A repercussão geral em matéria tributária no STF: efeitos da decisão perante a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

AutorDaniel Prochalski
Páginas165-185

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Ver Nota1

1. Introdução

A atual evidência do Supremo Tribunal Federal, como protagonista dos grandes e polêmicos debates nacionais, tem ainda maior relevo no campo do direito tributário. Assim, o presente trabalho analisará o mecanismo da repercussão geral, incluído na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional 45/2004 como critério de admissibilidade do recurso extra-ordinário, procurando verificar quais são os parâmetros utilizados pelo STF para definir, em matéria tributária, quando este requisito restou devidamente preenchido, para então seguir-se com a apreciação do mérito recursal.

Regina Helena Costa registra que, em breve levantamento com dados apresentados pelo STF, é clara a predominância do reconhecimento da repercussão geral em matéria tributária. Inicialmente, dos quarenta casos de repercussão geral reconhecida e com mérito julgado, catorze foram tributários, correspondendo a 35%. Quanto aos 135 casos com repercussão geral reconhecida e com mérito pendente de julgamento, 56 são sobre matéria tributária, equivalendo a expressivos 42%. Já para os dezessete casos de repercussão geral reconhecida, mediante jurisprudência reafirmada para aplicação dos arts. 543-A e 543-B do CPC, três versam sobre matéria tributária, 18% portanto. Por fim, de 73 casos de repercussão geral rejeitada, apenas dez tratavam de matéria tributária. “Forçoso reconhecer, portanto, que a repercussão geral possui grande conexão com o domínio tributário, por revelar-se este

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extremamente fértil ao reconhecimento de questões que extrapolam os interesses subjetivos da causa.”2A regulamentação do tema (repercussão geral) se deu através da inclusão, pela Lei 11.418/06, dos arts. 543-A e 543-B no Código de Processo Civil, bem como dos seguintes dispositivos do regulamento interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF): art. 13 (alterado pelas ERs 24/2008, 29/2009 e 41/2010); arts. 21, 340 e 341; ERs 41/2010 e 42/2010; arts. 38, 57, 59, 60, 67, 78, 323-A e 325-A, redação dada pela ER 42/2010; arts. 322-A e 328, alterados pela ER 21/2007, art. 324; ERs 31/2009 e 41/2010 e art. 328-A, com a redação da ER 23/2008 e da ER 27/2008. Regula o tema ainda a Portaria n. 138/2009 da presidência do STF.

A pesquisa ora realizada buscará analisar, assim, o conteúdo e as consequências da repercussão geral. Dessas consequências, o foco estará voltado para o atendimento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral em matéria tributária, pela Fazenda Pública federal, ou seja, pela Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Tal análise terá como pressuposto o previsto no inciso IV e nos parágrafos 4º, 5º e 7º do art. 19 da Lei 10.522/02, todos com redação dada pelo art. 21 da Lei 12.844/13.

Segundo o mencionado inciso IV do art. 19, a

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional fica autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.

O inciso V do mesmo artigo 19 estabelece regra equivalente para as decisões desfavoráveis à Fazenda Nacional proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, nos termos dos art. 543-C do Código de Processo Civil, excepcionadas as matérias “que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal”. No entanto, em que pese a relevância também deste inciso V para o tema da vinculação do fisco federal aos precedentes judiciais, desde já esclarecemos, em virtude do corte metodológico, que este artigo centrará sua análise nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no regime da repercussão geral.

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E os parágrafos 4º, 5º e 7º do art. 19 estabelecem regras da maior relevância, ao determinarem que a Receita Federal do Brasil não constituirá ou, se já constituídos, deverá rever de ofício os créditos tributários relativos às matérias já objeto de decisões proferidas em sede de repercussão geral, pelo STF, ou em recurso repetitivo, pelo STJ, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Em síntese, o artigo que nos propusemos escrever trata do recente regime jurídico que impõe a observância, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Receita Federal do Brasil, das decisões proferidas pelo STF em sede de repercussão geral em matéria tributária, revelando uma nova perspectiva para o princípio da legalidade tributária no ordenamento jurídico brasileiro.

2. Segurança jurídica: repercussão geral

O tema da repercussão geral está inserido no contexto da “relação existente entre segurança jurídica e jurisprudência”. A segurança jurídica tem lastro nos valores fundamentais da isonomia e legalidade, e sua aproximação com a jurisprudência manifesta-se mediante três ideias: estabilidade, irretroatividade e uniformidade3.

A estabilidade significa que “a jurisprudência deve sinalizar aquilo que será o entendimento a vigorar para o futuro, constituindo um indicativo dos comportamentos que devem ser adotados, que serão considerados legítimos”. O objetivo da estabilidade é evitar as oscilações na orientação adotada pelos órgãos jurisdicionais4.

A irretroatividade, em virtude do que dispõe o art. 5º, XXXVI, da CF/88, significa que não apenas a lei mas também os atos que resultam de sua aplicação, como os atos administrativos e as decisões judiciais, devem respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada5.

A uniformização remete à isonomia, posto que soluções uniformes são isonômicas, o que se traduz em um tratamento justo. Para o tema da repercussão geral, é relevante a uniformidade da jurisprudência6.

Uma das tônicas das várias alterações constantes da reforma promovida no Código de Processo Civil é justamente a uniformização jurisprudencial, o que se verifica na implantação de mecanismos como a súmula vinculante, o regime jurídico dos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça e, em particular, o instituto da repercussão geral no recurso extraordinário7.

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3. Repercussão geral

A EC 45/2004, tentando estabelecer um filtro recursal no STF, incluiu entre os pressupostos de admissibilidade dos recursos extraordinários a exigência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, regulada mediante inclusão de dispositivos no CPC e no RISTF8.

Repercutir (ultrapassar, reverberar), bem como a noção de repercussão geral, é um conceito jurídico indeterminado (elástico, impreciso). Como se sabe, tais conceitos, embora tenham um conteúdo preciso (núcleo conceitual), apresentam uma zona de incerteza, também conhecida como “halo conceitual”, “zona de penumbra” ou ainda “zona de dúvida”. A partir disso, Regina Helena Costa questiona se o STF está autorizado a decidir, de forma discricionária, quais recursos extraordinários devem ser admitidos9.

Os conceitos indeterminados podem ser classificados, segundo sua natureza, em duas categorias: os conceitos de experiência e os conceitos de valor, com reflexos na questão da discricionariedade. Esta se entende pela “liberdade concedida pela lei ao seu aplicador, para que ele, segundo critérios de conveniência e oportunidade, possa escolher, dentre mais de uma solução possível, aquela que entenda mais justa no caso concreto”. Assim, para saber se o STF exerce competência discricionária ao reconhecer ou não a existência de repercussão geral, antes é preciso concluir se este conceito é de experiência ou valor10.

O conceito de experiência refere-se a objetos sensíveis, o que remete a uma ideia técnica e, portanto, “uma vez apreciado e esgotado o processo interpretativo, o aplicador chegará a uma única solução para o caso concreto”. Os conceitos de experiência não conferem a “margem de apreciação subjetiva” que pode ser revelada pelos conceitos de valor, pois esses últimos envolvem sentimentos e desejos, como são, por exemplo, os conceitos de “força irresistível” e “incapacidade da pessoa física”, posto que é possível determinar os primeiros tecnicamente11.

Por sua vez, é mais difícil definir os conceitos de valor, tais como a “boa-fé”, “justo preço”, “justa indenização”, pois mesmo após esgotado o seu processo interpretativo pode remanescer uma margem de apreciação subjetiva, a qual se traduz em discricionariedade12.

Diante disso, temos que a razão está com Regina Helena Costa, a qual entende que “repercussão geral” é um conceito de experiência, uma vez ser possível identificar quando a causa produzirá repercussão e transcenderá os

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interesses subjetivos das partes13. Assim, cuida-se de uma apreciação técnica, não havendo espaço para discricionariedade. Em matéria tributária, essa afirmação é confirmada, uma vez que o STF tem necessariamente reconhecido a repercussão geral quando há declaração de inconstitucionalidade de lei federal ou tratado pelo tribunal de origem, bem como nos casos envolvendo matéria tributária federal. Estes são aspectos técnicos que indicam a transcendência de interesses, pelo que o STF não tem a oportunidade e a conveniência para decidir pelo reconhecimento ou não da repercussão geral, ainda que esta seja um conceito jurídico indeterminado.

A preliminar formal de repercussão geral da questão constitucional é requisito de admissibilidade para os recursos extraordinários interpostos em face de acórdãos publicados a partir de 3 de maio de...

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