A regra da prevalência do negociado sobre o legislado na perspectiva da reforma trabalhista: rumo à mutação genética do direito do trabalho no Brasil

AutorCleber Lúcio de Almeida
Páginas53-72
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A REGRA DA PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O
LEGISLADO NA PERSPECTIVA DA REFORMA TRABALHISTA:
rumo à mutação genética do direito do trabalho no Brasil
THE RULE OF NEGOTIATED PREVALENCE ON LEGISLATION IN
THE PERSPECTIVE OF LABOR REFORM: toward genetic mutation of
labor law in Brazil
Cleber Lúcio de Almeida1
RESUMO: A cada crise econômica que se apresenta no cenário nacional são propostas e, não raro, realizadas
alterações no Direito do Trabalho. Estas alterações alcançam vários aspectos do Direito do Trabalho, entre os quais
o seu significado ( transformação da s finalida de e funções do Direito do Traba lho), as pessoas alcançadas pelas
suas normas (tra nsformação subjetiva do Direito do Tra balho), os direitos assegurados aos trabalhadores
(transformaçã o objetiva ou do conteúdo do Direito do Tra balho) e as suas fontes e a relação entre elas
(transformaçã o normativa do Direito do Trabalho). A r eforma tra balhista, que foi realizada, principalmente, por
meio da Lei n. 13.467/17, não fugiu à regra, visto que promove relevantes alterações no Direito do Trabalho. O
presente ensaio versa sobre uma destas alterações, qual seja, a adoção da regra da prevalência do negociado sobre
o legislado, que é aqui considerada como parte do processo de mutação genética do Direito do Trabalho no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Crise econômica; reforma tra balhista; mutação genética do Direito do Trabalho.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O significado e a inconstitucionalidade da prevalência do negociado sobre o
legislado; 3. A regra da prevalência do negociado sobre o legislado e os limites da negociação coletiva; 4 anotações
conclusivas; 5. Referências bibliográficas.
ABSTRACT: Every economic crisis that presents itself in the national scenario is proposed and, not infrequently,
changes are made in Labor Law. These changes cover various aspects of labor law, including its meaning
(transformation of the purpose and functions of labor law), people achieved by i ts norms (subjective
transformation of labor law), the rights guaranteed to workers (objective transformation or the content of Labor
Law) and their sources and the relation between them (normative transformation of Labor Law).The labor reform,
which was carried out, mainly, by means of Law no. 13467/17, did not escape the rule, since it promotes relevant
changes in Labor Law. The present article deals with one of these chan ges, that is, the adoption of the rule of the
prevalence of the negotiated over the legislated, which is considered here as part of the process of genetic mutation
of Labor Law in Brazil.
KEY WORDS: Economic crisis; labor reform; genetic mutation of Labor Law.
SUMMARY: 1. Introduction; 2. The meaning and unconstitutionality of the prevalence of the negotiated over the
legislated; 3. The rule of the prevalence of the negotiated over the legislated and the limits of collective bargaining;
4 Concluding notes; 5. Bibliographic references.
Artigo enviado em 18/06/2018.
Artigo aprovado em __/__/__.
1 Pós-doutor em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG. Doutor em Direito pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor dos
cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Juiz do Trabalho junto ao TRT da 3ª Região. RDRST, Brasília, Volume IV, n. 03, 2018, p 53-72, Set-Dez/2018
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1 INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho tem entre as suas características a pluralidade das fontes e adota,
para a solução de eventuais antinomias entre elas, o princípio da prevalência da nor ma mais
favorável aos trabalha dores.
A reforma trabalhista, realizada, principalmente, por meio da Lei n. 13.467/17, interfere
na pluralidade das fontes do Direito do Trabalho e na relação entre elas, o que fez ao adotar a
regra da prevalência do negociado sobre o legislado.
A regra da prevalência do negociado sobre o legislado foi consagrada no art. 611-A da
CLT,2 que é complementado pelo § 3º do art. 8º da CLT, segundo o qual, no exame de
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará
exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico e balizará a sua
atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
Assim, não só foi imposta a prevalência do negociado sobre o legislado, ou, dito de
outra forma, da vontade coletiva sobre a norma, como, para reforçá-la, procurou-se limitar a
atuação do Poder Judiciário em eventual exame dos ajustes coletivos.3
A reforma tr abalhista estabelece, também reforçando o princípio da prevalência do
negociado sobre o legislado, a prevalência do acordo coletivo de trabalho sobre a convenção
coletiva de trabalho (art. 620 da CLT).
No entanto, indo ainda mais além, a reforma trabalhista estabeleceu a regra da
prevalência do contrato individual de trabalho sobre os instrumentos coletivos, no caso de
o trabalhador empregado ser portador de diploma de nível superior e perceber salário mensal
igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência
Social (art. 444, parágrafo único, da CLT). Foi adotado, portanto, o primado do contrato
individual do trabalho sobre o negociado, que parte da premissa, sem qualquer evidência
empírica, de que o trabalhador na situação mencionada no citado dispositivo possui liberdade,
2 “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, dentre outros,
dispuser sobre...”.
3 Parte-se da premissa, neste dispositivo legal, de que haveria um excesso de intervenção do Poder Judiciário na
autonomia da vontade coletiva, Poder que, inclusive, estaria restringindo direitos legalmente previstos e criando
obrigações não impostas pela lei (daí a proibição de restrição de direitos e criação de obrigações, por meio de
súmulas e outros enunciados de jurisprudência, constante do art. 8º, § 2º, da CLT, observando que já foi dito, em
defesa da reforma tra balhista, que a maior parte dos direitos reconhecidos em juízo não possui fundamento legal,
posto que criados pela jurisprudência dos tribunais trabalhistas, isto, vale ressaltar, sem qualquer demonstração
empírica).

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