Representação à comissão de valores mobiliários ? CVM (PTM de araraquara ? PRT 15ª região)

Páginas498-522

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A ILUSTRÍSSIMA SENHORA MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANA, PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria do Trabalho no Município de Araraquara, pelo Procurador do Trabalho que esta subscreve, na condição de membro da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, lotado na Procuradoria do Trabalho no Município de Araraquara, com endereço na R. Padre Duarte, n. 151, 6e andar, Edifício América, Jardim Nova América, Araraquara-SP, CEP 14800-360, vem perante V. Sa., respeitosamente, oferecer a presente REPRESENTAÇÃO para apuração de infração grave à Lei n. 6.385/1976 e à Instrução CVM n. 480/2009, em face das seguintes empresas de capital aberto do setor da construção civil:

MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., CNPJ n. 08.343.492/ 0001-20, com endereço na Avenida Raja Gabaglia, 2720, 3e andar, bairro Santa Lucia, Belo Horizonte/MG, CEP 30350-540;

GAFISAS.A., CNPJ n. 01.545.826/0001 07, com endereço na Av. Das Nações Unidas, n. 8501, 19e andar, bairro Pinheiros, São Paulo/SP, CEP 05677-070;

PDG REALTYS.A. EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, CNPJ n. 02.950.811/0001-89, com endereço na Av. Brigadeiro Faria Lima, n. 3729,10e andar, bairro Jd. Paulista, São Paulo/SP, CEP 04538-133;

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CYRELA BRAZIL REALTY S.A. EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, CNPJ n. 73.178.600/0001-18, com endereço na Avenida Engenheiro Roberto Zucolo, n. 555, 1e andar, bairro Vila Leopoldina, São Paulo/SP, CEP 05307-190;

BROOKFIELD INCORPORAÇÕES S.A., CNPJ n. 07.700.557/0001-84, com endereço na Avenida das Nações Unidas, 14.171,14e andar, Torre B, São Paulo/SP, CEP 04794-000, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

1) Dos fundamentos fáticos e jurídicos

Como forma de dar cumprimento ao previsto no art. 21, § 6e, da Lei n. 6.385/ 1976, a Comissão de Valores Mobiliários editou a Instrução n. 480, de 7 de dezembro de 2009, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários, bem como sobre as informações que necessitam ser prestadas, à CVM e aos investidores, como condição à obtenção de tal registro.

Entre tais requisitos figura o preenchimento e publicização do Formulário de Referência a que se refere o Anexo 24 da Instrução, com a disponibilização pormenorizada de informações relevantes, inclusive sobre os riscos experimentados pela empresa, que possam influenciar a decisão do investidor.

Entre as informações que devem constar no Formulário de Referência estão, na forma da Instrução n. 480, as seguintes:

Fatores de risco

Descrever fatores de risco que possam influenciar a decisão de investimento (...):

Descrever os processos judiciais, administrativos ou arbitrais em que o emissor ou suas controladas sejam parte, discriminando entre trabalhistas, tributários, cíveis e outros: (i) que não estejam sob sigilo, e (ii) que sejam relevantes para os negócios do emissor ou de suas controladas, indicando:

a. juízo

instância

data de instauração

partes no processo

valores, bens ou direitos envolvidos

principais fatos

se a chance de perda é:

i. provável

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possível

remota

análise do impacto em caso de perda do processo

valor provisionado, se houver provisão.

Como forma de instruir as empresas quanto ao correto preenchimento do Formulário, foi pela CMV expedido o Ofício-Circular CVM/SEP n. 3/2012, o qual esclarece que:

Para um melhor entendimento por parte dos investidores, as informações devem ser organizadas por natureza (administrativa, cível, trabalhista, tributária e outros). A descrição de cada um dos processos deverá ser apresentada em formato de tabela, de acordo com o modelo abaixo.

(...)

A relevância deverá ser aferida pelo emissor levando em consideração a capacidade que a informação teria de influenciar a decisão de investimento.

Na avaliação da relevância, o emissor não deverá se ater somente à capacidade do processo de impactar de forma significativa seu patrimônio, sua capacidade financeira ou seus negócios, ou os de suas controladas, devendo ser considerados outros fatores que poderiam influenciar a decisão do público investidor, como, por exemplo, os riscos de imagem inerentes a uma certa prática do emissor ou riscos jurídicos relacionados à discussão da validade de cláusulas estatutárias.

(...)

Quanto aos 'principais fatos' (letra 'f'), devem ser oferecidas, em linguagem clara e objetiva, todas as informações necessárias para que os investidores possam compreender a causa discutida pelas partes, sua relevância para o emissor ou suas controladas e a situação em que se encontra o processo. Assim sendo, deverão ser informados os principais atos processuais ou administrativos ocorridos, com as respectivas datas e síntese das decisões, contendo suas motivações, de modo a que o usuário da informação possa formar seu próprio juízo de valor.

A análise do impacto em caso de perda do processo, requerida na letra 'h', deverá ser feita sem omissão de informações relevantes, devendo ser demonstrado o montante das perdas referentes aos processos relevantes e seus possíveis impactos na situação financeira e patrimonial do emissor ou de suas controladas ou sobre seus negócios.

Destaca-se, ainda, o disposto no art. 60 da Instrução n. 480, segundo o qual:

"Art. 60. Constitui infração grave para os efeitos do § 3e do art. 11 da Lei n. 6.385, de 1976:

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I — a divulgação ao mercado ou entrega à CVM de informações falsas, incompletas, imprecisas ou que induzam o investidor a erro."

Vale dizer, o preenchimento falso, incompleto ou impreciso do Formulário de Referência, dentre outros documentos exigidos pela Instrução, constitui infração grave, suscitando a aplicação das penas a que se refere o art. 11 da Lei n. 6.385.

Ocorre que a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho estão a evidenciar a ocorrência, nos últimos quatro anos, de uma sensível deterioração das condições de trabalho no setor da construção civil, com a repetição e recrudescimento de ilícitos trabalhistas graves, chegando à submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo e ao aliciamento de trabalhadores, problemas que não ocorriam ou eram bastante raros no passado nesse setor econômico.

Apenas no ano de 2011 foram resgatados pelos órgãos de fiscalização 271 (duzentos e setenta e um trabalhadores), submetidos a condições degradantes, análogas às de escravo, de obras da construção civil em todo o país, conforme dados compilados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (doc. VI: "Quadro das operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel"). A propósito, desses 271 trabalhadores resgatados em 2011, 74 deles foram encontrados em obras da MRV Engenharia (nos estados do Paraná e São Paulo: ações fiscais identificadas pelos ns. 27 e 86 no doc. VI(1)).

É indicativo da crescente — e muito preocupante — deterioração das condições de trabalho nesse setor o fato de que, apenas nos cinco primeiros meses de 2012 (de janeiro a maio), já terem sido resgatados em um único estado da federação (em São Paulo) quase duzentos trabalhadores, que se encontravam submetidos a condições de trabalho e de alojamento incompatíveis com a dignidade humana, como referem as reportagens em anexo (doc. VII).

Diante desse quadro, e na busca de alternativas que contribuam para revertê-lo, tomou o Ministério Público do Trabalho a iniciativa de proceder à análise dos últimos Formulários de Referência apresentados pelas cinco maiores empresas do setor da construção de prédios do Brasil(2), que são exatamente as cinco representadas: MRV, Gafisa (incluindo sua controlada, a Tenda), PDG, Brookfield e Cyrela.

A análise dos Formulários, disponibilizados por essas empresas em suas páginas na internet (docs. I a V, extraídos dos sites corporativos em maio de 2012), permite aferir que as determinações emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários estão sendo sumariamente descumpridas, no que diz respeito à prestação de informações relevantes relacionadas a riscos trabalhistas.

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De fato, todas as cinco companhias suprimem, em maior ou menor grau, informações extremamente importantes, fundamentais à formação da opinião do investidor. Em especial, omitem as representadas dados sobre a existência e o resultado de processos judiciais e processos ministeriais de natureza trabalhista, ocultando situações dotadas de grande repercussão sobre a dinâmica de seus negócios e, consequentemente, a obtenção dos resultados financeiros.

Dos Formulários analisados, o da MRV é, sem sombra de dúvida, o pior, eis que suprime informações absolutamente centrais aos negócios da empresa. Nesse sentido, o documento silencia por completo, como será visto, quanto à existência de procedimentos administrativos que poderão, futuramente, redundar na proibição de acesso pela empresa a qualquer financiamento público, inclusive aqueles vinculados à Caixa Econômica Federal, aos quais se referem mais de 80% das operações da companhia.

De outra parte, o Formulário da Gafisa é o melhor, sendo o único que apresenta uma relação de processos, em forma de tabela, considerados relevantes e pelos quais responde a empresa. Não obstante isso, também apresenta omissões importantes, e adota critério de definição da relevância do que será informado sumamente contraditório.

Veja-se que ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho possuem, via de regra, significativa repercussão na vida de uma empresa. Afinal, na maioria dos casos, e mais ainda em se tratando de empresas do setor da construção civil, exige-se o cumprimento, por prazo indeterminado (portanto sem limitação de tempo), de normas de saúde e segurança do trabalho, sob pena de multas com valor expressivo, além de indenizações coletivas vultuosas.

Em se...

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