A regra da inelegibilidade eleitoral em função do analfabetismo e a (in)constitucionalidade de sua prova: colisão entre princípios fundamentais democráticos e humanísticos

AutorMarcus Vinícius Gazola/Wilson Canci Júnior
Páginas165-189
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A regra da inelegibilidade eleitoral
em função do analfabetismo e a
(in)constitucionalidade de sua prova:
colisão entre princípios fundamentais
democráticos e humanísticos
marCus ViniCius gazzoLa
WiLson Can Ci Junior
Introdução
Não raras as vezes, mesmos nos mais renomados, e atualizados, livros e
escritos de direito constitucional, bem como em especíco no direito eleitoral,
não se encontra facilmente a explicação jurídica, social ou política, do motivo
da inelegibilidade eleitoral prevista na Constituição Federal, em seu artigo 14,
§4º, no caso de analfabetismo.
A conceituação de inelegibilidade é, por vezes, muito tranquila, estan-
do ligada, por sua vez, ao conceito de direitos políticos negativos, segundo
os quais, nas palavras de José Afonso da Silva205, são:Àquelas determinações
205 SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed.. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 381.
ensaios sobre a história e a teoria do direito social
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constitucionais que de uma forma ou de outra importem em privar o cidadão
do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais.
São negativos precisamente porque consistem em um conjunto de regras que
negam, ao cidadão, de modo absoluto ou relativo, o direito de eleger, de ser
eleito, de exercer atividade político-partidária, ou de exercer função pública.
Segundo o mesmo autor206, as inelegibilidades absolutas implicam em um im-
pedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo público. Assim, quem se en-
contra nesta situação, não pode concorrer para qualquer cargo eletivo, e não
tem prazo para desincompatibilização, ou seja, fato que lhe permita sair do
impedimento, a tempo de concorrer a determinado pleito.
Nesse sentido, como a Constituição Federal prevê norma restritiva à
fruição de um gozo de um direito político, bem como que, em relação à legis-
lação infraconstitucional, há um hiato, ou uma lacuna acerca da conceituação
de quem é analfabeto, em especial pela leitura da Lei Complementar nº 64/90,
mera repetição do texto constitucional, e em relação ao Código Eleitoral (Lei
nº 4.737/65), que se omite por completo acerca da questão da conceituação de
quem é analfabeto, que, inevitavelmente, acaba nas mãos do juiz eleitoral.
A questão que se coloca é tão singela quanto difícil de responder: ao in-
terpretar a Constituição, e aplicar ao caso concreto a norma de direito político
negativo, o juiz eleitoral estaria inovando, criando uma lei ao caso especí-
co, exorbitando, assim, suas atribuições funcionais, ou apenas cumprindo seu
mandamento jurisdicional?
Essa manifestação positiva do juiz acerca de ceifar a participação políti-
ca de um cidadão comum pode ser qualicada como ativismo judicial?
Em último caso, é possível a colisão de normas (artigo 14, §4º, CF) com
os princípios fundamentais da participação política, princípio democrático, e,
principalmente, com o princípio da dignidade humana, traduzida pelo princí-
pio da fraternidade constitucional?
Para responder essas questões, necessário transpassar por algumas eta-
pas não menos importantes.
206 SILVA, op. cit, p. 390.

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