Reparações e direitos econômicos, sociais e culturais

AutorNaomi Roht-Arriaza
Páginas350-412
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
Reparações e direitos econômicos,
sociais e culturais
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Em suas duas primeiras décadas, a agendada
justiça transicional focalizou-se centralmente em viola-
ções de direitos básicos à integridade física. Os pro-
gramas iniciais de reparações também responderam a
esse restrito conjunto de violações: reparações foram
pagas por conta dos mortos, mas apenas mais relutan-
temente aos vivos, em lugares como Chile ou Argenti-
na. Reparações, tanto por meio das cortes, quanto por
meio de programas administrativos dos governos,
eram geralmente limitadas, quando sequer providas, a
compensações pecuniárias por mortes, desaparecimen-
tos, tortura, detenções arbitrárias ou exílios injustifica-
dos, e na forma de serviços de saúde e educação aos
sobreviventes e às famílias de vítimas de tais violações.
Em 2012, mais e mais vozes estão conclamando
às autoridades políticas para que deem atenção a um
conjunto mais amplo de violações de direitos, no que
! Professora de Direito, Universidade da Califórnia, Hastings College
of Law. Esse artigo foi publicado originalmente em SHARP, Dustin
(editor). Transitional justice and economic violence. Springer Books, 2013 e
gentilmente cedida pela autora a tradução e publicação em português
aos organizadores do livro. Tradução: Lucas de Oliveira Gelape,
Mariana Rezende Oliveira e Jessica Holl. Revisão da tradução: Emilio
Peluso Neder Meyer.
Reparações e direitos econômicos, sociais e culturais
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tange à justiça transicional. Isso se deve, em parte, à
contínua fragilidade dos países pós-conflitos e pós-
ditaduras, nos quais a marginalização econômica e so-
cial estimula a violência contínua e desencoraja o entu-
siasmo pela reforma democrática. As esperanças inici-
ais de que julgamentos e comissões da verdade focadas
em crimes centrais e violações de direitos civis e políti-
cos conduziriam a democracias robustas e inclusivas
têm se mostrado, não surpreendentemente, mais com-
plicadas. Críticos, incluindo muitos de países que im-
plementaram uma ou mais medidas de justiça transici-
onal, começaram a notar que, apesar da abundância de
medidas dessa natureza, a vida cotidiana da maioria
havia pouco mudado ou mesmo se tornado pior. A
crítica à justiça transicional como demasiadamente “de
cima para baixo”, por demais conduzida pela elite e
muito suscetível a doadores ao invés de prioridades
locais, fundiu-se com um sentido de que a ênfase nos
direitos civis e políticos na justiça transicional reflete os
privilégios que esses recebem no discurso ocidental de
direitos.
Há agora um reconhecimento de que a justiça é
mais ampla do que apenas a justiça criminal e que ana-
lisar a raiz das causas dos conflitos é componente cha-
ve da busca pela verdade. A visão predominante insis-
te que direitos econômicos e sociais devem ser devi-
damente considerados tanto no que tange às violações,
quanto em suas reparações. Ampliar a agenda da justi-
Houve algumas defesas iniciais de uma visão mais ampla da justiça
transicional para incluir direitos econômicos, sociais e culturais (ESC).
Um trabalho seminal sobre a necessidade de distribuição ao longo da
justiça reparatória foi MANI, Rama. Beyond Retribution: seeking justice
in the shadows of war. Cambridge: Polity Press, 2002. Outro esforço
inicial para conectar impunidad e e reparação para direitos ESC, embo-
ra não explicitamente no contexto da justiça transicional, está em
UNITED NATIONS SUB-COMMISSION ON THE PROMOTION
AND PROTECTION OF HUMAN RIGHTS. Final Report on the
Question of the Impunity of Perpetrators of Hu man Rights Violations
(Economic, Social and Cultural rights). (E/CN.4/Sub.2/1997/8). 1997.
Naomi Roth-Arriaza
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ça transicional para que esta considere a violência eco-
nômica apresenta desafios específicos para a teoria e a
prática das reparações.
Os Estados onde as reparações são necessárias
são, geralmente, pobres, com muitos desafios simultâ-
neos e poucos recursos. Eles enfrentam a falta de infra-
estrutura adequada e oportunidades de emprego, ofer-
ta intermitente ou não existente de serviços básicos e
sistemas políticos caracterizados por clientelis-
mo/apadrinhamento, tensões étnicas e/ou frágeis
acordos pós-conflito. O número de víti-
mas/sobreviventes chega a dezenas ou mesmo cente-
nas de milhares, com necessidades agudas e variadas.
Vários desses Estados recebem quantidades significati-
vas de ajuda externa, mas tais ajudas tendem a ser por
curto prazo e inconstantes. As causas subjacentes de
conflitos armados tendem a ser tanto estruturais e rela-
cionadas a recursos pecuniários quanto ideológicas.
Ainda que haja considerável apoio à ideia de
que a justiça transicional precisa, de forma geral, lidar
mais centralmente com direitos econômicos, sociais e
culturais (direitos ESC), não está claro como as repara-
ções encaixam-se nesse cenário. Por um lado, se direi-
tos ESC devem ser assunto de investigações, relatórios
e recomendações de comissões da verdade# e promoto-
res devem promover ações penais ao menos pelas vio-
lações de direitos ESC que também violam o Direito
Humanitário, então seguir adiante com algum tipo de
reparação seria necessário para dar uma expressão
concreta à busca pela verdade e ao reconhecimento de
# Ver o capítulo de Sharp na obra SHARP, Dustin (ed.). Transitional
justice and economic violence. New York: Springer Books, 2013, para uma
discussão de como recentes comissões da verdade, incluindo aquelas
da Libéria, Serra Leoa, Timor Leste e de outros países têm lidado com
violações de direitos ESC.
SCHMID, Evelyne. “War Crimes Related to Violations of Economic,
Social and Cultural Rights.” Heidelberg Journal of International Law, v.
71, n. 3, 2011. p. 540.

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