Relações sustentáveis de trabalho no contexto neoliberal globalizado: a psicodinâmica do trabalho é uma possibilidade? Entrevista com Christophe Dejours

AutorCarla Maria Santos Carneiro - Germano Campos Silva - Lila de Fátima Carvalho Ramos
Páginas19-28

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No dia primeiro de agosto do ano de 2016, o Fórum de Saúde e Segurança no Trabalho do Estado de Goiás promoveu a IV Edição do Projeto Repensar Gestão e Trabalho. Coordenado pelo Ministério Público do Trabalho da 18a Região, o qual havia recebido uma demanda por parte do Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações do Estado de Goiás e do Sindicato dos Bancários do Estado de Goiás visando ao combate ao assédio moral no trabalho, a IV edição do projeto foi realizada na forma de Audiência Pública no auditório do Teatro SESI na cidade de Goiânia — Goiás.

A Audiência Pública contou com a ilustre presença de Christophe Dejours, psicanalista, psiquiatra, médico do trabalho e ergonomista francês, autor da disciplina Psicodinâmica do Trabalho que, gentilmente, concordou em conceder a entrevista abaixo transcrita a Carla Maria Santos Carneiro, gravada ao final da tarde no saguão do Castro's Hotel.

Quais as implicações do sistema neoliberal para o mundo do trabalho?

As implicações são efetivamente muito importantes no sistema neoliberal. De um lado, um pensamento muito organizado e que ao mesmo tempo

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serve para dominar todos os elementos do sistema político, social e sistema técnico, claro!

E, efetivamente dentro do sistema neoliberal, tem um pensamento muito preciso sobre o trabalho. O sistema neoliberal materializou-se no mundo do trabalho numa forma bem focalizada, sob a forma do que se fala do domínio do trabalho na mudança de gestão.

A mudança de gestão é de certa forma o braço armado do neoliberalismo nas empresas. O modelo do neoliberalismo nas empresas privadas livra de concorrências.

Sobre a mudança de gestão que trata não somente das empresas privadas, mas também da vontade de introduzir a mudança de gestão no setor público, nos hospitais, nas universidades, nas escolas, na Justiça, por todo lado, instalar a mudança de gestão. Então, tem um efeito extremamente potente do neoliberalismo sobre a transformação do trabalho a partir do fim dos anos 80, que se torna muito sensível. Na virada do século, a partir do ano 2000, uma generalização desses modos de gestão transformou completamente e causou impacto.

E a Globalização, o que ela tem provocado nas relações de trabalho?

Então, a globalização tem um impacto nas relações de trabalho e é um impacto indireto. A mudança de gestão tem um efeito muito direto sobre o trabalho pela introdução de novos métodos como a avaliação individualizada de desempenho, a qualidade total, a terceirização e a precarização do trabalho, a deterioração do emprego e a automação da normatização das tarefas. É muito preciso e ataca diretamente a organização do trabalho.

A globalização tem efeitos indiretos porque a globalização é uma noção que leva ao nível macro a análise que, como clínicos do trabalho, nós podemos fazer, não é exatamente adaptada.

Eu não sou um especialista da economia mundial. Eu não sou um especialista do mercado. Então, o que eu posso lhe dizer sobre a globalização é um pouco das ideias comuns que circulam nos jornais, nos livros, nos tratados, nas publicações. E nós não temos uma análise direta sobre a globalização a partir da clínica do trabalho. A única coisa que temos claramente ao nível do trabalho, ele mesmo, a relação de trabalho, é que a globalização é de fato associada ao que chamamos de "governo pelo número".

É uma transformação muito importante, porque o modo como funcionava nossa sociedade antes da globalização era um funcionamento no qual

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havia Estados separados uns dos outros e cada Estado estava dotado de um conjunto de leis e um sistema judiciário que era diferente de um país para o outro. Havia então, até aí, uma forte presença do Estado nas relações de trabalho sob a forma do Direito do Trabalho, dos Direitos Sociais, como a França, por exemplo, profissões especializadas na segurança do trabalho nas empresas, o que se chama na França de Inspetores do Trabalho, e o equivalente na América Latina, como por exemplo, no Brasil. Há todo um dispositivo que vem do Estado. O Estado se apresentando como um terceiro entre os assalariados e os empregadores, o Juiz, a Lei.

A globalização chama-se "O Governo". É um governo pelas leis. A globalização tem tendência a diminuir o papel dos Estados. O aparelho do Estado é traduzido concretamente pela redução do Direito do Trabalho. A luta do neoliberalismo com a presença de um terceiro, o Estado, nas relações de trabalho.

E, ao contrário, não é mais em direção a um governo pelas leis, mas um governo pelos números. Em uma palavra, não é mais o governo que governa, não é mais a lei, são os números. Os números significam que tudo o que...

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