Sobre a regra-matriz de incidência

AutorRobson Maia Lins
Páginas429-464
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3. SOBRE A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA
Por longos anos, os estudiosos do Direito Tributário se
dedicaram à elaboração de uma Teoria da Obrigação Tributá-
ria. Muito se falou sobre a relação jurídica tributária, seus su-
jeitos, o objeto, os vínculos obrigacionais etc. Toda a teoria se
desdobrava em torno dessa relação jurídica e as ponderações
doutrinárias, regra geral, não incluíam o antecedente norma-
tivo em suas considerações ou não priorizavam seu estudo.
Amílcar de Araujo Falcão, em 1964, na obra “Fato Gera-
dor da Obrigação Tributária”, deu início à chamada “Escola
da glorificação do fato gerador”, dando especial destaque ao
estudo da hipótese normativa. O saudoso jurista refletiu bem
o pensamento da época e em tom bastante criterioso demons-
trou sempre muita segurança ao tratar do tema. No entanto,
apesar do elevado grau de debate, o autor baiano adota con-
cepção monista, predominante naquele período, ao equiparar
a descrição normativa do fato que dá ensejo ao pagamento do
tributo e o acontecimento social que, no caso concreto, desen-
cadeia o nascimento da obrigação tributária.
Foi Geraldo Ataliba, em seu livro “Hipótese de Incidên-
cia Tributária”, que, lastreado na Teoria Geral do Direito e
na Teoria da Incidência Normativa, chamou a atenção para
a diferença entre a hipótese de incidência e o chamado fato
imponível. Superou, assim, não apenas a posição focada na
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ROBSON MAIA LINS
relação jurídica, mas também o uso da expressão “fato gera-
dor”, dada sua ambiguidade.
De fato, pela leitura dos arts. 4º, 16, 105, 113, §1º, 114 e 144
do CTN, fica claro que tal expressão sempre foi utilizada para
designar realidades distintas – ora a hipótese normativa, ora o
evento que, descrito em linguagem competente, desencadea-
rá a relação jurídica tributária.
Após tecer fundamentada crítica no que se refere à impre-
cisão que o mencionado vocábulo representa, Paulo de Barros
Carvalho passou a utilizar duas expressões distintas – hipótese
de incidência e fato jurídico tributário – para designar a pre-
visão abstrata do acontecimento que desencadeará a relação
jurídica (hipótese) e a descrição concreta desse acontecimento
numa norma individual e concreta (fato jurídico), distinguindo-
-os dos eventos que se encontram no mundo fenomênico e que
se esvaem no tempo carecendo de relato em linguagem.
Para facilitar o estudo destes institutos, os quais conside-
ra igualmente relevantes, Paulo de Barros Carvalho, de modo
inovador e revolucionário, cria, então, a norma- padrão de in-
cidência – denominada regra-matriz –, de modo a estruturar
o juízo condicional cujo antecedente (hipótese) prescreve um
fato de possível ocorrência que, uma vez certificado em lin-
guagem jurídica, implicará uma relação jurídica obrigacional
tributária, cujos elementos estarão adequadamente prescri-
tos no seu consequente.
3.1 Conceito de regra-matriz de incidência
A Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT) é um
esquema lógico que, privilegiando o aspecto sintático, pro-
cura demonstrar quais os elementos essenciais – por isso a
expressão “mínimo irredutível de manifestação do deôntico”
– para determinar o acontecimento que dá ensejo ao paga-
mento do tributo e em que condições tal pagamento deverá
ser realizado.
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CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Enquanto fórmula, ela auxilia o intérprete na compreen-
são do Direito, ordenando e articulando as porções do texto
prescritivo que instituem o tributo e possibilitando, ainda,
que a análise seja focada nos aspectos de maior importância
para o estudo do Direito Tributário.
Sua aplicação demonstra, claramente, a conexão entre a
teoria e a prática. Atualmente, são inúmeros os livros e artigos
científicos que possuem em seu título o nome “regra-matriz
de incidência”, pois seu vigor analítico aprofunda e auxilia a
compreender a complexa incidência tributária. Os tribunais
superiores, por sua vez, frequentemente a ela fazem referên-
cia, justamente em razão da sua aplicabilidade prática.
O esquema Lógico-Semântico da regra-matriz foi cons-
truído a partir da ideia de que as normas jurídicas se apresen-
tam, sempre, numa estrutura hipotético-condicional, compos-
ta por um antecedente e um consequente,287 onde o primeiro
estabelece os fatos do mundo da vida que são relevantes para
o direito e o segundo prescreve as consequências jurídicas
caso tais fatos se verifiquem.
Com efeito, as normas jurídicas, em sentido estrito, cor-
respondem a juízos condicionais que, basicamente, prescre-
vem que, se verificada uma situação do mundo da vida (ante-
cedente), então deve ser uma determinada consequência, que
é sempre uma relação jurídica (consequente).
A RMIT prescreve, em sua hipótese (ou antecedente),
qual a situação do mundo da vida que dará ensejo ao paga-
mento do tributo. É, portanto, uma norma abstrata, na medi-
da em que não faz referência a um fato já ocorrido, mas sim
traz as notas de uma situação que pode vir a ocorrer no futuro.
Seu consequente, por sua vez, traz as notas da relação
jurídica que irá se instaurar (dever-ser) caso ocorra um fato
que se enquadre nos critérios da hipótese. Novamente, o
287. Suposto e mandamento, hipótese e tese, prótase e apódose, pressuposto e esta-
tuição, descritor e prescritor.

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