Regimes Público e Privado no Setor de Telecomunicações: análise de uma diferença e de uma semelhança

AutorCristiana Leão Quinalia
CargoGraduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Master em Direito Empresarial pelo Centro Internacional de Formanción Financiera (CIFF), da Universidad de Alcalá, Espanha. Especialista em Regulação da Agência Nacional de ...
Páginas73-116
Regimes Pblico e Privado no Setor de Telecomunicaes... (p. 73-116) 73
QUINALIA , C. L. Re gimes Pbli co e Privado no Setor d e Telecomuni caes: anli se de uma diferena e de uma seme lhana.
Revista
de Direito, Est ado e Telecomu nicaes,
Braslia, v. 7, n. 1, p. 73-116, m aio 2015. [D OI: https://doi .org/10.265 12/lstr.v7i 1.21540 ]
Regimes Público e Privado no Setor de Telecomunicações: análise
de uma diferença e de uma semelhança
Public and Private Regimes in the Telecommunications Sector: A Study on one
Difference and one Similarity
Submetid o(
submitted
): 04/12/2014
Cristiana Leão Quinalia*
Parecer(
revised
): 31/12/2014
Aceito(
accepted
): 04/01/2 015
Resumo
Propósito
Este artig o tem por objet ivo analisar as c aracterísticas dos r egimes público e
privado est abelecidas na Lei Geral de Telecomuni cações (LGT) brasileira, traçando
especificidades e conexões entre eles. A categorizaçã o dos serviços de telecomunic ações
e a ampliação do acesso foram eleitas, respectivament e, como possíveis diferenç a e
semelhança en tre os regimes.
Metodologia/abordagem/design
Para analisar a diferença entre os regime s presentes
na LGT, estudam-se as cara cterísticas de servi ço público e as diferentes possibilidades de
interpretação de seu enquadramento tanto no regime público como no regime pri vado,
dialogando-se em especial com os art. 21 e 175 da Constituição Fede ral de 1988 e com a
LGT. Por ou tro lado, estudam-se as polític as d e e xpansão como uma possível
semelhança, a profundando-se as bases leg ais e mecanismos util izados nos dois regimes.
Resultados
Adota-se o ente ndimento de que apenas os serviços de telecomunicações
prestados em regime público têm natureza de s erviço público. A partir daí, identifica m-se
elementos de conexão entre os dois regimes, notadamente o fato de ambos serem alvo de
ações para am pliação do acesso.
Implicações práticas
O entendimento de difere nça e se melhança entre os regimes
permite maior emb asamento par a proposta de política s públicas e regulam entações para
remodelagem do arcabouço regulatório d as telecomunicações no B rasil.
Palavras-chav e: regime p úblico, re gime privad o, serviço público, univ ersalização,
massificação.
Abstract
Purpose
This article aims to analyze the charac teristics of public and private regimes
establis hed in Bra zil's Genera l Telecommunica tions Law (LGT), outl ining spe cificities
and connections between them. The categor ization of telecommunicat ions ser vices and
universa l deployment of ser vices were elected in this study, r espectively, a s a possible
difference an d simila rity between the regimes.
Methodology/approach/design
So as to analyze differences between public an d private
regimes d escribed in LGT, this a rticle tackled the buildin g blocks of each regime ,
*
Graduada em Direito pela Pontifícia U niversidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em
Direito e Políticas Públicas pelo Centro Univer sitário de Brasília (UniCEUB). Maste r em
Direito Em presarial pelo Centr o Internacional de Formanción Financiera (CIFF), da
Universidad de Alca lá, Espanha. Especialista em Regula ção da Agência Nacional de
Telecomunicaç ões (ANATEL). Em ail: cris_leao@yahoo.com.
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Revista
de Direito, Est ado e Telecomu nicaes,
Braslia, v. 7, n. 1, p. 73-116, mai o 2015. [DOI: https://doi.or g/10.26512 /lstr.v7i1.2 1540]
par ticularly from the viewpoint of a rticles 21 a nd 175 of the Bra zilian Constitution of
1988 a nd the lega l framework ina ugurated with LGT. To tha t end this study focused and
deepened the l egal bases a nd mechanisms in both pu blic and priva te regimes.
Findings
In light of this ana lysis, it is adopted the view tha t only on the public r egime
the provision of teleco mmunications se rvices is consider ed public service. Still, it is
possible t o identify elements of connection between the two r egimes, notably the fact th at
both ar e targeted for pol icy-orie nted expansion.
Practical implications
The understan ding of differences and similar ities be tween the
regimes pr ovide gr ounds for improving publi c policies and r egulations.
Keywords:
public r egime, private regi me, public ser vice, universa l service, Brazil.
Introdução
No setor d e telecomunicações b rasileiro, prevalecia o regime de
monopólio por empresas estatais desde a década de 70 , sob a holding
Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebras). Ocorre que, passadas mais de
duas d écadas da criação dessa empresa, o acesso às telecomunicações não era
democrático, a in fraestrutura estava concentrada em determinadas áreas e
exigia-se mudança (SIQUEIRA, 1993; COSTA, 1996).
Ciente da necessidade de avanços, Ferna ndo Henrique Cardoso elaborou
capítulo referente às telec omunicações, em proposta ao governo. Nele,
salientava a importância de investir em infraestrutura como uma ação
fundamental para o crescimento econô mico e social (CARDOSO, 2008 , p. 23).
Quando Chefe do Executivo, no segundo semestre de 1995, por meio do
Ministério das Comunicações, lançou o Programa de Recuperação e Ampliação
do Sistema de Telecomunicações e do Sistema Postal (Paste).
Em paralelo às discussões sobre a deficiência do setor, na década de 90,
questionava-se o papel do Estado. O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do
Estado (MARE, 1995, p. 6) identificou a crise no modelo burocrático e desvio
das atribuições do Estado e sugeriu reforma estatal para reforçar as funções
estatais de regulação e coordenação (art. 174 da Constituição Federal de 1988).
A Administração “deve ser permeável à maior participação dos agentes privados
e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos
(meios) para os resultados (fins) (MARE, 1995, p. 16).
Considerando a tendência de organização e atuação do Estado do final do
século passado, Almiro do Couto e Silva reconhece uma tendência de r ecuo do
Estado e ampliação d as atividades do setor privado, e prevê novas parceiras e
formas de colaboração entre os setores público e privados: por meios de direito
público ou de direito privado, haverão certame nte de desafiar ainda mais
agudamente a imaginação dos juristas no milénio que se ap roxima. (SILVA,
2003, p. 208).
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QUINALIA , C. L. Re gimes Pbli co e Privado no Setor d e Telecomuni caes: anli se de uma diferena e de uma seme lhana.
Revista
de Direito, Est ado e Telecomu nicaes,
Braslia, v. 7, n. 1, p. 73-116, m aio 2015. [D OI: https://doi .org/10.265 12/lstr.v7i 1.21540 ]
Considerando, ainda, a tendência de organização e atuação do Estado do
final do século passado, para Maria João Estorninho, o setor de
telecomunicações é um exemplo típico desse momento de transformação
(MOTTA, 2006). Para ela, as p rivatizações promovidas pelas Administrações
Públicas, em sua maioria, nos anos 80 e 90 do século passado, são exemplo de
interseção entre regime público e privado, justamente por acentuar a tendência
“às formas jurídico-privadas de organização e de actuação administrativas
(ESTORNINHO, 1996, p. 47).
Nesse contexto, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 8, de 25 de
agosto de 1995, que alterou os incisos XI e XII, “a” do art. 21 da Constituição
Federal de 1988. Por ordem constitucional, aprovou-se a Lei nº 9.472, de 16 de
julho de 1997 (LGT). A Lei Geral das Telecomunicações (LGT) determinou a
criação da Agência Nacional das Telecomunicações (ANATEL), estabeleceu
critérios para a desestatização1 do Sistema Telebras e desenhou o ambiente pós-
privatização para as outorgas de concessões, permissões e autorizações.
A LGT estabeleceu dois regimes jurídicos pelos quais os serviços de
telecomunicações seriam prestados: o regime público e o regime privado.
Entende-se por serviço de telecomunicações em regime público aquele
que a União compromete-se a assegurar, prestado mediante concessão ou
permissão, na modalidade de serviços de interesse coletivo, com atribuição (à
prestadora) de obrigações de universalização e de co ntinuidade (art. 63,
parágrafo único; e, art. 64, caput, da LGT). Entende-se por serviço de
telecomunicações em regime privado, o prestado mediante autorização, na
modalidade de serviços de interesse coletivo ou restrito, 2 apoiado nos princípios
constitucionais da atividade econômica e que, excepcionalmente, tem outorga
condicionada (arts. 63, 64, 67, 126, 131, 136 da LGT).
Note-se que a LGT estabeleceu características distintivas para os
regimes. Contudo, essas, em alguma medida, interceptam-se e merecem
1
As questões são retratadas por DERANI (200 2, p. 115). “As questõe s da privatização,
dos serviç os públicos e da concorrênci a situam-se no entroncamento da economia com o
direito e a pol ítica. A exploração de um serviç o público substitui, a princ ípio, a
concorrência, porque sua produção é uma necessidade social e, portanto, independe dos
estímulos pro duzidos pelo mercado.”
2
O art. 17, da Resolução nº 73/1998, da AN ATEL, definiu interes se coletivo como
“aquele cuja prestação deve ser proporcionada p ela prestadora a qualquer interessado na
sua fruição, em condições não discrimi natórias, observados os requisitos da
regulamentaçã o.” En quanto os se rviços de inter esse c oletivo são prestados a tod os os
interessados em condições n ão discriminatórias, os de interesse restrito (art . 18, da citada
Resolução) são desti nados ao uso próprio ou a determinados grup os d e usuários. Os
serviços prestados em interesse cole tivo devem cumprir o que a LG T chama de “função
social do se rviço de interesse col etivo” (art. 127, VII I, da LGT). O Ato nº 3.833, de 20 de
junho de 2013, categoriza os serviços e su as possibilidades d e abrangência.

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