Relação de emprego ? caracterização

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas341-376
CAPÍTULO IX
RELAÇÃO DE EMPREGO — CARACTERIZAÇÃO
I. INTRODUÇÃO
A relação jurídica, englobando os sujeitos, o objeto e o negócio jurídico
vinculante das partes, é, como visto, a categoria básica do fenômeno do
Direito. Efetivamente, ela se quali ca como o vértice em torno do qual se
constroem todos os princípios, institutos e regras que caracterizam o universo
jurídico.
Ao lado desse caráter geral magnetizador, a relação jurídica ocupa
posição de destaque em cada um dos ramos jurídicos especializados. Na
verdade, a especialização desses ramos surge exatamente à medida que lhes
desponta uma relação jurídica especí ca, hábil a de agrar a necessidade de
formulação e desenvolvimento de princípios, regras e institutos jurídicos que
sejam compatíveis e referenciados a essa relação surgida. A particularidade
das relações jurídicas próprias ao Direito Tributário, Direito Empresarial,
Direito Penal, Direito Civil (e a particularidade das relações jurídicas nucleares
de cada um dos segmentos deste último ramo jurídico: Direito das Coisas,
Direito Obrigacional, Direito de Família, etc.) é que irá justi car a construção
de características teóricas e normativas tão distintivas para cada um dos
clássicos ramos que compõem o universo jurídico hoje.
No ramo jurídico trabalhista, esse núcleo básico centra-se na relação de
trabalho, mais propriamente na relação de emprego.
Relação de Trabalho versus Relação de Emprego — A Ciência do Direito
enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego.
A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações
jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma
obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda
modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível.
A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de
emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual,
de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de
labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se
acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes
no mundo jurídico atual.
Evidentemente que a palavra trabalho, embora ampla, tem uma
inquestionável delimitação: refere-se a dispêndio de energia pelo ser humano,
342 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
objetivando resultado útil (e não dispêndio de energia por seres irracionais ou
pessoa jurídica). Trabalho é atividade inerente à pessoa humana, compondo
o conteúdo físico e psíquico dos integrantes da humanidade. É, em síntese,
o conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para
atingir determinado m.(1)
A relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é apenas
uma das modalidades especí cas de relação de trabalho juridicamente
con guradas. Corresponde a um tipo legal próprio e especí co, inconfundível
com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.
Não obstante esse caráter de mera espécie do gênero a que se lia, a
relação de emprego tem a particularidade de também se constituir, do ponto
de vista econômico-social, na modalidade mais relevante de pactuação de
prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos, desde a instau-
ração do sistema econômico contemporâneo, o capitalismo. Essa relevância
socioeconômica e a singularidade de sua dinâmica jurídica conduziram
a que se estruturasse em torno da relação de emprego um dos segmentos
mais signi cativos do universo jurídico atual — o Direito do Trabalho.
Passados duzentos anos do início de sua dominância no contexto socio-
econômico do mundo ocidental, pode-se a rmar que a relação empregatícia
tornou-se a mais importante relação de trabalho existente no período, quer
sob a perspectiva econômico-social, quer sob a perspectiva jurídica. No
primeiro plano, por se generalizar ao conjunto do mercado de trabalho, de-
marcando uma tendência expansionista voltada a submeter às suas regras a
vasta maioria de fórmulas de utilização da força de trabalho na economia con-
temporânea. No segundo plano, por ter dado origem a um universo orgânico e
sistematizado de regras, princípios e institutos jurídicos próprios e especí cos,
também com larga tendência de expansionismo — o Direito do Trabalho.
Em face da relevância, projeção e tendência expansionista da relação
empregatícia, reduzindo espaço às demais relações de trabalho ou assimi-
lando às suas normas situações fáticas originariamente não formuladas como
tal, rmou-se, na tradição jurídica, a tendência de designar-se a espécie mais
importante (relação de emprego) pela denominação cabível ao gênero (rela-
ção de trabalho). Nessa linha, utiliza-se a expressão relação de trabalho (e,
consequentemente, contrato de trabalho ou mesmo Direito do Trabalho) para
se indicarem típicas relações, institutos ou normas concernentes à relação
de emprego, no sentido especí co.
Essa tendência, embora possa ser criticada sob o enfoque estritamente
técnico-jurídico, já está hoje absolutamente consolidada. A consolidação de
(1) Conceito de Instituto Antônio Houaiss, Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2743.
343C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
tal tendência — que se originou, é verdade, da incontestável hegemonia
fático-jurídica da relação empregatícia no universo de todas as relações de
trabalho — torna meramente acadêmica e formalista a insistência em
se recusar validade teórica às expressões tradicionais (relação de trabalho e
contrato de trabalho) para designar a relação e instituto de caráter especí co
(relação de emprego e contrato de emprego). Desse modo, deve o leitor
atentar para o fato de que, muitas vezes, está-se utilizando a expressão
relação de trabalho (ou contrato de trabalho) com o objetivo estrito de se
referir às guras técnico-jurídicas da relação empregatícia ou contrato
empregatício.
II. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO
A prestação de trabalho por uma pessoa física a outrem pode se
concretizar segundo fórmulas relativamente diversas entre si. Mesmo no
mundo econômico ocidental dos últimos duzentos anos, essa prestação não
se circunscreve à exclusiva fórmula da relação empregatícia.
Assim, a prestação de trabalho pode emergir como uma obrigação de
fazer pessoal, mas sem subordinação (trabalho autônomo em geral); como
uma obrigação de fazer sem pessoalidade nem subordinação (também
trabalho autônomo); como uma obrigação de fazer pessoal e subordinada,
mas episódica e esporádica (trabalho eventual). Em todos esses casos,
não se con gura uma relação de emprego (ou, se se quiser, um contrato de
emprego). Todos esses casos, portanto, consubstanciam relações jurídicas
que não se encontram, em princípio, sob a égide da legislação trabalhista
(CLT e leis esparsas) e, até o advento da EC n. 45/2004 (novo art. 114,
CF/88), nem se encontravam, regra geral, sob o manto jurisdicional da
Justiça do Trabalho.
A caracterização da relação empregatícia é, portanto, procedimento
essencial ao Direito do Trabalho, à medida que propiciará o encontro da
relação jurídica básica que deu origem e assegura desenvolvimento aos
princípios, regras e institutos justrabalhistas e que é regulada por esse ramo
jurídico especial. É procedimento com re exos no próprio Direito Processual
do Trabalho, uma vez que este abrange, essencialmente, as lides principais
e conexas em torno da relação de emprego (a ampliação da competência da
Justiça do Trabalho pela EC n. 45/2004 — art. 114, I a IX, CF/88 — não retirou
a hegemonia das lides empregatícias no âmbito da Justiça Especializada).
1. Distinções na História do Direito
A Ciência do Direito já xou, com clareza, o posicionamento histórico do
Direito do Trabalho no contexto da emergência e desenvolvimento da socie-

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