Registro de nascimento: Paulo Roque e o direito de existir

AutorMaria de Lourdes Araújo
CargoJuíza de direito do tribunal de justiça do Paraná
Páginas118-131
118 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 665 I AGO/SET 2020
DOUTRINA JURÍDICA
Maria de Lourdes AraújoJUÍZA DE DIREITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
PAULO ROQUE E O
DIREITO DE EXISTIR
I
A LONGA HISTÓRIA DA EMISSÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO
TARDIO DO IDOSO ENCONTRADO À BEIRA DE UM RIO, SEM
DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO OU VÍNCULO FAMILIAR
certidão de nascimento como materialização do
princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, especialmente consagrado na legisla-
ção protetiva do Estatuto do Idoso.
Mesmo antes da propositura da ação e du-
rante sua tramitação, diversas diligências fo-
ram empreendidas, não logrando êxito em en-
contrar possíveis ascendentes ou descendentes
do representado. Intensas trocas de comuni-
cações protocolares, entre diversos órgãos es-
tatais, foram levadas a termo, especialmente
junto às secretarias de segurança pública de
estados circunvizinhos, visando consultas nos
respectivos cadastros, na busca da possível
identificação datiloscópica daquela pessoa,
tudo sem sucesso.
Materialmente falando, é certo que Paulo
Roque nasceu em algum dia, em algum lugar, é
filho de um pai e uma mãe, provavelmente no
regaço de alguma entidade familiar. Por razões
injustificadas, passou a viver às margens de um
rio, sem nenhuma estrutura material e sanitá-
ria, bem como nenhuma identificação civil, que,
aliás, até demandar a prestação de um serviço
público de saúde e assistência, nenhuma falta
lhe fez. Contudo, com o peso dos anos, o desfa-
Em dezembro de 2009, a equipe de assis-
tência social do município de Colorado-
- encontrou um idoso, que se autode-
nominava Paulo Roque, morando em
pequena tenda às margens de um rio na
localidade de Jupira, zona rural do município.
Não tinha nada além de uma sacola reutilizada,
com algumas roupas dentro, e nenhum docu-
mento de identificação pessoal ou informação
acerca de eventuais familiares. Chegou a ser
encaminhado para uma casa de acolhimento de
idosos. Entretanto, por não se adaptar às condi-
ções de convívio coletivo, sempre abandonava
a instituição, retornando à mesma margem do
rio, já que não se ajustava ao ambiente da “cre-
che dos velhos”, denominação que atribuía ao
local de acolhimento dos idosos.
Três anos depois, na condição de substituto
processual e na defesa dos direitos individu-
ais indisponíveis, o Ministério Público ajuizou
ação1 postulando a declaração de reconheci-
mento do nascimento, e a consequente lavratu-
ra da certidão do registro de nascimento tardio
daquele indivíduo, tudo consignado nos livros
próprios do cartório de registro civil local. Sus-
tentou no feito a necessidade da lavratura da
Rev-Bonijuris665.indb 118 15/07/2020 11:35:44

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