Relações laborais: A covid-19 e o direito: fato, valor e norma

AutorRocco Rosso Nelson - Isabel de Sousa Rosso Nelson
CargoMestre em direito constitucional pela UFRN - Doutora em educação pela UFRN
Páginas102-117
102 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 665 I AGO/SET 2020
DOUTRINA JURÍDICA
Rocco Antonio Rangel Rosso NelsonMESTRE EM DRETO CONSTTUCONAL PELA UFRN
sabel Cristina Amaral de Sousa Rosso NelsonDOUTORA EM EDUCAÇÃO PELA UFRN
A COVID-19 E O DIREITO:
FATO,VALOR E NORMA
I
É INEGÁVEL QUE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS ACARRETOU
UMA HIPERPRODUÇÃO DE DOCUMENTOS JURÍDICOS. ENTRE
TODOS OS RAMOS, A SEARA TRABALHISTA FOI A MAIS AFETADA
c) Medida Provisória 936, de 1º de abril de 2020:
institui o Programa Emergencial de Manutenção do
Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas tra-
balhistas complementares para enfrentamento do
estado de calamidade pública reconhecido pelo De-
creto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e
da emergência de saúde pública de importância in-
ternacional decorrente do coronavírus (covid-19) de
que trata a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e
dá outras providências;
d) Medida Provisória 944, de 3 de abril de 2020:
institui o Programa Emergencial de Suporte a Em-
pregos;
e) Medida Provisória 945, de 4 de abril de 2020: dis-
põe sobre medidas temporárias em resposta à pan-
demia decorrente da covid-19 no âmbito do setor
portuário e sobre a cessão de pátios sob adminis-
tração militar;
f) Medida Provisória 946, de 7 de abril de 2020: ex-
tingue o Fundo PIS-Pasep, instituído pela Lei Com-
plementar 26, de 11 de setembro de 1975, transfere
o seu patrimônio para o Fundo de Garantia do Tem-
po de Serviço, e dá outras providências;
A Medida Provisória 927, de 22 de março de
2020, cria um conjunto normativo de normas
trabalhista para serem aplicadas durante o es-
tado de calamidade pública decorrente da co-
vid-19 e reconhecido pelo Decreto Legislativo 6,
de 20 de março de 2020.
1. A COVID-19 E A DINÂMICA DAS
RELAÇÕES JUSLABORAIS
De todos os ramos do direito, a seara trabalhis-
ta, sem dúvida, foi a mais impactada pela pan-
demia de covid-19. Tendo em vista a necessidade
de isolamento social e os decretos estaduais au-
torizando o funcionamento apenas de serviços
essenciais, diversas empresas viram seu fatura-
mento reduzido ou mesmo zerado, porém tendo
de suportar o ônus da folha de pagamento.
A produção normativa foi extraordiná-
ria. Seis medidas provisórias foram editadas
em menos de dois meses da publicação da Lei
13.979/20, que versa sobre providências para
enfrentamento da emergência de saúde públi-
ca de importância internacional decorrente do
coronavírus.
As medidas provisórias foram as seguintes:
a) Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020:
dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrenta-
mento do estado de calamidade pública reconheci-
do pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março
de 2020, e da emergência de saúde pública de im-
portância internacional decorrente do coronavírus
(covid-19), e dá outras providências;
b) Medida provisória 928, de 23 de março de 2020:
dentre outras prescrições, revoga o art. 18 da Medi-
da Provisória 927;
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Rocco Rosso Nelson e sabel Cristina Rosso NelsonDOUTRINA JURÍDICA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 665 I AGO/SET 2020
Com o fito de enfrentar os efeitos econô-
micos da pandemia e sua repercussão no que
tange aos empregos e renda, elencaram-se as
seguintes medidas possíveis a serem adotadas
pelos empregadores, conforme o art. 3º da 
927:
I – o teletrabalho;
II – a antecipação de férias individuais;
III – a concessão de férias coletivas;
IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V – o banco de horas;
VI – a suspensão de exigências administrativas em
segurança e saúde no trabalho;
VII – o direcionamento do trabalhador para quali-
ficação; e
VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
De todas essas medidas, sem dúvida, a mais
impactante e que acarretou uma indignação na-
cional foi a indicada no inciso VII supracitado,
que estava regulamentada no art. 18 da  927,
com a suspensão do contrato de trabalho pelo
prazo de até quatro meses para que o emprega-
do pudesse participar de curso de qualificação
profissional não presencial ofertado pelo em-
pregador, o que provocaria a suspensão do pa-
gamento do salário durante esse período1.
Entende-se a situação periclitante das em-
presas em um momento de paralisação econô-
mica, mas transferir o risco da atividade econô-
mica para o empregado, de sorte a suspender a
percepção dos seus salários em um período de
calamidade pública, é de uma imoralidade que
arrepia as normas constitucionais mais caras.
Em decorrência da repercussão negativa, tal
norma foi revogada no dia seguinte, pela Me-
dida Provisória 928, de 23 de março de 20202,
ou seja, o direcionamento do trabalhador para
qualificação foi excluído das possibilidades de
enfrentamento da covid-19 pelo empregador.
No parágrafo único do art. 1º da  927, tem-
-se o reconhecimento da pandemia como força
maior, nos termos do art. 501 da , ou seja,
ocorrendo a extinção da empresa ou de um dos
seus estabelecimentos, é possível a redução em
50% do valor da rescisão sem justa causa. Além
disso, seria lícita a redução dos salários em até
25%, respeitando o valor do salário mínimo (ar-
tigos 502 e 503 da ).
Já no bojo da Medida Provisória 936, de 1º de
abril de 2020, o viés do programa de manuten-
ção do emprego e renda consiste, conforme seu
art. 3º, na redução proporcional de jornada de
trabalho e de salários; suspensão temporária do
contrato de trabalho e pagamento de Benecio
Emergencial de Preservação do Emprego e da
Renda.
O grande detalhe é que foi prevista a redução
da jornada de trabalho e do salário através de
pactuação por acordo individual. Afira-se que a
referida pactuação macula o regramento cons-
titucional que proíbe a irredutibilidade do sa-
lário, salvo convenção ou acordo coletivo3, bem
como a exigibilidade de participação dos sindi-
catos nas negociações coletivas4.
Ponto que suscitou questionamentos no ,
via Ação Direta de Constitucionalidade 6.363,
proposta pelo Partido Sustentabilidade em re-
lação à  936, foi a possibilidade da realização
de acordo individual escrito entre empregado e
empregador, o qual poderia acarretar a redução
da jornada de trabalho e, consequentemente, o
valor a ser auferido no salário. Além disso, foi
questionada a suspensão temporária do contra-
to de trabalho, o que se daria com ausência de
negociação coletiva, ou seja, sem a obrigatorie-
dade de participação dos sindicatos, contrarian-
do regramento constitucional.
Há em tramitação pelo menos oito ações di-
retas de constitucionalidade (6.342, 6.344, 6.346,
6.348, 6.349, 6.352, 6.354, 6.375, 6.380) em relação
ao teor da Medida Provisória 927. Todavia, ne-
nhuma delas ainda foi julgada pelo pleno. Em
essência, questionam, também, o acordo indivi-
dual, a antecipação das férias, a compensação
de jornada e escalas de horas.
Seis medidas provisórias foram editadas em menos de dois meses da publicação
da Lei 13.979/20, que versa sobre providências para enfrentamento da emergência
de saúde públi ca de importância internacional decorrente do coronavírus
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