Regulação do transporte individual de passageiros: um estudo sobre o caso Uber no Brasil / Regulation of individual passenger transport: a study on the Uber case in Brazil

AutorEduardo Helfer de Farias, Gabriel Rached
CargoGraduado em Economia pela UNESP. Mestre em Economia pela UNESP. Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. E-mail: gabrielrached2015@gmail.com - Graduado em Direito pela UFRJ. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. E-mail: eduardohelfer88@gmail.com
Páginas825-866
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.26922
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721 pp. 825-866 825
1
2
O aplicativo de celular conhecido como Uber se define como um intermediário entre
passageiros interessados em se deslocar pelos centros urbanos e proprietários de automóveis
interessados em oferecer transporte individual remunerado. Este aplicativo, originário de São
Francisco na Califórnia, acabou causando certa polêmica em todos os países em que atua por
estar supostamente envolvido com concorrência desleal em relação aos serviços de táxi os
quais possuem uma série de exigências legais para operar que não estão sendo exigidas na
mesma proporção dos motoristas parceiros do Uber. Este artigo se propõe a analisar a atuação
do Uber no Brasil a partir das primeiras experiências do aplicativo no país: Rio de Janeiro (2014),
São Paulo (2014), Belo Horizonte (2014) e Distrito Federal (2015), bem como as implicações
desta modalidade de serviço para a mobilidade urbana. Como referência para a discussão, serão
enfatizados os posicionamentos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação aos
principais pontos de discórdia:
i. a suposta captura regulatória dos Poderes Legislativo e Execut ivo pelos taxistas;
ii. a segurança pública;
iii. a proteção econômica do consumidor;
iv. os congestionamentos; e
v. a qualidade do serviço.
Por fim, considera-se que tanto a livre concorrência quanto a reserva de mercado no transporte
individual de passageiros possuem a mesma finalidade: promover o acesso universal à cidade.
Contudo, não seria prudente responder qual dos dois caminhos melhor atende a sua finalidade
sem estar associado a um estudo empírico sobre a real necessidade de transporte individual em
cada cidade específica.
-Mobilidade urbana no Brasil; Regulação do setor de transporte; Planejamento
de transporte urbano; Uber.
The mobile app known as Uber defines itself as an intermediary between passengers interested
in moving around in urban centers and car owners interested in offering paid individual
transportation. This application originally from San Francisco, California has caused some
controversy in all countries where it operates for allegedly being involved in unfair competition
over taxi services which have a number of legal requirements to operate that are not being
required in the same proportion from the drivers partners of Uber. This paper proposes to
analyze Uber’s performance in Brazil from the first experiences of the application in the
1 Graduado em Economia pela UNESP. Mestre em Economia pela UNESP. Doutor em Economia da
Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. E-mail: gabrielrached2015@gmail.com
2 Graduado em Direito pela UFRJ. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. E-mail:
eduardohelfer88@gmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.26922
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721 pp. 825-866 826
country: Rio de Janeiro (2014); São Paulo (2014); Belo Horizonte (2014); and Federal District
(2015), as well as implications of this modality of service for urban mobility. As a reference for
the discussion, will be considered the positions of the Executive, Legislative and Judiciary
authorities in relation to the main controversial points :
i. the supposed regulatory capture of the Legis lative and Executive by taxi drivers;
ii. the public security;
iii. the economic protection of the consumer;
iv. the traffic; and
v. the quality of the service.
Finally, it is considered that both, free market and market reserve for individual passenger
transport, have the same purpose: to promote universal access to the city. However, it would
not be appropriate to answer which of the two paths best serves its purpose without taking in
consideration an empirical study of the real need for individual transportation in each specific
city.
Urban mobility in Brazil; Transport section regulation; Urban transport planning;
Uber.
A mobilidade urbana é um tema de grande relevância e com alto grau de complexidade
quando se pensa no planejamento de uma grande metrópole. O caso brasileiro, ao qual se
refere este estudo, não é diferente.
Dentre os temas tratados pelos planejadores urbanos, destaca-se o transporte
individual de passageiros e as novas possibilidades que vieram a complementar as vias
tradicionalmente utilizadas. É neste cenário que se insere o Uber, empresa que iniciou suas
atividades em 2009 na Califórnia e atua no B rasil desde 2014.
Segundo o sítio oficial do Uber, a ideia para a fundação da empresa surgiu quando seus
fundadores Travis Kalanick e Garrett Camp tiveram dificuldades em conseguir um táxi em uma
tarde de neve em Paris. Nesta ocasião, eles teriam cogitado sobre como seria prático chamar
um carro com apenas o clicar de um botão. A partir de então, iniciou-se uma nova fase no
contexto da mobilidade urbana, na qual o aplicativo para carros pretos premium teria
começado a "mudar a malha logística de cidades em todo o mundo", oferecendo às pessoas
"aquilo que elas querem, quando querem"3.
3A história completa sobre a fundação da empresa pode ser lida em: UBER. Nosso histórico de viagem.
Disponível em: < https://www.uber.com/our-story/?_ga=1.200524654.1329263188.1471471750 >. Data
de acesso: 12/01/2017.
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.26922
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 3. ISSN 2317-7721 pp. 825-866 827
É exatamente no que se refere à proposta de "mudar a malha logística das cidades" que
um bom número de administrações municipais ao redor do mundo acabou não se sentindo
confortável, sobretudo em função de dois elementos. Em primeiro lugar, por que os municípios
geralmente têm interesse em promover o transporte coletivo sobre o individual, e o Uber
apresenta a tendência em certa medida de fazer o contrário. Em segundo lugar, pelo fato do
Uber apresentar resistência a se submeter à mesma legislação dos serviços de táxi locais,
arguindo que seriam um serviço de transporte privado, enquanto os táxis estariam associados
ao transporte público.
Por sua vez, os taxistas não se sentem nada à vontade com a chegada do Uber e
similares em suas cidades. Do seu ponto de vista, obter uma licença de táxi é um processo
custoso e não simples na maioria das cidades do mundo não raramente os taxistas precisam
arcar com uma série de exigências legais para operarem. Chega a ser natural que se sintam
desconfortáveis, dado que os motoristas parceiros do Uber oferecem o mesmo serviço tendo
que enfrentar uma burocracia significativamente menor.
Por outro lado, o Uber costuma ser muito bem recebido pelos consumidores, alguns
dos quais chegam a afirmar que não pretendem voltar a utilizar o serviço de táxi. A combinação
de pagamento em cartão de crédito com direito a pequenos mimos como carregador de
celular e água aliados à satisfação em viajar em um carro em bom estado; e, principalmente,
um preço inferior ao táxi em praticamente todos os cenários4 acabou conquistando um número
expressivo de adeptos.
No Brasil, apesar do aplicativo ter conseguido o feito de ser debatido simultaneamente
pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a discussão parece ainda estar longe de chegar
a um consenso. Na verdade, parece estar ocorrendo uma tendência de maior polarização, em
que se adotam posturas pouco transigentes a favor ou contra o Uber, similares aquelas que se
encontra em relação aos times de futebol.
Procurando contribuir para a solução deste impasse mas sem a pretensão de superar
o dinamismo presente no debateeste artigo pretende identificar as principais questões que
deveriam ser enfrentadas para se chegar a uma regulamentação dos aplicativos de "caronas
pagas" que esteja em consonância com o int eresse público à mobilidade urbana.
4 Foi feito um comparativo entre os preços de táxi e Uber nas cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Belo
Horizonte e Distrito Federal. Em quase todos os cenários o Uber apresenta um preço mais vantajoso para
o consumidor: HIGA, Paulo. Táxi ou Uber? Um comparativo dos preços de corridas em cinco cidades.
Disponível em: < https://tecnoblog.net/188610/taxi-ou-uber-preco-qual-mais-barato/ >. Data de acesso:
12/01/2017.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT