Registro de imóveis

AutorOdemilson Roberto Castro Fassa
Páginas41-113

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2. 1 Delimitação do objeto

Como se viu, os serviços públicos notariais e de registros, de execução delegada, apresentam-se em número elevado, recomendando-se o corte epistemológico e limitação da abordagem ao serviço de registro de imóveis, possibilitando discorrer quanto aos princípios que lhe são específicos, classificação, natureza jurídica da atividade e regime jurídico do vínculo entre o registrador e o Estado, além da incursão no direito comparado, dada a dificuldade de fazê-lo em relação a todas as modalidades.

Acredita-se, entretanto, que a conclusão a que se chegar terá aplicabilidade aos serviços notariais e demais modalidades de serviços registrais delegados ou privatizados, inclusive em relação aos titulares de “serventias” ainda não estatizadas1, uma vez que lhes são comuns as disposições do artigo 236 da Constituição Federal.

2. 2 O registro de imóveis: evolução legislativa

No Brasil, por mais de três séculos (do descobrimento, em 1500, até a edição do Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846, que regulamentou o Registro Geral de Hypothecas, criado pelo artigo 35 da Lei do Orçamento n. 317, de 21 de outubro de 1843), a publicidade dos títulos que conferiam ou transferiam a propriedade de bens imóveis (escrituras de sesmarias e outros documentos, além de cartas reais, forais de capitanias, alvarás, ou concessões conferidas pelo rei de Portugal, pelos governadores das capitanias ou pelo governo-geral) estiveram a cargo de tabeliães das notas, tabeliães

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do judicial, scrivães (sic!), Officiaes (sic!) e demais funcionários que prestavam serviços nas repartições existentes nas capellas (sic!), freguesias, vilas e cidades das províncias2, bem como na chancelaria da Corte, além dos escrivães eclesiásticos e notários apostólicos3.

Alguns destes funcionários aqui chegaram com o próprio Martim Afonso de Sousa, autorizados pelo alvará/carta outorgado na vila de Castro Verde, em 20 de novembro de 1530, por D. João III, rei de Portugal e de Algarves, ou por Martim Afonso foram aqui nomeados, conforme autorização nos forais de capitania4.

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O registro dos forais, por exemplo, estava a cargo dos funcionários da alfândega, das feitorias e das Câmaras, pois assim deter-minava el rei, como se lê do foral da capitania de São Paulo, passado na cidade de Évora, a 06.10.1534, também a Martim Afonso: “(...) mando que se registre no livro de registro de minha alfândega de Lisboa, e assim nos livros da minha feitoria da dita Capitania, e pela mesma maneira se registrará nos livros das câmaras das vilas e povoações da dita Capitania (...)”5.

MELLO MORAES6, referindo-se à felicidade de se descobrir o paradeiro do alvará/carta outorgado na vila de Castro Verde, em 20 de novembro de 1530, por D. João III, rei de Portugal e de Algarves, a Martim Afonso de Sousa, relata que o registro das sesmarias se dava através dos funcionários do cartório da provedoria da Fazenda Real das vilas. Confira-se: “(...) inseridas nas sesmarias de Pedro de Góes, Francisco Pinto e Ruy Pinto, registradas no cartório da Provedoria da Fazenda Real da Vila de Santos hoje existente na cidade de S. Paulo, para onde o mudaram (....)”, informação esta que é
complementada na nota de rodapé (1) de f. 159, como sendo o “(...)
liv. de Reg. de Sesm, rubricado por Cubas, que tem por título N. 1,
liv. I, 1555, fol. 42 e 103”.

Em relação à publicidade da Bula Inter Coetera, de 4.5.1493, S. S. o Papa Alexandre VI recomendava fé não só aos originais, mas também às cópias autenticadas por notários e seladas com o selo de

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qualquer pessoa constituída em dignidade eclesiástica, ou de qualquer tribunal da Igreja.

Não era, entretanto, permitido a tais funcionários, a qualquer tempo, realizar referidos registros, posto que a legislação então vigente (Título XXXVIII das Ordenações Filipinas, Livro, II e III, p. 463-464) estabelecia tolerância de quatro meses para que as cartas de doações e mercês passassem pela chancelaria, sob pena de não mais se poder fazê-lo:

Mandamos que as pessoas, a que fizemos doações e mercês de algumas Villas, Castellos, Terras, Jurisdição, Rendas, Direitos, Requengos, Tenças, Padroados de Igrejas, ou quaesquer outras cousas, que concedernos per nossa Cartas ou Alvarás, sejam obrigadas de as passar e tirar de nossa Chancellaria do dia, que as Cartas e Alvarás forem feitos, até quatro meses primeiros seguintes. E passado o dito tempo, não o cumprindo assim, mandamos ao Chanceller Mor e Officiaes da Chancellaria, que lhe não recebam taes Cartas ou Alvará, nem os séllem, nem passem pela Chancellaria: e as mercês que por elles tivermos feitas, sejam nenhumas7.

As propriedades existentes nas capelas, segundo disposições constantes nos §§ 2º e 3º do Título 50 do Livro I das Ordenações Filipinas8, deveriam ser lançadas em livro de tombo das provedorias das capelas do município. Confira-se: “(...) E farão lançar os ditos bens e propriedades em Livros de Tombo, com os traslados das instituições, pondo cada Capella, Hospital, ou Albergaria em titulo apartado per si”.

Igual disposição constava do § 7º do artigo 44 do Regulamento de 2 de outubro de 1851, cuja constatação de inexistência pelo Vis-

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conde de Paraná determinou a edição da Resolução n. 78, em 16 de março de 18549.

Além da doação de terras, os forais de capitanias conferiam aos donatários a jurisdição do cível e crime, no território da capitania, e os autorizava a eleger juízes; pôr ouvidor; criar e prover os tabeliães do público e judicial, entre outros oficiais, tantos quantos lhes parecesse necessários.

Ao que nos interessa, poderes para “(...) criar e prover por suas cartas os Tabeliães do público e judicial que lhes parecer necessários nas villas e povoações da dita terra”, ditos forais estabeleciam também que a vacância de tais tabelionatos ocorreria “(...) por morte ou renunciação ou por erro (...)”10e não poderia dispor de forma diversa, porquanto nestes termos estava redigido o item 23 do Título XLV das Ordenações Filipinas11:

E mandamos, que os Tabeliães, que forem dados pelos Senhores de terras e Fidalgos por suas Cartas, por terem para isso poder per suas doações, sejam perpétuos em suas vidas, e não possam per elles ser tirados dos Officios, senão sendo julgado per sentença, confirmada em as nossas Relações, que os percam.

Por serem perpétuas, referidas concessões de officios públicos consagravam verdadeira propriedade, importando na transferência do próprio serviço ao particular, portanto, muito mais que a transferência da mera execução do serviço como determina, na atualidade, o artigo 236 da Constituição Federal de 1988. Daí a preocupação do rei em relação à sua venda, por quem quer que fosse, donatário

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ou beneficiário, proibindo-a expressamente conforme disposição constante do Livro I, Título XLVI, das Ordenações Felipinas12.

Tais officios públicos os herdeiros estavam obrigados a entregar, por inventário, ao sucessor, conforme dispunha o item 2, do Título LXXVIII, do volume I, das Ordenações Filipinas13, condição jurídica que perdurou até a edição da Lei de 11 de outubro de 1827, que regulou a forma de provimento e substituição dos Ofícios de Justiça e Fazenda, passando a conferi-los apenas em caráter vitalício14.

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Portanto, quando da edição da Lei do Orçamento n. 317, de
21.10.1843, que em seu artigo 3515instituiu o Registro Geral das Hipotecas, e do seu regulamento, o Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846, a investidura dos tabeliães, a quem o artigo 1º do Decreto

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n. 482/184616atribuiu o Registro Geral das hipotecas, já não ocorria a título de propriedade privada, mas a título vitalício, passando a denominar-se de “Tabelliães ou Tabellião do registro geral de hypothecas”, como está nos artigos 8º e 10, 19, 22, 24, 29 e 32 do citado Decreto n. 482/1846.

Paralelamente à atividade registrária desempenhada pelos funcionários das repartições já mencionadas e pelo tabelião do Registro Geral de Hipotecas, a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1859, em seu art. 13, regulamentada pelo Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, atribuiu ao vigário de cada uma das freguesias do Império o registro das terras possuídas (art. 97), registros estes que deveriam ser feitos em duas vias (art. 93), para que uma delas, ao final do prazo estabelecido, fosse encaminhada ao delegado do diretor-geral das terras públicas da província, que após formar o registro geral das terras públicas da província, encaminhava cópia ao diretor-geral das terras públicas, para que este organizasse o regis-tro geral das terras possuídas no Império (art. 107).

Mas, retornando ao que importa, ou seja, traçar, ainda que de forma resumida, o escorço histórico do atual oficial do registro ou registrador (art. 3º da Lei n. 8.935/1994), necessário faz-se consignar que, em razão da reforma da legislação hipotecária operada pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulamentada pelo Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, em substituição ao registro das hipotecas foi instituído o...

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