A regulamentação do trabalho intermitente: impactos para o trabalhador e para o mercado de trabalho

AutorMaria Cecília Alves Pinto
Páginas196-210
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MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS
PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO
Maria Cecília Alves Pinto(*)
(*) Desembargadora junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Doutora pela Universidad Pablo de Olavide, dentro do Programa de
Doutorado “Desarrollo y Ciudadanía: Derechos Humanos, Igualdad, Educación e Intervención Social”. e-mail: mcecilip@hotmail.com.
(1) O Ato Declaratório n. 22, de 24.04.2018, expedido pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional, fez saber que a Medida Provisória n. 808, de 14
de novembro de 2017, teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23 de abril do corrente ano, qual seja, de 2018. Em 26.06.2018, foi expedido o ofício
n. 338 (CN), subscrito pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional, pelo qual comunicou ao Sr. Presidente da Câmara dos Deputados o término do
prazo para edição de Decreto Legislativo, regulando as relações jurídicas decorrentes da MP n. 808/2017, cuja vigência encerrou-se no dia 23.04.2018,
o que faz com que incida o comando do § 11 do art. 62/CF, no sentido de que as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados na
vigência da MP sigam por ela regidas. Ofício disponível no site do Congresso Nacional, acesso em
?dm=7749193&ts=1530640171585&disposition=inline&ts=1530640171585> , acessado em 10.07.2018.
1. INTRODUÇÃO
A presente abordagem acerca do trabalho intermiten-
te, introduzido no direito do trabalho brasileiro pela Lei
n. 13.467, de 13.7.2017, responsável pela reforma traba-
lhista, posteriormente alterada pela Medida Provisória
(MP) n. 808, de 14.11.2017, tem como meta uma apro-
ximação teórica acerca desse instituto, mediante análise
da previsão jurídica ora instituída, buscando vislumbrar
os efeitos da sua aplicação para o trabalhador e também
para o mercado de trabalho.
Nesse ponto, é importante ressaltar que a MP n. 808/2017
teve vigência por curto período, ou seja, a partir de
14.11.2017 até 23.04.2018, tendo em vista que, a despeito
da previsão contida no art. 62/CF, não chegou sequer a ser
pautada para votação na Câmara dos Deputados e, tampou-
co, no Senado Federal. Dessa forma, descumprido o precei-
to contido no § 3º do dispositivo constitucional invocado,
tem-se que a sua não aprovação no prazo de 60 dias, prorro-
gado uma única vez por igual período, consoante previsão
do § 7º, art. 62/CF, a Medida Provisória n. 808 perdeu a sua
efi cácia, ressalvado o disposto nos § 11 do art. 62/CF.
E o § 11 do citado art. 62 prevê que “Não editado o
decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias
após a rejeição ou perda de efi cácia de medida provisória,
as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos
praticados durante a sua vigência conservar-se-ão por ela
regidas” (1). Essa situação não é tão simples no âmbito
do direito do trabalho que consagra o art. 468/CLT, pelo
qual só é válida “a alteração das respectivas condições,
por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que
não resultem direta ou indiretamente prejuízos ao tra-
balhador”.
Nessa linha de pensamento, tendo-se como norte o dis-
posto no art. 468/CLT e no art. 7º/CF, é possível concluir
que a lei nova restritiva de direitos é aplicável apenas aos
novos contratos, assim entendidos aqueles celebrados na
vigência da referida lei. Esse o entendimento explicitado
pelo C. TST no item III da Súmula n. 191, que afasta a
incidência da alteração legislativa (§1º do art. 193/CLT)
na base de cálculo do adicional de periculosidade, para os
empregados com contratos anteriores à referida mudança.
Ou seja, os contratos fi rmados na vigência da MP
n. 808/2017 serão por ela regidos no período da sua
vigência, mas, sempre que se projetarem para além do
marco fi nal de sua vigência, dia 23.04.2018, voltam a
ser regidos pelas disposições da Lei n. 13.467/2017,
nos aspectos que lhes forem mais favoráveis.
(CLT) passou a ter a seguinte redação, após a alteração
introduzida pela Lei n. 13.467/2017 (grifos acrescidos
no caput, bem como no § 3º):
O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita
ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo de-
terminado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho
intermitente.
§ 1º Considera-se como de prazo determinado o contrato de
trabalho cuja vigência dependa de termo prefi xado ou da exe-
cução de serviços especifi cados ou ainda da realização de certo
acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º O contrato por prazo determinado só será válido em se
tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifi que a pre-
determinação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
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§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho
no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é
contínua, ocorrendo com alternância de períodos de pres-
tação de serviços e de inatividade, determinados em horas,
dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do
empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, re-
gidos por legislação própria.
Antes, a legislação trabalhista apenas autorizava o
contrato de trabalho por prazo determinado ou indeter-
minado, sendo este a regra. Para o contrato de trabalho
por tempo determinado, foram descritas as hipóteses
restritas em que é admitido, o que ocorre apenas em se
tratando de serviço cuja natureza ou transitoriedade jus-
tifi que a predeterminação do prazo, nas atividades em-
presariais transitórias ou nos contratos de experiência.
Com a reforma trabalhista, foi previsto também o
contrato de trabalho intermitente, que pode ser fi rmado
independentemente da atividade do empregado e do em-
pregador, excluídos apenas os aeronautas que são regidos
por legislação própria. Nele, é possível a alternância de
períodos de prestação de serviços e de inatividade, fi xa-
dos por horas, dias ou meses, desaparecendo uma das
principais obrigações patronais, que é a de proporcionar
ao empregado o trabalho, para o qual foi contratado. Isso
ocorre porque, no contrato de trabalho intermitente, o
trabalhador é convocado para o trabalho em determina-
do número de horas, dias ou meses, cabendo-lhe acolher
ou não o chamado no prazo legal, estando supostamente
livre para exercer quaisquer outras atividades do seu inte-
resse, inclusive trabalhar para terceiros.
Importante anotar que a previsão do trabalho inter-
mitente pela legislação brasileira ocorreu no bojo da
denominada “reforma trabalhista”, aprovada em mo-
mento político conturbado, instaurado após o impea-
chment da presidente Dilma Roussef, o que vem sendo
apontado como verdadeiro golpe de Estado por inúme-
ros estudiosos. Naquele momento, o então vice-presi-
dente Michel Temer assumiu a presidência da República
e elegeu como prioritários dois grandes e nefastos pro-
jetos de governo, que atentam contra a classe trabalha-
dora: a reforma trabalhista e a reforma previdenciária.
Referido momento político, marcado por denúncias
de corrupção contra inúmeros deputados, senadores,
ministros de Estado e o próprio presidente da Repúbli-
ca, propiciou a aprovação da reforma trabalhista, sem
prévio debate com a sociedade. A reforma foi divulgada
pela grande mídia sob falsas premissas, dentre as quais
a de que seria a solução para o desemprego, criando-se
inúmeros novos postos de trabalho, além da veiculação
(2) Marilena Chauí afi rma que o signifi cado napoleônico do termo ideologia é conservado por Marx, para quem “o ideólogo é aquele que inverte as
relações entre as ideias e o real. Assim, a ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das ideias calcadas sobre
o próprio real, passa a designar, daí por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação real com o real.” A ideologia é vista como
conjunto de ideias que gera o mascaramento da realidade social, permitindo a legitimação da exploração e da dominação, fazendo com que o falso
seja tomado como verdadeiro e o justo pelo injusto. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 25. Antônio Carlos Wolkmer,
analisando a crítica em Marx, aduz que “a ‘crítica’ aparece no marxismo como o discurso revelador e desmistifi cador das ideologias ocultadas que
projetam os fenômenos de forma distorcida.” WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 4.
da ideia de que não haveria supressão de quaisquer dos
direitos conquistados pelos trabalhadores.
Pura ideologia(2) que mascarou a realidade por um
discurso dissociado da verdadeira intenção que foi
ocultada, pois a reforma, no seu conjunto, fl exibilizou
os direitos dos trabalhadores, destacando-se, dentre
diversos outros, os seguintes aspectos: 1) permitiu a
ampla e irrestrita terceirização de serviços, inclusive
nas atividades-fi m das empresas; 2) privilegiou a
prevalência do negociado sobre o legislado; 3) suprimiu
o pagamento das horas in itinere; 4) instituiu o contrato
de trabalho intermitente, em que o trabalhador não tem
a garantia ao trabalho e tampouco à percepção de um
salário mínimo ao fi nal do mês.
O retrocesso social imposto pela denominada refor-
ma trabalhista revela a importância de se retomar a lição
de Norberto Bobbio, segundo o qual os direitos huma-
nos não são conquistados todos de uma vez e tampouco
de uma vez por todas. Também é importante realçar a
concepção que Joaquín Herrera Flores apresenta dos di-
reitos humanos, como resultado, sempre provisório, das
lutas empreendidas pelos seres humanos para o acesso
aos bens necessários para viver.
A fl exibilização do direito do trabalho como con-
sequência da alteração das leis trabalhistas, com a su-
pressão de direitos conquistados em processos de lutas
sociais, revela ser premente e necessária a organização
dos trabalhadores, visando ao desenvolvimento de es-
tratégias para a construção de espaços de insurgência, a
transformação da realidade e a criação de outra raciona-
lidade econômica, em que seja conferida centralidade à
vida, em que o ser humano e a natureza assumam posi-
ção de destaque. Tudo isso para a retomada dos direitos
ora suprimidos e para a conquista de outros, objetivan-
do conferir condições de vida digna aos trabalhadores
e suas famílias.
O objetivo do presente trabalho é, assim, a apreensão
do conteúdo do novo instituto, qual seja, o contrato de
trabalho intermitente, desvendando os contextos que le-
varam à sua adoção, buscando identifi car os prováveis e
correspondentes impactos para os trabalhadores e para
o mercado de trabalho.
2. A EXPERIÊNCIA DO TRABALHO INTERMITENTE EM OUTROS
PAÍSES
A Lei n. 13.467/2017, por meio da qual foi concre-
tizada a reforma trabalhista, como visto acima, alterou
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o art. 443/CLT, introduzindo na legislação brasileira o
denominado contrato de trabalho intermitente, “no
qual a prestação de serviços, com subordinação, não é
contínua, ocorrendo com alternância de períodos de
prestação de serviços e de inatividade, determinados em
horas, dias ou meses”. Referido contrato independe do
tipo de atividade do empregado e do empregador, sendo
vedada a sua celebração apenas para os aeronautas, que
são regidos por legislação própria.
Essa modalidade contratual encontra previsão na le-
gislação estrangeira, podendo ser citada, dentre outros,
a escala just in time no direito americano ou o denomi-
nado zero hour contract no direito inglês e também o
contrato de trabalho intermitente previsto no direito
português, utilizada a mesma terminologia adotada na
legislação brasileira, ora em estudo.
Sobre o contrato de trabalho intermitente, Ivander-
son Baldanza Dias Junior afi rma que houve verdadeira
importação do modelo adotado pelos Estados Unidos
sob o título de escala just in time, em que o trabalho
é convocado sob demanda. Invocando as constatações
de Robert Reich, ex-secretário do trabalho no governo
de Bill Clinton, o autor aponta que o modelo aumen-
ta a efi ciência empresarial, mas afasta a segurança das
famílias dos trabalhadores, diante da imprevisibilidade
do trabalho, sujeito a escala irregular, não contando
com qualquer garantia de convocação, o que implica em
compartilhamento dos riscos do empreendimento, pois,
havendo demanda, o trabalhador será convocado para o
trabalho e, caso não haja, não será convocado. Ou seja,
o empregado não pode contar com o salário para a sua
manutenção, pois poderá haver semanas ou meses em
que não será chamado a trabalhar. E, sem horas de tra-
balho, não há direito a pagamento algum(3).
Flávio da Costa Higa afi rma que o protótipo brasilei-
ro “baseia-se no ‘zero-hour contract’ do direito inglês”,
apontando como principal característica do instituto,
previsto no art. 27-A do Employment Rights Act 1996, a
ausência de “garantia de prestação de serviços e de re-
cebimento de salário”. Segundo o autor, a “doutrina es-
trangeira, aliás, acusa o ‘zero-hour contract’ de ser apenas
um rótulo para mascarar o crescimento da precarização”
e acrescenta:
A experiência britânica demonstra que a nossa in-
quietude não é em vão. O texto nacional não previ-
ne a migração de trabalhadores com contratos por
(3) DIAS JÚNIOR, Ivanderson Baldanza. Trabalho intermitente na reforma trabalhista. Disponível em: <http://www.coutodecarvalho.com/2017/05/
trabalho-intermitente-na-reforma-trabalhista/>. Acesso em: 15 jul. 2017.
(4) HIGA, Flávio da Costa. Reforma trabalhista e contrato de trabalho intermitente. Disponível em: .com.br/2017-jun-08/fl avio-higa-
reforma-trabalhista-contrato-trabalho-intermitente>. Acesso em: 15 jul. 2017.
(5) MARTINS, André Almeida. O trabalho intermitente como instrumento de fl exibilização da relação laboral: o regime do Código de Trabalho de 2009.
Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2017.
(6) HIGA, Flávio da Costa. Op. cit.
(7) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018, 17. ed., p. 668.
prazo indeterminado para o trabalho intermitente,
o que seria importante, pois o The Guardian, em
2013, revelou que 90% dos empregados ingleses
do McDonald’s trabalhavam sob “zero-hour con-
tract.(4)
Em Portugal, o Código do Trabalho de 2009 (Lei
n. 7/2009) previu, nos arts. 157 a 160, a modalidade
de contrato de trabalho intermitente. Para André Al-
meida Martins:
Esta fi gura contratual, conhecida, estudada e con-
sagrada legalmente em vários países da Europa
com ordenamentos jurídicos próximos do nosso,
traduz-se, sobretudo, como veremos numa das
submodalidades agora consagradas, o designado
trabalho à chamada, “numa das mais fl exíveis for-
mas de emprego” que o Direito do Trabalho co-
nhece.(5)
As graves consequências do trabalho intermitente já
foram percebidas na Nova Zelândia, que baniu esse ins-
tituto pelo fato de não benefi ciar aos trabalhadores, fato
ocorrido a partir da “aprovação do Employment Relations
Amendment Act 2016”, que determinou: “os contratos de
trabalho têm de especifi car o mínimo de horas, os dias e
os horários de trabalho”(6).
Essa rápida análise acerca do trabalho intermitente e
respectiva regulamentação em outros países permite an-
tever as graves consequências dessa modalidade contra-
tual para o trabalhador brasileiro, que terá um contrato
anotado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS), sem garantia alguma de trabalho, o que depen-
derá do interesse patronal e respectivas convocações. Em
decorrência, não terá também qualquer garantia à percep-
ção de salário, pois naqueles meses em que não trabalhar,
nada receberá. No aspecto, Mauricio Godinho Delgado
inscreve o contrato de trabalho intermitente dentre as
mais disruptivas inovações da reforma trabalhista, que
afastou ou restringiu diversas das proteções, vantagens e
garantias estruturadas pelo Direito do Trabalho em prol
do trabalhador, apontando a “profunda insegurança quer
quanto à efetiva duração do trabalho, quer quanto à sua
remuneração” (7).
Segundo Rodrigo Soares Chagas, o contrato de traba-
lho intermitente impõe ao trabalhador a transferência
dos riscos da atividade patronal, em detrimento do que
dispõe o art. 2º da CLT, que atribui ao empregador a sua
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO199
assunção(8). Isso porque o fato de a empresa ter ou não
demanda por trabalho, ao menos a princípio, não deve-
ria impactar o contrato laboral, deixando o trabalhador
em regime de inação não remunerada, como previsto no
§ 3º do art. 443/CLT, em análise.
Nessa linha de raciocínio importa buscar compreen-
der o contrato de trabalho intermitente e seus impactos
para os trabalhadores e para o mercado de trabalho.
3. O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTO PARA
OS TRABALHADORES E PARA O MERCADO DE TRABALHO
Como já anotado acima, o contrato de trabalho inter-
mitente foi introduzido na legislação trabalhista brasi-
leira no bojo da reforma trabalhista.
Trata-se de contrato de trabalho que consagra a su-
pressão da mais importante garantia para o trabalhador,
que é aquela concernente ao cumprimento de uma re-
gular jornada de trabalho, com o correspondente paga-
mento de salário ao fi nal do mês. Isso signifi ca dizer que
o trabalhador vinculado ao contrato intermitente deixa
de ter a garantia da oferta regular de trabalho, bem como
ao salário correspondente, uma vez que poderá ocorrer
de não ser convocado para o trabalho sequer uma única
vez em dado mês, quando nada receberá.
Nessa nova modalidade de contratação, o laboris-
ta será excluído das estatísticas do desemprego, o que
pode corroborar o discurso governamental no que diz
respeito à criação de novos postos de trabalho, mas a sua
condição assemelhar-se-á à do desempregado, pois os
chamados para o trabalho serão parecidos com os atuais
“bicos”, a que se sujeitam aqueles que não acessam o
mercado formal de trabalho por via do emprego. E no
mais das vezes não terá acesso ao seguro-desemprego,
pois não haverá qualquer interesse patronal na dispen-
(8) SOARES, Rodrigo Chagas. Caminhando da jornada móvel e variável para o trabalho intermitente. Revista Magister de Direito do Trabalho, ano IX,
n. 54, p. 101/115.
(9) Acerca do trabalho eventual, constou de artigo anterior escrito por essa magistrada que: “Em síntese, partindo da análise das teses doutrinárias
acima citadas, é possível extrair a necessidade do cotejo da teoria dos fi ns da empresa e a da fi xação jurídica, para aferição do elemento fático-jurídico
da não eventualidade, com vistas a identifi car a existência ou não de vínculo de emprego em dado caso concreto. Não se pode olvidar que sendo
o trabalhador contratado para atuar em atividades ligadas aos fi ns normais da empresa, a regra geral é no sentido de a vinculação ser de índole
empregatícia, embora possa ser fi rmada sob a regência jurídica peculiar dos contratos por tempo determinado, tal como previsto no art. 443/CLT ou por
meio do trabalho temporário, regido pela Lei n. 6.019/74. Assim, a teoria do evento, tal como apresentada por Godinho Delgado, tende a ser mitigada,
sendo insufi ciente para afastar a natureza empregatícia da relação de trabalho havida, na modalidade do contrato de trabalho por tempo determinado.
Da mesma forma que ocorreu com o requisito da subordinação para a identifi cação do vínculo de emprego, que em determinado momento teve o seu
conceito elastecido, por meio de releitura da doutrina e da jurisprudência, em relação ao conceito de não eventualidade do trabalho prestado por pessoa
física, devem ser, igualmente, ampliadas as hipóteses de sua ocorrência, restringindo-se, como consequência, a noção do que seja o trabalho eventual.
Como a CLT insere dentre os elementos imprescindíveis para a identifi cação do “empregado”, aquele atinente à não eventualidade dos serviços
prestados, torna-se relevante a análise conjugada das teorias dos fi ns da empresa com a da fi xação jurídica, sem olvidar dos demais elementos apontados
pelo Professor Ribeiro de Vilhena. Ou seja, será não eventual o trabalho oneroso prestado por pessoa física, em regime de subordinação jurídica, desde
que desenvolvido em prol de outrem, uma pessoa física ou jurídica determinada (teoria da fi xação jurídica), inserindo-se também no padrão dos fi ns
normais do empreendimento. Dentro dessa ótica, serão eventuais, por exclusão, as atividades remanescentes, ou seja, aquelas que não se encaixarem
nessa delimitação. Assim, será não eventual, para fi ns de reconhecimento do vínculo de emprego, o trabalho prestado em prol de uma determinada
empresa e que esteja inserido dentro dos seus fi ns normais, restando ao intérprete do direito perquirir também, como parece óbvio, acerca da presença,
ou não, dos demais requisitos ditados pelos arts. 2º e 3º/CLT.” ALVES PINTO, Maria Cecília. As novas ferramentas tecnológicas de gestão de mão de obra
e a necessária releitura do elemento fático-jurídico da não eventualidade na relação de emprego. Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano:
a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais / LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno
Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). São Paulo: LTr, 2017. p. 201.
sa imotivada desse empregado, na medida em que basta
não mais convocá-lo ao trabalho, a nada se obrigando
em termos de parcelas trabalhistas.
Veja-se que, com a perda de efi cácia da MP 808, não
mais subsiste o disposto no art. 452-D, que previa a res-
cisão de pleno direito do contrato intermitente após o de-
curso de um ano sem qualquer convocação do empregado
pelo empregador. Ou seja, o contrato segue vigente, pouco
importando o lapso temporal sem prestação de trabalho.
Também a situação prevista no § 2º do art. 452-E/CLT,
que expressamente excluía o direito do trabalhador inter-
mitente à percepção do seguro-desemprego, somente pre-
valecerá para aqueles pouquíssimos contratos iniciados e
rescindidos na vigência da MP.
Importa a seguir fazer um estudo comparativo entre
o trabalho eventual e o trabalho intermitente, buscan-
do perceber as diferenças entre essas duas modalidades
contratuais, além de avaliar a real necessidade de o con-
trato de trabalho intermitente ser escrito e quais são os
patamares salariais devidos ao trabalhador. Também é
preciso tentar entender a fi gura da convocação do traba-
lhador para a prestação de serviços, o que decorre da au-
sência de uma jornada contratual de trabalho e, ao fi nal,
fazer uma breve análise acerca das verbas asseguradas ao
laborista nesse novo modelo contratual.
3.1. TRABALHO EVENTUAL X TRABALHO INTERMITENTE
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, em artigo pu-
blicado no ano de 2008, ou seja, bem antes da edição
da Lei n. 13.467/2017, o trabalho intermitente difere do
trabalho eventual(9). Para ele:
A diferença reside no caráter cíclico continuado
do trabalho intermitente com intervalos entre o
m de um e o início de outro ciclo de atividade
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MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
para a mesma fonte. Pode-se dizer que no caso do
eventual, como está no nome, o trabalho é para
um evento de curta duração e no trabalho inter-
mitente há um retorno constante intervalado com
ausências de duração expressiva.(10)
No direito brasileiro, partindo da previsão contida no
art. 3º/CLT, o contrato de trabalho estabelece-se sempre
que presentes os requisitos correspondentes à pessoali-
dade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
Para Alice Monteiro de Barros e Jessé Cláudio Franco
de Alencar, a relação de emprego constitui espécie da
relação de trabalho, sendo ambas modalidades de rela-
ção jurídica, que é pautada pela atribuição de direitos e
deveres a cada uma das partes, pressupondo a existência
de duas pessoas e de uma norma qualifi cadora dessa re-
lação jurídica.(11) Para os referidos autores:
Os principais elementos da relação de emprego
gerada pelo contrato de trabalho são: a) a pes-
soalidade, ou seja, um dos sujeitos (o emprega-
do) tem o dever jurídico de prestar os serviços
em favor de outrem pessoalmente; b) a nature-
za não eventual do serviço, isto é, ele deverá ser
necessário à atividade normal do empregador; c)
a remuneração do trabalho a ser executado pelo
empregado; d) fi nalmente, a subordinação jurídi-
ca da prestação de serviços ao empregador.(12)
Conjugando a teoria de Amauri Mascaro com a de
Alice Monteiro e Jessé Alencar, verifi ca-se que a prin-
cipal distinção entre o trabalho eventual e o trabalho
intermitente é que a eventualidade do trabalho afasta a
confi guração do vínculo empregatício, já que o art. 3º
da CLT registra a não eventualidade como requisito do
contrato de emprego.
Por outro lado, o trabalho intermitente, por força
de lei, constitui forma excepcional de típico contrato
de emprego, caracterizado pela presença dos requisitos
enumerados no art. 3º do diploma consolidado, ou seja,
pela pessoalidade, onerosidade e subordinação jurídi-
ca. No que diz respeito à não eventualidade, a própria
lei cuidou de esclarecer que a existência de lapsos tem-
porais sem trabalho não descaracteriza a subordinação
jurídica no contrato de trabalho intermitente, pouco
importando sequer que alguns desses lapsos sem trabalho
decorram da recusa da convocação por parte do traba-
lhador e outros da própria ausência de convocação pelo
empregador.
Acerca da não eventualidade, Flávio da Costa Higa vê,
com razão, uma antinomia entre o disposto no art. 3º/CLT,
(10) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A tutela trabalhista além da relação de emprego no Brasil. Revista de Direito do Trabalho, v. 129/2008, p. 369-376,
jan./mar. 2008.
(11) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2016. p. 147.
(12) Idem.
(13) HIGA, Flávio da Costa. Op. cit.
que seguiu inalterado quanto à necessidade de prestação
habitual de serviços e o contrato de trabalho intermitente.
Segundo ele:
O contrato de trabalho intermitente abala os ali-
cerces do Direito do Trabalho em vários aspectos.
O primeiro advém do fato de os arts. 443, § 3º e
452-A obliterarem a habitualidade como elemen-
to da relação de emprego. Isso porque “indepen-
dentemente da pessoalidade ou da subordinação,
aquele que presta serviços em caráter eventual não
é empregado. É, na realidade, por oposição à de-
nição legal, um trabalhador eventual.” Todavia,
o texto coloca o trabalhador intermitente numa
posição ontológica de imprevisibilidade, mas man-
tém a essência da relação de emprego, sem alterar
a redação do art. 3º da CLT. Concebe, assim, uma
antinomia, porquanto ninguém pode “ser e não
ser” ao mesmo tempo.(13)
Por força da nova regulamentação, há o estabeleci-
mento de autêntico vínculo empregatício quando a
contratação envolver o trabalho intermitente, fato que
decorre da sua inserção no bojo do art. 443/CLT, inicial-
mente restrito ao contrato de trabalho por tempo deter-
minado, somado ao disposto no art. 452-A/CLT, quanto
ao rol de direitos associados a esse contrato e o fato de
haver previsão expressa, pelo § 3º deste último disposi-
tivo legal, no sentido de que a recusa do trabalhador à
convocação para a prestação de serviços “não descarac-
teriza a subordinação para fi ns do contrato de trabalho
intermitente”.
Dessa forma, a par da necessidade de o contrato de tra-
balho intermitente ser celebrado por escrito, anota-se a
obrigação patronal de seu registro na CTPS do trabalha-
dor, nos moldes previstos no art. 29 e seguintes da CLT,
circunstância expressamente anotada também no caput
do art. 452-A/CLT.
Importante registrar ainda que os contratos intermiten-
tes somente poderão ser celebrados para novos vínculos
empregatícios, estando os trabalhadores contratados sob
a égide da legislação trabalhista anterior protegidos contra
as alterações contratuais in pejus, por força do que dispõe
o art. 468/CLT, cujo caput segue vigente mesmo após a
reforma trabalhista. Referido dispositivo legal, como vis-
to acima, reputa ilícita qualquer alteração das condições
de trabalho, desde que resultem, direta ou indiretamente,
prejuízos ao empregado, pouco importando nessa hipóte-
se o mútuo consentimento, pois qualquer alteração con-
tratual lesiva é cominada de nulidade.
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO201
Nem se cogite, tampouco, de uma possível rescisão
contratual, para que possa ser celebrado em seguida
novo contrato, na modalidade intermitente. É que tam-
bém esse ato pode ser declarado fraudulento, por força
do disposto no art. 9º/CLT, cuja redação não foi alterada
pela reforma trabalhista, e que reputa nulos os atos pra-
ticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar
a aplicação dos preceitos contidos na CLT.
Ou seja, qualquer intento patronal de converter os
atuais contratos por tempo indeterminado em contratos
intermitentes encontra impeditivo na legislação traba-
lhista, pois esses trazem um conjunto de direitos muito
inferior ao assegurado pela CLT aos trabalhadores. Nes-
se sentido, caso levada a efeito essa alteração contratual
lesiva, poderá ser ela reputada nula, por força do que
dispõem os arts. 9º e 468/CLT.
Vedação nesse sentido foi parcialmente explicitada
pelo art. 452-G/CLT, introduzido pela MP n. 808/2017,
que vedou, até 31.12.2020, a contratação pelo mesmo
empregador de trabalhador sujeito a contrato de traba-
lho indeterminado, e que tenha sido dispensado, como
trabalhador intermitente, pelo prazo de 18 meses, con-
tado da rescisão contratual. Perdendo efi cácia a Medida
Provisória, igualmente fi ca sem valor o marco temporal
nela fi xado, cabendo à Justiça do Trabalho, na análise
de cada caso concreto, decidir pela presença ou não de
fraude.
E, como acima anotado, estando em vigor os arts. 9º
e 468/CLT, a dispensa do empregado e sua recontratação
por meio de contrato de trabalho intermitente, em curto
ou mesmo em médio período de tempo, poderá ser con-
siderada como fraude a direito do trabalhador.
Importa agora investigar a redação do caput do
art. 452-A/CLT, no que diz respeito à necessidade de
celebração de contrato de trabalho escrito e também
o seu inciso II combinado com o § 12, quanto aos
patamares salariais assegurados ao trabalhador inter-
mitente.
3.2. NECESSIDADE DE CONTRATO DE TRABALHO ESCRITO
E PATAMARES SALARIAIS DEVIDOS AO TRABALHADOR
INTERMITENTE
Além das alterações introduzidas no art. 443/CLT acerca
do contrato de trabalho intermitente, a Lei n. 13.467/2017
introduziu também o art. 452-A na CLT. Referido disposi-
tivo legal assim dispôs no seu caput:
O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por
escrito e deve conter especifi camente o valor da hora de tra-
balho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário
mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabe-
lecimento que exerçam a mesma função em contrato intermi-
tente ou não.
A MP n. 808/2017 alterou essa redação, introduzindo os inci-
sos I, II e III, da seguinte forma:
I – identifi cação, assinatura e domicílio ou sede das partes;
II – valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser
inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegu-
rada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno
e observado o disposto no § 12; e
III – o local e o prazo para o pagamento da remuneração.
Os requisitos que foram introduzidos pela MP, no
que se referem à identifi cação, assinatura e domicílio
das partes, constituem requisito de qualquer contrato.
O mesmo se diga quanto ao local e prazo para o paga-
mento da remuneração, o que, via de regra, também é
acordado nos demais contratos de trabalho. De qualquer
forma, a ausência de estipulação nesses aspectos resul-
taria na aplicação automática da legislação de regência,
como sempre ocorreu no âmbito do direito do trabalho.
Já no que diz respeito aos patamares remuneratórios, a
previsão contida no inciso II segue presente no caput da
redação original do artigo.
Por se tratar de modalidade de contratação excepcio-
nal, o trabalho intermitente deve ser ajustado por escri-
to, eis que a regra é a celebração do contrato de trabalho
indeterminado, em que o empregador assume os riscos
da atividade econômica (art. 2º/CLT), garantindo ao
trabalhador a oferta de trabalho e salário previamente
pactuados (art. 3º/CLT), responsabilizando-se pelo pa-
gamento também do tempo à sua disposição tal como
previsto no art. 4º/CLT.
Dessa forma, a existência de contrato formal e escrito
constitui essência do contrato de trabalho intermitente,
não se admitindo a contratação tácita ou verbal. Inexis-
tindo instrumento escrito, não há cogitar de contrato de
trabalho intermitente, razão pela qual o ajuste havido
entre as partes subsumir-se-á à regra geral, que é o con-
trato de trabalho por tempo indeterminado.
O disposto no § 12 do art. 452-A/CLT, com a redação
atribuída pela MP n. 808, e que garantia a percepção do
mesmo salário pago aos demais empregados do estabe-
lecimento, que exerçam a mesma função em contrato
intermitente ou não, segue assegurado pelo caput do ar-
tigo, na redação original.
Assim, foi garantido ao trabalhador intermitente o
pagamento mínimo pela hora trabalhada equivalente ao
valor horário do salário mínimo, não podendo a remu-
neração ser inferior ao montante devido aos demais em-
pregados que na empresa exerçam a mesma função, seja
ou não na condição de trabalhador intermitente.
O fato de a MP haver suprimido a expressão anotada
no caput do art. 452-A, no sentido de que pouco importa
o fato de os empregados paradigmas estarem sujeitos,
ou não, a trabalho intermitente, a meu ver não poderá
impedir o acesso do trabalhador intermitente contrata-
do e dispensado na vigência do referido instrumento, ao
montante salarial auferido pelos demais trabalhadores
202
MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
na empresa, desde que exerçam a mesma função, pouco
importando sua contratação na modalidade de contrato
por tempo indeterminado.
A isonomia ou equiparação salarial ditada pelo
art. 461/CLT(14) assegura igual salário para trabalho
de igual valor, desde que idêntica a função e prestado
o labor ao mesmo empregador, na mesma localida-
de, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
Após a reforma trabalhista, outros requisitos para a
equiparação salarial foram adicionados, como, por
exemplo, o trabalho no mesmo estabelecimento e a
ausência de tempo superior a 4 anos em prol do em-
pregador, em qualquer função, dentre outros.
Como visto acima, o art. 452-A/CLT garantiu ao tra-
balhador intermitente a percepção do salário devido aos
demais empregados do estabelecimento que exerçam a
mesma função, criando nova hipótese de isonomia sala-
rial fora da previsão ditada pelo art. 461/CLT.
Referido dispositivo legal, qual seja, o art. 452-A/CLT,
não previu as excludentes do direito à isonomia, concer-
nentes à diferença de tempo do paradigma em prol do
mesmo empregador superior a 4 anos e na função supe-
rior a 2 anos, ou de a empresa ter pessoal organizado em
quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna
ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários.
Por se tratar de regulamentação extraordinária, refe-
rente a contrato de trabalho excepcional para o direito
do trabalho, tem-se assegurado ao trabalhador intermi-
tente que o valor previsto no caput do art. 452-A/CLT
não será inferior àquele devido aos demais emprega-
dos do estabelecimento que exercerem a mesma fun-
ção, como intermitente ou não, independentemente do
preenchimento dos requisitos ditados pelo art. 461/CLT.
Segundo Souto Maior, o art. 452-A/CLT não garan-
te ao trabalhador sequer a percepção do salário mínimo
mensal, mas tão somente o salário mínimo correspon-
dente à hora de trabalho, o que acaba por aniquilar “a
necessária estabilidade econômica que os trabalhadores
precisam ter enquanto seres humanos e também como
(14) Também o art. 461/CLT foi alterado pela Lei n. 13.467/2017, sendo que apenas o § 4º conservou na íntegra a redação original. Transcreve-se a
seguir a novel redação do art. 461/CLT:
Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual
salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
§ 1º Trabalho de igual valor, para os fi ns deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja
diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.
§ 2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma
interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.
§ 3º No caso do § 2º deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de
cada categoria profi ssional.
§ 4º O trabalhador readaptado em nova função por motivo de defi ciência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não
servirá de paradigma para fi ns de equiparação salarial.
§ 5º A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, fi cando vedada a indicação de paradigmas
remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.
§ 6º No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa,
em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”
(15) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Os 201 ataques da “reforma” aos trabalhadores. Disponível em:
da-reforma-aos-trabalhadores>. Acesso em: 15 ago. 2017.
consumidores”, além de essa modalidade de contratação
“favorecer a transposição de trabalhadores efetivos para
a condição de intermitentes, com aumento da precariza-
ção, do sofrimento e da fragmentação da classe trabalha-
dora”(15). E acrescenta:
A proposta gera subempregabilidade e impossibi-
lita que o trabalhador atinja o tempo mínimo de
contribuição para conseguir se aposentar. Além
disso, aumentando a insegurança e o sofrimento,
potencializa as causas de doenças profi ssionais,
provocando custos sociais de diversas naturezas,
que incluem até mesmo os desajustes familiares.
A prática de pagar apenas pelas horas trabalhadas
era o que ocorria antes das legislações trabalhistas
serem aprovadas. Portanto, em vez de moderniza-
ção o que se propõe é o retorno à lógica do sé-
culo XVIII. Há evidente precarização do trabalho,
exigindo do trabalhador que se vincule a dois ou
mais empregadores e que permaneça à disposição,
impedido de organizar sua vida, fazer cursos de
aperfeiçoamento, programar viagens, etc. A afi r-
mação de que o trabalho intermitente permitirá “a
absorção pelo mercado de trabalho dos milhões de
brasileiros que integram as estatísticas ofi ciais do
desemprego, do subemprego e dos que desistiram
de procurar por um emprego, após anos de busca
infrutífera por uma ocupação no mercado” é men-
tirosa e mesmo pueril. É evidente que a possibili-
dade de transformação de contratos minimamente
estáveis em contratos intermitentes não aumentará
postos de trabalho. O reconhecimento do contra-
to a prazo indeterminado, com o pagamento dos
repousos semanais, como a regra na relação entre
capital e trabalho foi resultado de intensa luta dos
trabalhadores e é exatamente isso que a reforma
pretende atacar ao estabelecer a possibilidade de
contrato intermitente. Mudam os nomes, mas a
lógica é a mesma que provocou a revolta dos tra-
balhadores e que determinou o reconhecimento da
necessidade do próprio sistema, de conferir certa
segurança aos trabalhadores, inclusive para viabi-
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO203
lizar o consumo. Afronta a inteligência de quem
lida diariamente com o Direito do Trabalho, e espe-
cialmente da classe trabalhadora, pretender retirar
direitos ao argumento de que há uma preocupação
em gerar postos de trabalho.(16)
Nessa linha de raciocínio, não haverá criação de no-
vos postos de trabalho, como anunciado pelo governo,
mas sim a precarização daqueles existentes atualmente,
sendo importante a análise já empreendida, acerca dos
limites impostos pela legislação trabalhista no que diz
respeito às alterações contratuais in pejus, dentre elas a
transformação dos atuais contratos por tempo indeter-
minado em contratos de trabalho intermitente. Entre-
tanto, o empregador, descompromissado com a função
social da empresa e que optar pela utilização do trabalho
intermitente, poderá fazê-lo relativamente a novos em-
pregados, sendo certo que o uso dessa estratégia poderá
resultar na dispensa paulatina ou mesmo massiva dos
atuais trabalhadores a ele vinculados, o que certamente
provocará importante dano de ordem social.
Na sequência será examinada a fi gura jurídica da con-
vocação do trabalhador para a prestação de serviços e a
ausência do direito a uma jornada de trabalho regular.
3.3. A CONVOCAÇÃO DO TRABALHADOR PARA A PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS: AUSÊNCIA DE UMA JORNADA CONTRATUAL DE
TRABALHO
Os §§ 1º a 5º do art. 452-A/CLT dizem respeito à
convocação do trabalhador para a prestação de serviços,
tendo a seguinte redação:
§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comuni-
cação efi caz, para a prestação de serviços, informando qual será
a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um
dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silên-
cio, a recusa.
§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para
ns do contrato de trabalho intermitente.
§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a par-
te que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no
prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da
remuneração que seria devida, permitida a compensação em
igual prazo.
§ 5º O período de inatividade não será considerado tempo à
disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar ser-
viços a outros contratantes.
Pela previsão da MP n. 880/2017, foram suprimidos
os §§ 4º e 5º, sendo que o § 2º do art. 452-A/CLT passou
a ter seguinte redação:
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vin-
te e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no
silêncio, a recusa.
(16) Idem.
(17) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 973.
(18) Idem.
Esse prazo de 24 horas terá aplicação apenas para os
atos praticados na vigência da MP n. 808/2017, sendo
que depois volta o regramento atinente ao prazo de um
dia útil, na redação original da Lei n. 13.467/2017.
Acerca da jornada de trabalho, Mauricio Godinho
Delgado afi rma que é o “lapso temporal diário em que
o empregado se coloca à disposição do empregador em
virtude do respectivo contrato”, constituindo a medida
principal do tempo que o empregado disponibiliza ao
seu patrão como resultado do cumprimento do contrato
de trabalho que os vincula.(17) E acrescenta que:
A jornada mede a principal obrigação do empre-
gado no contrato — o tempo de prestação de tra-
balho ou, pelo menos, de disponibilidade perante
o empregador. Por ela, mensura-se, também, em
princípio, objetivamente, a extensão de transfe-
rência de força de trabalho em favor do emprega-
dor no contexto de uma relação empregatícia. É
a jornada, portanto, ao mesmo tempo, a medida
da principal obrigação obreira (prestação de servi-
ços) e a medida da principal vantagem empresarial
(apropriação de serviços pactuados). Daí sua gran-
de relevância no cotidiano trabalhista e no conjun-
to das regras inerentes ao Direito do Trabalho.(18)
Os §§ 1º ao 5º do art. 452-A/CLT introduzem uma
ruptura no regramento do contrato de trabalho, no per-
tinente ao estabelecimento prévio de uma jornada de
trabalho, qual seja, na defi nição da quantidade de tem-
po diário que o empregado irá disponibilizar em prol do
seu empregador. No contrato de trabalho intermitente,
não há pactuação de jornada, pois a oferta de trabalho
ca condicionada ao interesse e à necessidade patronal,
a quem caberá convocar o empregado para a prestação
de serviços.
A grande consequência dessa alteração legislativa é
o impacto gerado no valor do salário, pois, a par de o
trabalhador não se obrigar ao cumprimento de uma jor-
nada, também não lhe é assegurada a percepção de qual-
quer montante salarial, sendo pago tão somente pelas
horas trabalhadas, o que, na maioria das hipóteses, será
insufi ciente para atender às necessidades vitais, próprias
e de sua família, com alimentação, moradia, lazer e ou-
tros, tal como previsto no inciso IV do art. 7º da Consti-
tuição da República (CR).
A garantia salarial atribuída ao trabalhador intermi-
tente corresponde ao salário mínimo fi xado para cada
hora trabalhada, respeitado sempre o montante pago aos
demais empregados que, no estabelecimento, exerçam a
mesma função, como já visto.
204
MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
Na regência do contrato de trabalho intermitente,
cabe ao empregador convocar o trabalhador, por qual-
quer meio de comunicação efi caz, para a prestação de
serviços, informando qual será a jornada. Referida con-
vocação deverá ser efetuada com, pelo menos, três dias
corridos de antecedência.
Uma vez recebida a convocação, o empregado tem o
prazo de um dia útil para responder ao chamado, ou de
24 horas na vigência da MP, e, na hipótese de ausência
de manifestação, será presumida sua recusa, o que, en-
tretanto, não descaracteriza o requisito da subordinação
para fi ns do contrato de trabalho intermitente.
E, como o silêncio do trabalhador diante da con-
vocação para o trabalho está previsto legalmente, não
poderá ser invocado pelo empregador como falta para
ns de imposição de justa causa, seja por abandono de
emprego, ainda que esse silêncio implique em ausência
no atendimento dos chamados por 30 dias ou mais, seja
por ato de indisciplina ou de insubordinação, pois não
há obrigação legal ao cumprimento de qualquer jorna-
da ou mesmo de atendimento às convocações patronais
que lhe são dirigidas.
O trabalhador pode, validamente, vincular-se a outro
empregador ou dedicar-se ao desempenho de outro ofí-
cio que torne incompatível a sua adesão às convocações
empresárias para o trabalho, as quais podem demorar
a ocorrer, pelo fato de não estarem sujeitas a qualquer
periodicidade mínima, sendo totalmente imprevisíveis
por parte do trabalhador, que pode ser por elas surpre-
endido.
Como acima anotado, a redação original do art. 452-A/
CLT, tal como inserida pela Lei n. 13.467/2017 consagra
os §§ 4º e 5º transcritos, revogados pela MP n. 808/2017.
Com a perda de efi cácia da MP, referidos dispositivos re-
tomam sua redação original. Note-se que, no respeitante
ao § 5º, a MP deslocou a previsão a ele concernente para
o art. 452-C, explicitando que o período de inativida-
de é o “intervalo temporal distinto daquele para o qual
o empregado intermitente haja sido convocado e tenha
prestado serviços, nos termos do § 1º do art. 452-A”, de-
nição que não constava do § 5º do art. 453-A/CLT, por
ela suprimido.
A previsão contida no § 4º do art. 452-A/CLT, de o
descumprimento do acordado pelo empregado, sem jus-
to motivo, após aceita a oferta para o comparecimento
ao trabalho, impor-lhe o pagamento de multa de 50%
(cinquenta por cento) da remuneração que seria devida,
a meu ver, contraria o disposto no art. 2º/CLT, ao trans-
ferir para o trabalhador o risco da atividade econômica,
malferindo também o princípio da intangibilidade sala-
rial. Esse talvez seja o motivo da revogação do disposi-
tivo poucos dias após a vigência da Lei n. 13.467/2017,
por meio da MP n. 808/2017. Entretanto, com a perda
de efi cácia da MP, o dispositivo volta à redação original.
No contexto, é importante relembrar que o art. 462/CLT
ao vedar descontos nos salários do empregado, excep-
ciona a hipótese de descontos previstos em dispositivos
de lei, como ocorre no caso (§ 4º do art. 452-A/CLT), ou
de contrato coletivo.
Toda a redação do art. 452-B/CLT foi introduzida pela
MP n. 808/2017 e somente terá validade para os contra-
tos havidos no período da sua efi cácia. Nesse sentido, o
inciso IV previu a possibilidade de as partes convencio-
narem no contrato de trabalho intermitente o formato
de reparação recíproca na hipótese de cancelamento dos
serviços previamente agendados na forma do art. 452-A.
De qualquer forma, o só fato de as partes exercerem a fa-
culdade de prever contratualmente forma de reparação
recíproca pelo inadimplemento contratual não implica
necessariamente na validade do ajuste, que poderá ser
questionado judicialmente pelo trabalhador, tendo em
vista as considerações já expendidas, quanto ao necessá-
rio respeito ao princípio da intangibilidade salarial, bem
como em face da vedação legal de transferência dos ris-
cos do empreendimento para o trabalhador.
O art. 452-A/CLT não enfrentou a hipótese de descum-
primento da avença pelo empregado por justo motivo,
como ocorre, por exemplo, na hipótese de adoecimen-
to, o que certamente poderá ser justifi cado por atestado
médico. No aspecto, parece-me claro que, em atenção ao
princípio protetivo, a melhor interpretação do disposto
no § 4º do art. 452-A/CLT, será de excluir a multa a car-
go do trabalhador. E mais, o trabalhador terá o direito
ao pagamento dos dias de afastamento, justifi cados por
atestado médico.
Nesse ponto, surge o seguinte questionamento: a
quem caberá pagar os 15 primeiros dias de afastamento,
quando o trabalhador já tiver aderido a uma convoca-
ção para a prestação de trabalho intermitente e a ele não
puder comparecer em decorrência do seu adoecimen-
to? Parece-me que o empregador deverá arcar com esse
encargo, tendo em vista a previsão contida no § 3º do
art. 60 da Lei n. 8.213/91. Após o 16º dia, atendidos os
supostos legais, caberá à Previdência Social, por meio
do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o paga-
mento do benefício previdenciário, consoante previsão
do art. 59 da Lei n. 8.213/91. A perda de vigência do
§ 13 do art. 452-A, introduzido pela MP n. 808 e que
transferia o encargo à Previdência Social, reforça esse
entendimento.
Outro questionamento, dentre outros, pode ser formu-
lado. Por exemplo, se o empregado sujeito ao contrato
intermitente sofre um acidente de trabalho na empresa,
de gravidade tal a ensejar seu afastamento por tempo su-
perior a 15 dias, levando-o a adquirir a estabilidade provi-
sória no emprego, ditada pelo art. 118 da Lei n. 8.213/91,
que assim dispõe:
O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garanti-
da, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO205
contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxí-
lio-doença acidentário, independentemente de percepção de
auxílio-acidente.
Resulta óbvio que a única garantia no emprego que
interessa ao trabalhador é aquela que lhe assegure o di-
reito a uma remuneração mensal durante todo o lapso
atinente à estabilidade provisória a que fi zer jus. Sem re-
muneração, a garantia de emprego fi ca esvaziada e nada
representa. Nessa hipótese, tampouco se pode admitir
que o montante salarial seja extraído da média das horas
trabalhadas em prol da empresa, o que certamente, em se
tratando de trabalho intermitente, será insufi ciente para
assegurar a sobrevivência digna.
A conclusão mais adequada, nesse ponto, é a de que,
uma vez acidentado no trabalho, pouco importando a
prestação de trabalho vinculada a contrato intermitente,
o trabalhador terá direito à garantia de manutenção de
seu contrato de trabalho na empresa, nos moldes previs-
tos no art. 118 supratranscrito, sendo-lhe assegurado o
direito ao pagamento do salário mínimo mensal, salvo
se houver no estabelecim ento empregado que exerça a
mesma função, com salário superior, quando será esse o
patamar remuneratório assegurado (art. 452-A/CLT). E
tudo isso, sem prejuízo da análise do direito às indeniza-
ções por dano material, moral e estético, nos termos da
legislação de regência.
Repita-se, por importante, que a MP n. 808/2017 intro-
duziu o § 13 ao art. 452-A/CLT, que assim dispôs: “Para os
ns do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido
ao segurado da Previdência Social a partir da data do início
da incapacidade, vedada a aplicação do disposto no § 3º
do art. 60 da Lei n. 8.213, de 1991”. Entretanto, essa regra
somente terá aplicação no período de efi cácia da referida
Medida Provisória, retornando à responsabilidade patro-
nal o pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento, na
forma já expendida acima. No período de vigência da MP
passou a constituir encargo da Previdência Social também
efetuar o pagamento direto do salário-maternidade, nos
termos da previsão contida no § 14 do art. 452-A/CLT, o
que, após a perda de efi cácia desse diploma legal, retornou
para o empregador a responsabilidade pelo pagamento do
salário-maternidade, compensando posteriormente os va-
lores com a contribuição previdenciária a seu cargo.
No que diz respeito à jornada de trabalho, o período
de inatividade não será considerado tempo à disposição
do empregador, sendo assegurado ao trabalhador a pres-
tação de serviços a outros contratantes. Nesse ponto, o
§ 5ºdo art. 452-A/CLT, afastou a aplicação do art. 4º/
CLT aos contratos intermitentes, eis que os períodos de
inação, sem convocação para o trabalho, não são consi-
derados tempo à disposição patronal.
A hipótese de convocação e correspondente des-
cumprimento patronal, com a dispensa do trabalhador
antes de iniciados os trabalhos, é resolvida pelo § 4º do
art. 452-A/CLT, cabendo à empresa pagar ao trabalha-
dor a multa de 50% dos valores pactuados por aquele
trabalho. Agora, na hipótese em que o trabalhador inicia
a prestação de serviços e é deixado em inatividade pela
empresa em alguns períodos, esse tempo deve ser com-
putado como tempo à disposição patronal, ensejando o
pagamento dos salários correspondentes. O tempo de
inatividade que não se considera à disposição patronal
é apenas aquele que medeia dois períodos de prestação
de serviços, motivados pela convocação patronal, mas
não tempo de inatividade dentro de uma mesma convo-
cação (vide § 3º do art. 443/CLT, com a nova redação).
Igualmente, uma vez convocado ao trabalho, a jor-
nada deverá respeitar os demais preceitos legais a ela
pertinentes, como é o caso, por exemplo, do intervalo
intrajornada mínimo e máximo (art. 71/CLT), interva-
lo interjornadas (art. 66/CLT), duração máxima de tra-
balho em determinado dia, bem como na semana, sob
pena de pagamento das horas extras, quando ultrapas-
sados esses limites defi nidos pelo contrato de trabalho e
pela legislação trabalhista, bem como pelos instrumen-
tos normativos (Acordo Coletivo de Trabalho – ACT e
Convenção Coletiva de Trabalho – CCT), aplicáveis ao
contrato de trabalho.
O trabalho intermitente retirou do empregado o di-
reito a uma jornada preestabelecida de trabalho, sujei-
tando-o às convocações do empregador para o trabalho,
que são condicionadas tão somente pelo interesse e/ou
necessidade patronais. Entretanto, uma vez convocado,
os patamares de proteção previstos na legislação traba-
lhista incidem sobre a prestação laboral na sua plenitu-
de, não podendo o empregador exigir o cumprimento de
jornadas exaustivas e fora dos limites fi xados nos instru-
mentos coletivos e na legislação.
Todo o art. 452-C foi introduzido pela MP n. 808 e
perdeu sua efi cácia. Referido dispositivo legal parecia
prever exclusividade de trabalho em prol do emprega-
dor nos períodos de convocação, permitindo labor para
outrem apenas nos períodos de inatividade. Entretanto,
a exclusividade na prestação laboral não constitui requi-
sito nem mesmo para a caracterização do contrato de
trabalho por tempo indeterminado (vide art. 3º/CLT),
não sendo razoável essa exigência para o trabalho inter-
mitente, desde que haja compatibilidade de horários na
prestação laboral.
É certo, ainda, que os períodos carentes de convocação
para o trabalho ou de aceitação pelo trabalhador não são
computados para fi ns de pagamento de salário e demais
direitos trabalhistas.
No que tange ao cumprimento de turnos de trabalho,
o inciso II do art. 452-B inserido pela MP n. 808/2017, de
efi cácia por curto período, previu que poderiam ser eles
convencionados por meio do contrato de trabalho inter-
206
MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
mitente. De qualquer forma, é importante anotar que no
caso de alternância dos turnos cumpridos pelo trabalha-
dor, envolvendo os turnos diurno e noturno, haveria la-
bor em turnos ininterruptos de revezamento, com direito
à jornada de 6 horas, conforme entendimento consagra-
do pela Orientação Jurisprudencial (OJ) 360, SDI I/TST.
A faculdade conferida às partes, pelo inciso I do art.
452-B/CLT, constante da MP n. 808/2017 e de aplicação
restrita ao período de sua efi cácia, de convencionar no
contrato de trabalho intermitente os locais de prestação
de serviço não afasta, tampouco, a incidência da norma
contida no § 3º do art. 469/CLT, desde que a contratação
ocorra para o trabalho em um determinado local, com
necessidade de mudança do empregado para localidade
diversa daquela resultante do contrato. Nessa hipótese,
surge para o trabalhador o direito ao pagamento suple-
mentar, não inferior a 25% dos salários percebidos na-
quela localidade, enquanto durar a situação.
O art. 452-D/CLT previu que, na hipótese de o em-
pregador não convocar o empregado por lapso superior
a um ano, contado da contratação ou da última convo-
cação ou mesmo do último dia de trabalho, o que for
mais recente, seria o contrato de trabalho intermitente
considerado rescindido. Instituiu-se nova modalidade de
rescisão contratual, em que o trabalhador só teria direito
ao pagamento, pela metade, do aviso-prévio, calculado
conforme previsão específi ca (art. 452-F/CLT) e da inde-
nização sobre o saldo do FGTS, sendo as demais verbas
trabalhistas devidas na integralidade (art. 452-E/CLT).
Todos esses dispositivos legais aqui mencionados foram
introduzidos pela MP n. 808/2017, não mais vigendo
no mundo jurídico, o mesmo ocorrendo relativamente
ao art. 452-E/CLT, segundo o qual havia a possibilidade
de movimentação, pelo trabalhador, de até 80% do va-
lor dos depósitos do FGTS, impedindo, entretanto, seu
ingresso no programa de seguro-desemprego e também
com o § 2º do art. 452-F, que determinava a observância
do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 487/CLT. A leitura iso-
lada do art. 452-F faz supor ser o aviso-prévio devido na
integralidade, o que, na verdade, não ocorria na hipótese
da ruptura contratual regida pelo art. 452-D/CLT, decor-
rente da ausência de convocação para o trabalho pelo pe-
ríodo de um ano, quando a previsão era de pagamento
pela metade (art. 452-E/CLT). Como visto, a aplicação
desses dispositivos cessou com a perda de efi cácia da MP
n. 808/2017 e a correspondente previsão legislativa é res-
trita aos contratos havidos (início e fi m) no lapso de sua
vigência.
Dessa forma, as hipóteses de rescisão contratual reto-
mam a previsão contida na CLT, inclusive quanto ao dis-
posto nos arts. 482 e 483/CLT, relativamente à dispen-
sa por justa causa e rescisão indireta do pacto laboral,
quando as parcelas rescisórias serão devidas de acordo
com a modalidade específi ca da rescisão contratual.
Os direitos assegurados ao trabalhador intermitente ao
longo do contrato de trabalho estão previstos pelo § 6º do
art. 452-A/CLT, o que será a seguir avaliado.
3.4. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E VERBAS
ASSEGURADAS AO TRABALHADOR
Dispõe o § 6º do art. 452-A/CLT que:
§ 6º Ao fi nal de cada período de prestação de serviço, o
empregado receberá o pagamento imediato das seguintes
parcelas:
I — remuneração;
II — férias proporcionais com acréscimo de um terço;
III — décimo terceiro salário proporcional;
IV — repouso semanal remunerado; e
V — adicionais legais.
Segundo esse dispositivo legal, ao fi nal de cada pe-
ríodo de prestação laboral, o empregado deve receber a
remuneração, as férias proporcionais + 1/3, o 13º salário,
o repouso semanal remunerado (RSR) e os adicionais
legais.
A previsão contida no § 11 do art. 452-A/CLT, inse-
rida pela MP 808, de que, quando o período de convo-
cação excedesse de um mês, o pagamento das parcelas
devidas ao trabalhador intermitente não poderia ser es-
tipulado por período superior a um mês, perdeu efi cácia
pela não aprovação da MP 808. Entretanto, a proibição
de pagamento de salários, qualquer que seja a sua mo-
dalidade, por período superior a um mês, ressalvadas
comissões, percentagens e gratifi cações, está consagrada
no art. 459/CLT, que também rege o contrato de traba-
lho intermitente.
No que diz respeito às férias proporcionais, segundo
dispõe o art. 146/CLT, são elas devidas à base de 1/12 por
mês, ou quando o trabalhador cumprir fração superior
a 14 dias. O mesmo ocorre relativamente ao 13º salário,
que, por força do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei
n. 4.090/62, é devido na proporção de 1/12 por mês de
efetivo exercício do ano correspondente ou fração igual
ou superior a 15 dias de trabalho em determinado mês.
Entretanto, o disposto nos incisos II e III do § 6º
do art. 452-A/CLT, quando determinaram o pagamento
proporcional de férias e 13º salários, nada previu acerca
da conformidade do tempo de trabalho, a cada mês ou
convocação, ao que consta do art. 146/CLT e dos §§ 1º
e 2º do art. 1º da Lei n. 4.090/62. Dizem apenas que, ao
nal de cada período de prestação de trabalho, o empre-
gado receberá o pagamento imediato da remuneração,
férias + 1/3 e o 13º salário, tudo de forma proporcional
ao tempo trabalhado, o que parece ser devido ainda que
em certo mês a convocação refi ra-se tão somente a algu-
mas horas de trabalho.
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO207
Apenas o tempo vai dizer como a jurisprudência
irá se posicionar acerca da melhor interpretação des-
se dispositivo legal. Ao menos a princípio, parece ser
necessário fazer novo cálculo de proporcionalidade das
férias e do 13º salário, para viabilizar o pagamento des-
sas parcelas em conformidade com o número de horas
ou de dias trabalhados a cada convocação, ainda que o
trabalho ocorra em períodos inferiores a 14 ou 15 dias.
Outro aspecto relevante é aquele ditado pelo § 7º do
art. 452-A/CLT, segundo o qual o “recibo de pagamento
deverá conter a discriminação dos valores pagos relati-
vos a cada uma das parcelas referidas no § 6º”. Tudo isso
para evitar, formalmente, a prática conhecida como sa-
lário complessivo, o que é repudiado pela jurisprudên-
cia trabalhista. Isso signifi ca que o recibo de pagamento
deverá descrever as parcelas quitadas ao trabalhador e
indicar os valores a elas correspondentes.
Sobre o tema, em percuciente análise, Jorge Luiz Sou-
to Maior afi rma que:
O fato de se efetivar a discriminação não retira o
caráter complessivo, pois, obviamente, o valor fi -
nal pago, com as parcelas, pode ser meramente o
valor que, economicamente, interessa ao emprega-
dor. Os direitos não seriam acréscimos ao salário
para atender a fi nalidades sociais. Mesmo discri-
minados, os direitos seriam, meramente, partes
integrantes do salário.(19)
No que diz respeito ao recolhimento do FGTS e da
contribuição previdenciária, está ele previsto pelo § 8º do
art. 452-A/CLT, cabendo ao empregador efetuar os reco-
lhimentos com base nos valores pagos no período mensal,
fornecendo ao empregado o comprovante do cumprimen-
to dessas obrigações. No caso das contribuições previ-
denciárias, o empregador continua responsável por reter
a contribuição devida pelo trabalhador, recolhendo-a aos
cofres públicos, juntamente com a quota patronal.
No aspecto, o art. 911-A/CLT, inserido na MP n. 808/2017,
de incidência restrita ao seu período de vigência, previu
no § 1º que os segurados (trabalhadores empregados), que
no somatório das remunerações auferidas de um ou mais
empregadores em determinado mês, pouco importando o
tipo de contrato de trabalho, e que recebessem remuneração
inferior ao salário mínimo mensal, poderiam recolher a dife-
rença com base na mesma alíquota aplicada à contribuição
do trabalhador retida pelo empregador. E, no § 2º, cominava
ao trabalhador que não complementasse a contribuição pre-
videnciária a penalidade consistente na exclusão do mês, em
que a contribuição recolhida fosse inferior àquela incidente
sobre o salário mínimo, para fi ns de aquisição e manutenção
(19) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit.
(20) HIGA, Flávio da Costa. Op. cit.
da qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência
Social, bem como para cumprimento dos períodos de ca-
rência para a concessão dos benefícios previdenciários. Em
boa hora cessou a efi cácia desse dispositivo, que acabava por
alijar o trabalhador da proteção previdenciária, impondo a
ele obrigação de recolher contribuições previdenciárias em
meses em que a percepção de rendimentos tivesse sido infe-
rior ao montante do salário mínimo.
De fato, a referida previsão poderia inviabilizar a so-
brevivência digna de inúmeros trabalhadores intermiten-
tes, os quais, por absoluta impossibilidade material de
efetuarem a complementação dos recolhimentos previ-
denciários mês a mês, fatalmente perderiam a qualidade
de segurados da Previdência Social, sendo abandonados
à própria sorte pelo Estado nos períodos de maior neces-
sidade, como são aqueles marcados por adoecimentos,
desemprego involuntário e outros.
O § 9º do art. 452-A/CLT dispõe, ainda, que, após
doze meses de trabalho, “o empregado adquire direito
a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de
férias, período no qual não poderá ser convocado para
prestar serviços pelo mesmo empregador”. E o ques-
tionamento que surge é o seguinte: haverá convocação
de trabalhador para 12 meses seguidos de trabalho? E
se, convocado, o contrato de trabalho não deixaria de
ser intermitente, agregando condição mais benéfi ca?
E mais, se ao longo dos 12 meses de trabalho, houver
várias convocações, com pagamento das férias na data
acordada para o pagamento, que não pode ser estipula-
do por período superior a um mês, por força do disposto
nos §§ 6º e 11 do art. 452-A, ainda assim haveria direito
ao gozo de férias?
Parece ser da essência do trabalho intermitente que
o trabalhador não irá usufruir férias, sendo que nesse
ponto Flávio Higa afi rma que o dispositivo legal acaba
por cair no vazio, exatamente pelo fato de as férias terem
sido indenizadas, proporcionalmente, ao fi nal de cada
período de prestação de serviço. Prossegue dizendo que:
[...] o “direito” será apenas o de permanecer sem
remuneração durante trinta dias. Poder-se-ia ob-
jetar que o direito corresponde ao dever de abs-
tenção do empregador, que não poderá convocá-lo
para laborar. Porém, se o empregado pode recusar
inercialmente a todas as ofertas (§ 2º), o “direito”
de fi car sem trabalho e sem salário é exercido a
qualquer tempo, independentemente de previsão
legislativa. Isso, aliás, é o que já fazem os milhões
de desempregados.(20)
A previsão contida no § 10 do art. 452-A/CLT, tam-
bém perdeu vigência, pois foi inserida pela MP n. 808.
208
MARIA CECÍLIA ALVES PINTO
Por ela, mediante prévio acordo com o empregador, o
trabalhador poderia usufruir as férias em até 3 períodos,
tal como previsto nos §§ 1º e 2º do art. 134/CLT, que a
meu ver segue regendo também o contrato de trabalho
intermitente. A pergunta é: que férias? Pois se a cada
período de convocação são elas obrigatoriamente pagas
ao trabalhador, o que remanesce para gozo? Férias sem
remuneração não se prestam ao descanso, físico e men-
tal, do trabalhador, que justifi ca o instituto.
Como se pode observar dos apontamentos efetuados
neste estudo, o contrato de trabalho intermitente é al-
tamente nocivo ao trabalhador, de quem são subtraídos
inúmeros direitos imprescindíveis à própria sobrevivên-
cia digna, bem como à de sua família, tratando-se de
contrato de trabalho precário, que atende muito mais
aos interesses patronais. O empregado, nessa nova mo-
dalidade contratual, passa à condição de item descartá-
vel no processo produtivo, sendo convocado apenas e
quando houver interesse patronal, sendo olvidado pela
empresa nos períodos de inatividade. Referido contrato
de trabalho apresenta-se como um grande desafi o para
a sociedade, que poderá sofrer os efeitos perversos do
aumento de violência civil, em decorrência da falta de
condições mínimas de sobrevivência, imposta a inúme-
ros cidadãos brasileiros.
O contexto político, em que levadas a efeito as re-
formas trabalhistas, demonstra que o discurso gover-
namental de que não haveria redução de direitos dos
trabalhadores é evidentemente uma falácia. Na reali-
dade, houve importante retrocesso na legislação tra-
balhista, com supressão de direitos, o que impõe aos
trabalhadores a necessidade de se reinventarem como
sujeitos políticos, envolvendo-se em processos de lu-
tas sociais pela dignidade humana(21), com o objetivo
de mudar a realidade em que foram inseridos.
Assim, aos trabalhadores incumbe assumir o prota-
gonismo histórico, pautando sua atuação pela defesa
dos direitos humanos, dentre os quais situam-se os di-
reitos trabalhistas. Segundo Joaquín Herrera Flores os
direitos humanos “pueden convertirse en la pauta jurí-
dica, ética y social que sirva de guía a la construcción de
esa nueva racionalidad”(22).
(21) Os processos de lutas sociais referidos no presente trabalho são aqueles mencionados por Joaquín Herrera Flores, para quem os direitos humanos
são os resultados sempre provisórios das lutas sociais pela dignidade humana. E essa dignidade, segundo ele não é “el simple acceso a los bienes, sino
que dicho acceso sea igualitario y no esté jerarquizado a priori por procesos de división del hacer que colocan a unos en ámbitos privilegiados a la
hora de acceder a los bienes y a otros en situaciones de opresión y subordinación”. E o jusfi lósofo espanhol alerta: “Pero, ¡cuidado! Hablar de dignidad
humana no implica hacerlo de un concepto ideal o abstracto. La dignidad es un fi n material. Un objetivo que se concreta en dicho acceso igualitario
y generalizado a los bienes que hacen que la vida sea ‘digna’ de ser vivida.” HERRERA FLORES, Joaquín. La reinvención de los derechos humanos.
Andalucía: Atrapasueños, 2008. p. 26.
(22) A nova racionalidade referida por Herrera Flores diz respeito ao comprometimento com uma “versión crítica y emancipadora de los derechos
humanos a contraponer otro tipo de racionalidad más atenta a los deseos y necesidades humanas que a las expectativas de benefi cio inmediato del
capital.” Ibidem, p. 11.
(23) Joaquín Herrera Flores enfatiza o necessário desenvolvimento de capacidade dos movimentos sociais, para a abertura de circuitos de reação
cultural, ou seja, de processos de luta geradores de um modo novo de ver e de atuar no mundo, mais contextualizado e fl exível, sempre em movimento,
articulado em redes, que trabalhem e se articulem como redes, com o objetivo de potencializar o atingimento dos objetivos perseguido pelos movimentos
sociais. HERRERA FLORES, Joaquín. El proceso cultural: materiales para la creatividad humana. Sevilla: Aconcagua Libros, 2005. p. 11.
Cabe ao conjunto dos trabalhadores a insurgência
contra a reforma trabalhista, buscando a reconquista dos
direitos suprimidos e sua melhoria, o que deve envolver
o fortalecimento dos Sindicatos, para que, em conjunto
e em rede(23) com os demais movimentos sociais, promo-
vam o seu envolvimento em processos de lutas sociais,
em prol da dignidade da vida humana.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contrato de trabalho intermitente foi introduzido
na CLT por força da Lei n. 13.467, de 13.07.2017, res-
ponsável pela reforma trabalhista, mediante alteração do
art. 443 e introdução do art. 452-A, no diploma con-
solidado. Posteriormente, houve alterações inseridas na
legislação pela MP n. 808/2017, que introduziu na CLT
também os arts. 452-B, 452-C, 452-D, 452-E, 452-F, 452-G
e 452-H , os quais tiveram vigência no curto período de
14.11.2017 a 23.04.2018, em decorrência do descum-
primento do prazo de aprovação da Medida Provisória,
ditado pelo § 3º do art. 62/CF, culminando na edição do
Ato Declaratório n. 22, pelo Presidente da Mesa do Con-
gresso Nacional, pelo qual informou o encerramento do
seu prazo de vigência.
Assim, por força do disposto no § 11 do art. 62/CF,
apenas as relações jurídicas constituídas e decorrentes
de atos praticados na vigência da MP 808/2017, serão
por ela regidas.
O instituto já encontrava previsão na legislação de
outros países, como é o caso do direito inglês, com o
zero hour contract, do direito americano, que consagrou
o contrato just in time, e da legislação portuguesa, sob o
título de trabalho intermitente, mesma rubrica adotada
no Brasil.
Em todos esses países, a análise é desfavorável a esse
modelo contratual, que não assegura ao trabalhador
meios sufi cientes para a sua subsistência, na medida em
que não há garantia do cumprimento de uma jornada de
trabalho, cuja remuneração fi nal em cada mês assegure
ao trabalhador condições de vida digna.
A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE: IMPACTOS PARA O TRABALHADOR E PARA O MERCADO DE TRABALHO209
A situação é tão grave que a Nova Zelândia baniu os
contratos de trabalho intermitente e passou a exigir a
especifi cação contratual do mínimo de horas, dias e os
horários de trabalho, não deixando essa defi nição ao
mero alvedrio patronal.
No Brasil, a previsão legislativa fi xa a alternância de
períodos de trabalho com outros de inatividade, sendo
que o empregador apenas pagará a remuneração pelas
horas trabalhadas pelo empregado, respeitado o salário
mínimo para cada hora trabalhada, salvo se no estabe-
lecimento houver outro trabalhador exercendo a mesma
função com salário superior.
O empregador deverá convocar o trabalhador para o
trabalho com antecedência de 3 dias corridos, cabendo
ao trabalhador responder ao chamado em um dia útil,
sob pena de ser presumida a sua recusa. E o § 4º do
art. 452-A dispôs que, aceita a oferta, a parte que des-
cumprir, sem justo motivo, o combinado, pagará à ou-
tra multa de 50% da remuneração que seria devida, no
prazo de 30 dias, permitida a compensação no mesmo
prazo, o que, do ponto de vista do trabalhador, malfere
o princípio da intangibilidade salarial.
Os direitos fi xados pelo § 6º do art. 452-A/CLT se-
rão quitados ao fi nal de cada período de prestação de
serviço, com periodicidade máxima de um mês nos ter-
mos do art. 459/CLT, fi cando o questionamento e a pre-
ocupação acerca da real possibilidade de o trabalhador
intermitente usufruir férias remuneradas. Na verdade,
esse dispositivo viabilizou o pagamento dos valores que
o empregador entender pertinentes, mediante decompo-
sição nas parcelas exigidas por lei, como advertiu Souto
Maior, acerca da prática do salário complessivo.
O contrato de trabalho em estudo permite a formali-
zação de contratos de emprego, com CTPS anotada, para
trabalhos intermitentes, caracterizados por períodos de
labor mediados por períodos de inação, sem garantir
uma remuneração adequada e sufi ciente para assegurar
a dignidade do trabalhador.
Os trabalhadores intermitentes estarão excluídos
das estatísticas atinentes à população desempregada,
pois contarão com um vínculo de emprego anotado em
CTPS, muito embora sigam sem qualquer garantia de
pagamento salarial a cada mês, ou seja, sem qualquer
estabilidade fi nanceira ou possibilidade real de acesso
aos meios necessários para a própria subsistência e de
sua família.
Note-se que a previsão constitucional quanto ao salá-
rio mínimo é no sentido de que deve garantir o atendi-
mento às necessidades vitais básicas do trabalhador e de
sua família, com moradia, alimentação, educação, saú-
de, lazer, vestuário, etc. (vide inciso IV do art. 7º/CF), o
que não é assegurado ao trabalhador intermitente.
Com a cessação de efi cácia da MP n. 808, pelo me-
nos fi caram afastadas as previsões legais de alijamento
do trabalhador do programa do seguro-desemprego na
extinção do contrato intermitente (§ 2º do art. 452-E/
CLT), bem como de complementação da contribuição
previdenciária mensal, a cargo do trabalhador, quando
perceber remuneração inferior ao mínimo legal, como
condição para adquirir e manter-se segurado pelo Regi-
me Geral de Previdência Social.
O gravame imposto aos trabalhadores pelo contrato
de trabalho intermitente é tão grande, que o ideal se-
ria que a previsão legal correspondente pudesse ser por
eles rechaçada na realidade e, uma vez conscientizados
da precariedade dessa modalidade contratual, pudessem
recusar sua contratação como intermitentes.
No que diz respeito ao conjunto da reforma traba-
lhista, os trabalhadores deverão se redescobrir como
cidadãos e agentes políticos, para manifestar sua in-
surgência, por meio de ações concretas, em prol da
reconquista dos direitos suprimidos e da sua melho-
ria, sobretudo porque necessitam dos valores pagos
como retribuição pelo trabalho para acessar os bens,
materiais e imateriais, necessários à dignidade da vida
humana.
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lógicas de gestão de mão de obra e a necessária releitura do
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WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídi-
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