A Regra-matriz deIncidência Tributária
Autor | Evandro Paes Barbosa |
Ocupação do Autor | Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
Páginas | 61-91 |
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Como ficou exposto, ao tratarmos da norma jurídica, para cada espécie tributária temos uma regra-matriz de incidência.
A regra-matriz de incidência do IPTU é norma em sentido estrito.
Ao se referir à regra-matriz de incidência tributária, José Roberto Vieira39diz que:
"Outro não quadraria ser o caminho, senão o da norma jurídica, porque é o único capaz de conduzir-nos às mais íntimas regiões de uma figura tributária, autorizando-nos a penetrar sua arquitetura estrutural. O conhecimento do tributo passa necessariamente pelo conhecimento da norma, pois, afinal, tributo é norma ."
Como no direito em geral, no tributário a norma que institui o tributo é sempre abstrata e descreve, no antecedente, um fato lícito e futuro, que somente obrigará alguém, se ele acontecer.
O conseqüente prescreve uma relação jurídica, onde aquela pessoa que praticou o fato descrito na norma deverá prestar uma obrigação. A norma primária se constitui pelo Antecedente e o Conseqüente. No Anteceden-
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te, temos os seguintes critérios: material, temporal e espacial. No Conseqüente temos os critérios: pessoal e quantitativo.
A norma abstrata, ainda que elaborada e apta a ser aplicada ao caso concreto, não regula efetivamente as condutas. Somente a norma individual e concreta é que o fará, através de pessoa, indicada por lei, para relatar em linguagem fato descrito na hipótese de incidência e fazer a sua subsunção à norma, através do lançamento tributário.
É o que enfatiza Paulo de Barrros Carvalho40:
"A regra-matriz de incidência tributária, como norma geral e abstrata, não traz, na hipótese, a descrição de um evento especificamente determinado, traço peculiar às normas individuais e concretas. Antes, alude a uma classe de even-tos, na qual se encaixarão infinitos acontecimentos concretos. E a operação lógica de inclusão de um elemento numa classe é chamada ‘subsunção’. Satisfazendo aos requisitos de pertinencialidade a certa classe ‘C’, um objeto determinado (‘o’) nela se subsome. Essa nota revela, imediatamente, que a incidência da regra não ocorrerá enquanto norma individual e concreta, dando conta da subsunção do fato à classe de acontecimentos descritos no suposto, não for expedida pelo órgão competente."
O processo de positivação do direito somente acontece com a expedição da norma individual e concreta, através do lançamento tributário. É importante notar que o tributo sempre tem o perfil constitucional. Não pode uma norma de hierarquia inferior descrever a estrutura de um tributo, em antagonismo com o desenho
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constitucional, sob pena de eivar-se de inconstitucionalidade. Para ingressar no sistema jurídico, a norma deve ser pertinente a ele. Deve obedecer a uma relação de subordinação e de coordenação. A norma introduzida no sistema não será válida, se afrontar os preceitos fundamentais, que lhe servem de fundamento de validade.
Assim, partindo do texto constitucional, podemos traçar a seguinte regra-matriz do Imposto predial e territorial urbano, com os seguintes critérios:
ANTECEDENTE
4.1.1 - Material: Este critério sempre será representado por um verbo, em sua forma infinitiva, e mais um complemento: ser proprietário de bem imóvel urbano. A constituição, ao partilhar os tributos, estabeleceu o arquétipo do IPTU, no art. 156, inciso I, gravando o direito de propriedade urbana.
O conceito de "ser proprietário de bem imóvel" é completado pelo Código Tributário Nacional, Lei Complementar nº 5.172 de 1967:
O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
(art. 32).
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Como se pode observar, o conceito acima referido não é próprio do Direito Tributário. O instituto é de Direito Civil, sendo apenas utilizado pelo Direito Tributário para construir a norma jurídica do IPTU.
PAULO DE BARROS CARVALHO41, ao enfatizar a inexistência de autonomia científica do Direito Tributário, observa que a adoção do instituto da propriedade, na previsão hipotética da regra-matriz do IPTU, é a comprovação de que:
"...o direito é uno, tecido por normas que falam do comportamento social, nos mais diferentes setores de atividade e distribuídas em vários escalões hierárquicos."
O fato jurídico tributário previsto no art. 32 se refere ao bem imóvel. Este conceito é estabelecido pelos arts. 79, 80 e 81 do atual Código Civil, tanto ao imóvel por natureza, como por acessão física.
O mesmo acontece com o usufruto e a posse "ad usucapionem". São institutos do Direito Civil. Estão no campo material de incidência do IPTU também o domínio útil e a posse com ânimo definitivo de ser dono. Essas são formas de exteriorização dos poderes inerentes ao domínio.
O domínio útil é do proprietário do imóvel. No usufruto, o proprietário destaca os direitos de usar e fruir da coisa em favor do usufrutuário (art. 1.394 do atual Código Civil), permanecendo consigo a nua propriedade.
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Na enfiteuse, ao senhorio direto, que é o proprietário, pertence o domínio eminente, e ao enfiteuta, ou foreiro, pertence o domínio útil, a posse direta do imóvel.
O instituto da enfiteuse sofreu modificação com o novo Código Civil:
"Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até a sua extinção, às disposições do Código Civil anterior..."
Desse modo, foi extinto o instituto da enfiteuse. Não há mais o arrendamento perpétuo de imóvel. A Lei nova respeita os direitos adquiridos, resultantes de contratos celebrados durante o anterior Código Civil.
Extinguindo-se a enfiteuse, o domínio útil resultante do contrato de enfiteuse deixou de ser hipótese de incidência tributária, a partir da vigência do novo Código Civil.
Embora permaneça o "domínio útil" como hipótese de incidência (art. 32 do Código Tributário Nacional), ele se refere exclusivamente aos contratos de enfiteuse celebrados no regime anterior e ao usufruto, que permanece como instituto jurídico na nova lei.
Quanto à posse, deve-se esclarecer que somente haverá subsunção da hipótese à norma, quando a posse for exercida "ad usucapionem", isto é, a posse exercida com a intenção de ser dono do imóvel. A mera posse, exercida pelo locatário, por exemplo, não entra no campo de incidência. O locatário não tem legitimidade para ação relacionada ao IPTU, nem pode ser tributado por
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esse imposto municipal. É a propriedade, e não a mera posse, que é tributada pela Carta Magna, no art. 156, inciso I e pelo Código Tributário Nacional (art. 32).
Como elucidam com clareza e precisão MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI e SACHA CALMON NAVARRO42, não é tributada a mera posse:
"...do locatário, do comodatário, do arrendatário do terreno urbano, do administrador clandestino ou precário (posse nova) etc. A posse prevista no Código Tributário como tributável, é a de pessoa que já é ou pode ser proprietário da coisa."
Desse modo, não estão previstos na hipótese de incidência do IPTU o mero possuidor e o detentor da propriedade imóvel.
Enfim, é o direito de propriedade, o domínio útil resultante do contrato de usufruto e a posse com animo de ser dono que constituem o critério material da hipótese de incidência do IPTU. Proprietário é o titular dos poderes elementares do domínio: usar, fruir e dispor da coisa, conforme estabelece o § 1º do art. 1.228 do Código Civil:
O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa.
4.1.2 - Espacial: Esse critério se refere ao local onde está situada a propriedade imóvel. Necessariamente, deverá estar localizada na zona urbana da cidade. Se o
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imóvel é edificado, o Imposto é o predial. Não edificado, a hipótese de incidência é do territorial urbano.
Primeiramente, há que se indagar qual é o ente competente para fixar os limites do perímetro urbano. Se o imóvel se localiza na zona urbana, o imposto é o IPTU, de competência do Município. Se está situado em zona rural, a incidência é do ITR, de competência da União.
Assim, em razão da competência de ambas as pessoas políticas, Município e União, qualquer delas poderia fixar o critério especial do IPTU e do ITR, respectivamente.
Há várias correntes que opinam quanto à fixação do critério espacial do IPTU e ITR. Uma delas é a que sustenta ser a destinação o melhor critério para distinguir ambas as competências. Se o imóvel é destinado a atividades como habitação, comércio, etc. a incidência é do IPTU; se tem por finalidade atividade rural, como plantio, pecuária, agricultura, o imposto devido será o ITR.
Entendemos que não é a destinação do imóvel que determina o critério espacial, e sim a sua localização. Não é a vontade do proprietário que decidirá se o imóvel deve ser tributado pelo ITR ou pelo IPTU.
Outra corrente doutrinária defende que caberia à lei complementar (art. 146) definir os limites que separam a zona urbana da zona rural. O Código Tributário Nacional (Lei complementar nº 5.172 de 1967) estabeleceu, no § 1º do art. 32:
"Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
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I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas fiuviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgoto sanitário;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado."
O que ocorre com a adoção de tal fundamento? A Lei Complementar está estabelecendo restrições à competência Municipal. A lei infraconstitucional está contrariando o perfil do tributo, traçado pela Carta Magna. Está restringindo a autorização...
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