A relação entre empresa e política à luz do direito de greve: de bernard edelman ao direito brasileiro contemporâneo

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas19-23

Page 19

O objetivo deste ensaio é partir de uma das elaborações teóricas centrais da obra A legalização da classe operária, de Bernard Edelman (2016), sobre a relação entre empresa e política, para refletir a respeito de um fenômeno que tem se verificado recentemente no mundo do trabalho no Brasil contemporâneo: a greve organizada pela base da categoria sem a participação do sindicato.

Participei do trabalho de tradução dessa obra porque me causava muita perplexidade o fato de ela não estar disponível em qualquer outra língua além do original francês. Ela foi muito importante na elaboração da minha tese de doutorado (BATISTA, 2013) e senti a necessidade de fazer o texto repercutir no Brasil. Concluído o trabalho de tradução, em contato com o autor, que gentilmente elaborou novo prefácio específico para a edição brasileira, foi possível compreender a razão da inexistência de traduções por quase quarenta anos. Em suas próprias palavras:

Devo dizer que esta abordagem suscitou uma verdadeira revolta. Lembro-me que quando expus minhas teses da Escola Normal Superior, onde lecionava na época, a companheira de Althusser, antigo membro da resistência e cegetista ardorosa, interpelou-me violentamente e me chamou de reacionário, de traidor e de mercenário da burguesia... Louis Althusser manteve prudentemente o silêncio. Em resumo, este livro foi retirado de cena, e apenas um jornal anarquista lhe fez apologia. (EDELMAN, 2016: 9)

Este artigo, portanto, também constitui uma parte dos esforços em fazer justiça a esta obra monumental, emprestando-lhe a devida repercussão, ainda que com quatro décadas de atraso1.

A publicação em português dessa obra não poderia acontecer num momento mais oportuno. Há quatro anos, quando foi iniciado o processo de tradução, talvez a recepção não fosse tão atenciosa quanto agora. Vivemos um momento em que as questões políticas estão incandescentes e passam a ser melhor visualizadas em todos os ângulos, especialmente no que estou tratando neste artigo, que é o do direito laboral no contexto da empresa. Daí a escolha do tema da relação entre empresa e política, um dos mais detidamente abordados por Edelman e que está no âmago da questão prática aqui enfocada.

É preciso antes de tudo posicionar a questão da relação entre empresa e política no contexto de minhas pesquisas. Parto de uma perspectiva de crítica do direito inspirada na crítica marxista que tem como grande referencial teórico o russo Evgeny Pachukanis (1989), além de, no Brasil, a referência incontornável de Márcio Bilharinho Naves (2008 e 2014). A principal obra de Pachukanis foi escrita na década de 20 do século XX, portanto, antes de que pudesse tomar contato com todas as transformações pelas quais o Estado de direito passou neste século. De lá para cá, houve algumas tentativas de contemplar essas transformações à luz da crítica pachukaniana, das quais a principal é a de Bernard Edelman, autor francês da tradição marxista vinculada à escola de Louis Althusser, um dos grandes teóricos do marxismo em nível mundial. Minha tese de doutorado é uma tentativa de trazer essa perspectiva de Pachukanis e Edelman para o conjunto dos direitos sociais. Neste texto abordarei uma parte disso: o quanto há de penetração desta crítica em um dos temas do direito sindical, que é a relação entre empresa e política.

Para visualizar este tema de modo mais preciso, é necessário partir da concepção de Althusser sobre luta de classes. Essa questão, aparentemente trivial, esconde uma

Page 20

postulação teórica fundamental: enquanto Marx e Engels colocam a luta de classes no primeiro plano da história2, uma má leitura do fenômeno, que Althusser atribui ao reformismo, substitui a luta de classes pelas próprias classes como principal chave de análise da história. Althusser debate o fenômeno a partir de uma metáfora muito interessante a respeito, comparando a luta de classes a um esporte coletivo. Desculpo-me pela extensão da citação, mas ela é necessária para contextualizar a questão, melhor apreendida em suas próprias palavras:

En la Tesis del Manifiesto lo que adviene al primer rango no son ya sólo las clases explotadas, etc., sino la lucha de clases. Es necesario ver bien que esta Tesis es decisiva para el marxismo-leninismo. Puesto que traza una línea de demarcación radical entre los revolucionarios y los reformistas. Simplificaré las cosas al extremo, pero no traiciono lo esencial. Para los reformistas (incluso si se declaran marxistas) no es la lucha de clases lo que está en el primer rango, sino las clases. Tomemos un ejemplo sencillo, y supongamos que sólo existen dos clases en presencia. Para el reformista, las clases existen antes de la lucha de clases, un poco como dos equipos de rugby existen, cada uno por su lado, antes del encuentro. Cada clase existe en su propio campo, vive en sus propias condiciones de existencia; una clase puede incluso explotar a la otra, pero eso no es todavía la lucha de clases. Un día, las dos clases se encuentran y se enfrentan, y sólo entonces comienza la lucha de clases. Ambas se van a las manos, el combate se torna agudo y finalmente la clase explotada se impone a la otra (es la revolución) o sucumbe en la lucha (es la contrarrevolución). Que se dé vuelta a la cuestión tanto como se quiera, pero siempre se encontrará la misma idea. Las clases existen antes de la lucha de clases, independientemente de la lucha de clases y la lucha de clases existe sólo después. Por el contrario, para los revolucionarios no es posible separar las clases de la lucha de clases. La lucha de clases y la existencia de clases son una sola y misma cosa. Para que en una “sociedad” haya clases es necesario que la sociedad esté dividida en clases; tal división no se hace a posteriori, pues lo que constituye la división en clases es la explotación de una clase por la otra, o sea la lucha de clases. Porque la explotación es ya lucha de clase. Para comprender entonces la división en clases, la existencia y la naturaleza de las clases, es necesario partir de la lucha de clases. Por lo tanto es preciso colocar la lucha de clases en el primer rango. (ALTHUSSER, 1974: 33-34.)

Althusser é muito feliz ao observar que a luta de classes não é como se fosse uma partida de um esporte coletivo qualquer. A luta de classes corresponde à própria existência das classes, ou seja, a partir do momento em que alguém disponibiliza no mercado sua força de trabalho em troca de um...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT