Renda básica, cidadania, direitos humanos e mínimo existencial

AutorEduardo Cambi
CargoPromotor de Justiça
Páginas213-228
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XVI – n. 21 – Maio 2021
Renda básica, cidadania, direitos humanos e
mínimo existencial
Eduardo Cambi
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Promotor de Justiça
Resumo: A ausência de regulamentação da Lei 10.835/04,
que prevê a renda básica de cidadania, suscita o debate
sobre a importância de se assegurar um mínimo existencial
como pressuposto para o exercício da cidadania e respeito
aos direitos humanos. A questão trazida no Mandado de
Injunção 7.300/DF é de grande importância na efetivação
pelo Poder Judiciário da dignidade humana, protegida na
Constituição da República e em diversos tratados de direitos
humanos de que o Brasil é signatário.
. A L ./       como
um direito de todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros
há pelo menos cinco anos no Brasil, cujo benefício deve ser igual
para todos e suciente para atender as despesas mínimas de cada
pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando o grau de
desenvolvimento do país e as possibilidades orçamentárias (art. 1º,
caput e § 2º).
No entanto, essa lei não foi regulamentada pelo Poder Executivo,
o que motivou o ajuizamento do Mandado de Injunção 7.300/DF pela
Defensoria Pública da União. O relator ministro Marco Aurélio, no
início de março de 2021, julgou procedente o pedido, ao considerar
que “a reserva do possível não pode limitar direitos básicos, entre os
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quais os aqui versados, nem privar o indivíduo de dignidade conside-
rado o mínimo existencial, sob pena de esvaziar a própria força nor-
mativa da Constituição Federal”.
Ficou estabelecido, a partir de analogia ao art. 20, § 3º, da Lei
8.742/93 (renda familiar per capta inferior a um quarto do salário
mínimo), à luz do art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal, e até que
sobrevenha regulamentação pelo Executivo, a renda básica de cida-
dania em valor correspondente ao salário mínimo, xando, a teor do
art. 8º, inc. II, da Lei 13.300/16, o prazo de 1 ano para a edição, pelo
Presidente da República, da norma regulamentadora2.
O julgamento foi suspenso, pelo pedido de vista do ministro
Gilmar Mendes, e até o momento da entrega deste texto ainda não
havia sido concluído.
2. Por que a renda básica é uma conquista importante para o exer-
cício da cidadania? A resposta a esta pergunta passa pela compreen-
são do conceito de cidadania. Também gera uma outra questão: qual
é a importância deste tema para os direitos humanos?
Os direitos humanos pressupõem o direito a ter direitos. A cida-
dania não é apenas um fato ou um meio, mas também um princípio.
Isso porque, conforme Hannah Arendt, a privação da cidadania afeta,
substancialmente, a condição humana3. O ser humano privado de seu
estatuto político perde a sua substância, que é ser tratado pelos outros
como semelhante4.
Os direitos humanos se fundamentam no exercício da cidadania
por meio de uma dupla distinção ontológica: a igualdade e a diferen-
ça5. O discurso e a ação são condições da pluralidade humana: se as
pessoas não fossem iguais, não poderiam se entender; e se não fossem
diferentes, não precisariam nem da palavra nem da ação para comu-
nicarem-se, pois ruídos já seriam sucientes para isso. É a diferença,
na esfera privada, e a igualdade, no espaço público, que caracterizam
a pluralidade humana.
Neste aspecto, perder o acesso à esfera pública é estar privado da
igualdade, o que torna sem sentido os direitos humanos, uma vez que,
quando a pessoa não vivencia a sua condição política na comunidade,
resta-lhe apenas o âmbito da vida privada. Não é por acaso que os na-

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