exemplo, tem que interagir com o mercado financeiro internacional, com outros tomadores de decisão, com políticasPage 172 regulamentárias, e com as instituições nacionais e internacionais que compõem uma meta-rede composta por subunidades ou sub-redes.20

Além das instituições clássicas, tais como os Estados, as sociedades e indivíduos também precisam se adaptar a essas novas mudanças, e esse é o caso dos grupos sociais. Dentro de um universo onde flui riqueza, poder e imagens, a formação da identidade – coletiva ou individual, imposta ou construída – é crucial.21 A razão disso é que essa sociedade em rede tem um poder de influência22 imenso. Potencializa a capacidade de ação das unidades dentro dessas relações. Nesse sentido, dentro da visão majoritária dos autores de afinidades acadêmicas marxistas,23existe “uma estrutura de valores e entendimento sobre a ordem das coisas que permeia as entidades estatais e não estatais que tende a subordinar os demais pensamentos”24; é o resultado do técnico aliado à formação das mentes. Isso revela que existe uma relação de forças sociais e materiais que possibilitam que certos valores de certos grupos políticos prevaleçam nas relações sociais.

Castells testifica que redes internacionais são bem potentes, contudo, incluem tão somente os valores que as programam. Levando suas observações ao extremo, a rede capitalista global, que inclui Estados, companhias, regiões, outras redes e pessoas aumenta e reitera o valor de enriquecimento e lucro. Do outro lado, existem atores que resistem à dominação desses valores implementados, muitas vezes usando da própria rede para alcançar significados alternativosPage 173 para o modelo,25 ou até mesmo apelando ao radicalismo em busca da extinção do modelo.26 Para o autor, a tecnologia em si não é má nem mesmo ruim, mas certamente não é neutra.27

Apesar de se ter iniciado o tema, a globalização e seus processos não é a especificidade deste trabalho. Essa breve explanação serve de ponto de partida empírico e não tem a pretensão de esgotar nem debater o tema exaustivamente. O intuito é usar a globalização como pano de fundo com as muitas interpretações já feitas no mundo acadêmico. Esse dado empírico inclui, dentre muitos outros, objetos chave para nosso tema: economia global e meio ambiente comum; e um fator crucial, a crise de eficiência para lidar com os resultados do choque entre o meio ambiente e os métodos de produção, consumo, valores e instituições relacionadas à economia.

Essa crise fica evidente, quando os movimentos ambientalistas, com apoio de comunidades sistêmicas,28 demonstraram que certos meios de produção e consumo extrapolam a capacidade de o meio ambiente...

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