Remédios constitucionais

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas385-507
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REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
9.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
No Capítulo 6, vimos a diferença entre direito e garantia fundamental: o primeiro, com
caráter declaratório, imprime existência; a segunda, por sua vez, traz disposições assecura-
tórias. Como exemplo de direito fundamental, citamos aquele previsto no artigo 5º, inciso
IV, da Constituição Federal, que declara que “é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato”. Já como exemplo de garantia fundamental, citamos aquela prevista
também no artigo 5º, de nossa Lei Magna, só que constante de seu inciso V, que assegura “o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem”.
Também vimos naquela oportunidade que, se a garantia não se mostrar capaz de as-
segurar o exercício dos direitos constitucionais, num dado caso concreto, o cidadão teria à
sua disposição um meio processual próprio para torná-lo efetivo, o chamado remédio cons-
titucional, espécie do gênero ação constitucional, e que alguns doutrinadores denominam
garantia instrumental ou formal.
O Capítulo que ora se inicia tem por objetivo justamente estudar cada um daqueles
remédios constitucionais. Procuraremos trazer informações sobre sua gênese, fundamento
constitucional e legal, hipóteses de cabimento, legitimação ativa e passiva, principais re-
gras processuais que os disciplinam, explicitando, ainda, as súmulas do Supremo Tribunal
Federal que tratam de cada um deles.
9.2 ELENCO DOS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição de 1988 possui, em seu corpo, 6 (seis) remédios constitucionais ex-
pressos, a saber: habeas corpus, mandado de segurança individual, ação popular, mandado
de segurança coletivo, mandado de injunção e habeas data, sendo, estes 3 (três) últimos,
novidades trazidas ao direito pátrio pela atual Carta Magna, com vistas ao aperfeiçoamento
e ampliação da defesa da pessoa em face das arbitrariedades estatais.
O habeas corpus tem previsão constitucional no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constitui-
ção Federal. Segundo referido dispositivo, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder”.
O mandado de segurança individual, por sua vez, tem previsão expressa no artigo 5º,
inciso LXIX, de nossa Lei Maior. Eis os seus termos: “conceder-se-á mandado de segurança
para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando
o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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O mandado de segurança coletivo está previsto expressamente no artigo 5º, inciso LXX,
da Lei Magna de 1988, que confere sua impetração a: (a) partido político com representação
no Congresso Nacional; (b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmen-
te constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados.
O mandado de injunção encontra-se previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição
Federal, o qual determina que “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de
norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Já o habeas data tem previsão constitucional no artigo 5º, inciso LXXII, da Carta Magna,
que dispõe ser cabível referido remédio constitucional: “a) para assegurar o conhecimento
de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados
de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retif‌icação de dados, quando
não se pref‌ira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”.
Por f‌im, a ação popular, com previsão no artigo 5º, inciso LXXIII, de nossa Lei Maior,
dispõe que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, f‌icando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Contudo, é imperioso ressaltar, a título de esclarecimento, que o rol dos remédios cons-
titucionais não se restringe àqueles supramencionados, expressamente elencados no Título
II, artigo 5º, da Constituição de 1988, uma vez que, conforme disposto no artigo 5º, § 2º,
da Constituição Federal, além dos expressos, há também outros implícitos, decorrentes do
próprio sistema constitucional.
Podemos citar, a título de exemplo, o mandado de injunção coletivo. Com efeito, diversos
julgados, inclusive do Pretório Excelso, já vinham admitindo a admissibilidade de mandado
de injunção coletivo1. E agora, essa realidade encontra-se consolidada com a edição da Lei
13.300, de 23 de junho de 2016, que regulamentou não só o mandado de injunção indivi-
dual, conforme disposto na Constituição Federal, como também o mandado de injunção
coletivo, que não está expressamente previsto no texto constitucional.
Outro remédio constitucional que não está expressamente relacionado no artigo 5º,
da Constituição Federal, mas que se trata, inequivocamente, de uma ação constitucional
desta espécie, já que também tem por objeto garantir efetividade a direitos e garantias fun-
damentais, é a ação civil pública, com previsão expressa no texto constitucional, no artigo
129, inciso III, da Carta Magna vigente.2 Compartilha deste entendimento, por exemplo,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho.3
1. É o caso do que restou explicitado no Mandado de Injunção 20 (RTJ-166/751), no Mandado de Injunção 73 (RT J-160/743)
e também no Mandado de Injunção 363 (RTJ-140/1036). No mesmo sentido, vide a ementa do Mandado de Injunção
102/PE, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pombos, relatado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello,
julgado em 12.2.1998, publicado no Diário da Justiça do dia 25 de outubro de 2002, cuja redação vale ser transcrita, nesta
oportunidade: “Constitucional. Mandado de Injunção Coletivo. Sindicato: Legitimidade Ativa. Participação nos Lucros:
CF, art. 7º, XI. I. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad causam aos sindicatos
para a instauração, em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção coletivo. II. – Precedentes:
MMII 20, 73, 342, 361 e 363. III. – Participação nos lucros da empresa: CF, art. 7º, XI: mandado de injunção prejudicado
em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art. 7º, XI, da CF” (grifou-se).
2. Constituição Federal, artigo 129: “São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
3. Op. cit., p. 325.
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9 • REmédIoS CoNStItuCIoNAIS
Da relação dos remédios constitucionais, ou garantias instrumentais, o habeas corpus,
o mandado de segurança individual, o mandado de injunção individual e o habeas data des-
tinam-se à tutela de direitos e garantias individuais, ao passo que o mandado de segurança
coletivo, a ação popular, o mandado de injunção coletivo, e a ação civil pública, têm por
escopo a tutela dos chamados interesses transindividuais ou metaindividuais.
Feitos esses breves esclarecimentos preliminares, em que explicitamos cada uma das espécies
de remédios constitucionais, passaremos a estudar a seguir, de maneira um pouco mais detida,
cada uma daquelas ações constitucionais, trazendo informações sobre suas origens, fundamentos
constitucionais e legais, hipóteses de cabimento, legitimações ativas e passivas, principais regras
processuais que os disciplinam e outras informações que reputemos importantes.
ELENCO DOS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
Habeas corpus: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).
Mandado de segurança individual: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado
por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (artigo 5º, inciso LXIX, da Carta Magna).
Mandado de segurança coletivo: “O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com represen-
tação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona-
mento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados” (artigo 5º, inciso LXX, da Lei Maior).
Mandado de injunção: “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”
Habeas data: “Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”; e “b) para a reticação de dados,
quando não se prera fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo” (artigo 5º, inciso LXXII, da Lei Fundamental).
Ação popular: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
cando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (artigo 5º, inciso LXXIII, da
Ação civil pública: “São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (artigo 129, da Lei Maior).
9.3 HABEAS CORPUS
A origem do habeas corpus é do direito inglês, tendo surgido na Idade Média, com a edição
da famosa Magna Charta Libertatum, ou simplesmente Magna Carta, em 1.215. Como vimos no
Capítulo 1 deste livro, a Magna Carta tratou-se de um pacto (de um daqueles famosos antece-
dentes das constituições escritas), celebrado entre o Rei João-Sem-Terra e seus súditos rebelados,
tendo por objeto a f‌ixação de limites à atuação do monarca, sobretudo concedendo ao povo um
conjunto de direitos individuais, para protegê-los de eventuais arbitrariedades estatais.
No direito inglês4, o habeas corpus somente foi formalizado expressamente, com a
expressão latina que o consagrou, através do Habeas corpus act, de 1679. Do direito britâ-
4. A despeito de sua origem britânica, o instituto tornou-se largamente conhecido por meio da expressão latina habeas
corpus, extraída da seguinte frase, já vertida para o português: “tomes o corpo do detido e venhas submeter ao tribunal
o homem e o caso”.
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