Representações - captação indevida de sufrágio

AutorAmaury Silva
Ocupação do AutorJuiz Eleitoral no Estado de Minas Gerais. Professor na área jurídica - Graduação e Pós-Graduação
Páginas214-235

Page 214

A captação de sufrágio constitui uma espécie de abuso de poder político ou econômico, conforme definição pormenorizada sob a ótica da corrupção eleitoral no art. 41-A, Lei 9.504/97.

Adota-se o disposto no art. 22, LC 64/90, isto é, é desempenhado o mesmo rito da AIJE, sem prejuízo de o fato constituir ilícito com relação à propaganda eleitoral, desafiando a reclamação ou representação que irá ser deflagrada à luz do procedimento específico dos arts. 96 e seguintes da Lei 9.504/97.

O provimento para a hipótese de acolhimento da pretensão de investigação é a cassação do registro ou diploma e a imposição de multa ao infrator.

Há se apontar que a captação ilícita de sufrágio traz ínsita a sanção de inelegibilidade, como decorrência da norma constitucional do art. 14, § 9º, CF. Durante algum tempo vigorou discussão a esse respeito, que se dá por superada pela linear projeção da jurisprudência. Nessa compreensão, aplicam-se, inclusive, os novos parâmetros da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), ao aumentar o período de inelegibilidade.

"RO - Recurso Ordinário nº 437764 - Brasília/DF

Acórdão de 17/11/2011

Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA Publicação:

DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 232, Data 09/12/2011, Página 34-35

Ementa:

RECURSO ORDINÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. DEPUTADO DISTRITAL. COMPRA DE VOTOS. COAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS. MANUTENÇÃO. ABUSO DE PODER. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. INCIDÊNCIA. LC Nº 135/2010. RECURSOS ESPECIAIS PREJUDICADOS. ASSISTENTES SIMPLES. DESISTÊNCIA. RECURSO.

Page 215

ASSISTIDO.

  1. A utilização da estrutura de empresa de considerável porte para a realização de campanha eleitoral em favor de candidato, mediante a convocação de 1.000 (mil) funcionários para reuniões nas quais houve pedido de votos e disponibilização de material de propaganda, bem como a distribuição posterior de fichas de cadastros nas quais cada empregado deveria indicar ao menos dez pessoas, configura abuso do poder econômico, com potencial lesivo ao pleito eleitoral.

  2. Tais condutas também configuram captação ilícita de sufrágio, na linha de entendimento da Corte, com ressalva do ponto de vista do relator.

  3. Aplica-se o disposto no art. 22, XIV e XVI, da LC nº 64/90, com a redação da LC nº 135/2010, que estabelece a pena de cassação por abuso de poder, independente do momento em que a ação for julgada procedente, e aumenta o prazo de inelegibilidade de 3 (três) para 8 (oito) anos.

  4. Não incide na espécie o princípio da anterioridade legal insculpido no art. 16 da Constituição Federal, uma vez que o dispositivo em comento, modificado pela Lei da Ficha Limpa, não altera o processo eleitoral.

  5. O pedido de desistência do recurso interposto pelo assistido acarreta o prejuízo dos recursos manejados pelos assistentes, que não podem recorrer de forma autônoma.

  6. Recurso Ordinário desprovido, para manter a cassação do diploma, a imposição de multa e a declaração de inelegibilidade por 8 (oito) anos, com base nos arts. 41-A da Lei nº 9.504/97 e 22, XIV e XVI, da LC nº 64/90, com a nova redação da LC nº 135/2010, em razão da prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio.

  7. Recursos especiais prejudicados.

    Decisão: O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Benício Tavares de Cunha Mello e revogou a liminar anteriormente concedida. Vencidos, em parte, os Ministros Marcelo Ribeiro (relator) e Dias Toffoli, que o proviam parcialmente apenas para afastar a incidência do artigo 41-A, da Lei nº 9.504/97." (www.tse.jus.br/jurisprudencia).

    O polo passivo pode ser preenchido por pessoa jurídica, logicamente que o julgamento na aplicação das sanções deverá aplicar aquelas pertinentes a essa condição, afastando-se, por peremptória lógica, a desconstituição do registro ou do diploma.

    Page 216

    A reforma eleitoral de 2009, através da Lei 12.034 daquele ano, acrescentou 04 parágrafos ao art. 41-A, Lei das Eleições (Lei 9.504/97), para esclarecer sobre o fundamento da infração eleitoral, buscando-se evitar as exegeses que na prática dificultavam a aplicação com maior plenitude desse importante mecanismo de assegurar-se a lisura nos pleitos e o respaldo da cidadania e da democracia.

    O § 1º trouxe liturgia legal à dispensa do requisito do pedido expresso de votos pelo candidato para se configurar a captação, admitida a intervenção do candidato mesmo que não seja ostensiva, assimilando as notas jurisprudenciais sobre o assunto.

    Mas, houve uma intrincada redação ao dispositivo, trazendo-se elementos do direito penal atinente à formatação do dolo específico ou especial fim de agir, para criar um balizamento mais profundo à disposição, no que incorreu na mesma dificuldade interpretativa. Exigiu-se o dolo evidente, exteriorizado pelo especial fim de agir, o que é discutível de se incorporar como elemento subjetivo penal, conforme doutrina própria das ciências penais.

    Ora, bastará para o ilícito a realização das condutas atinentes à captação do voto, diretamente pelo candidato ou valendo-se de inter-posta pessoa.

    No § 2º houve a simetria das sanções do "caput" ao comportamento de violência real ou ficta, tendente à captação indevida do sufrágio, respondendo ainda os autores criminalmente. Já o § 3º, para fins de ajustamento temporal ao processo eleitoral, criou marco final da data de diplomação para o aforamento da AIJE, partindo, daí, a perspectiva de impugnação do mandato eletivo (AIME), ao comando do art. 14, § 10, Constituição Federal.

    Por último, no § 4º foi estipulado que o termo inicial para a inter-posição de recurso seria o prazo de 03 dias, contados da publicação do julgamento no Diário Oficial, para inibir nas instâncias superiores a intimação na própria sessão e os efeitos imediatos da decisão.

    Page 217

    Deve-se realçar - sobretudo nas hipóteses de campanhas de candidatos que buscam a reeleição, que não se confunde com a captação de sufrágio - a promessa de manutenção de benefícios, programas ou vantagens advindas de políticas públicas. Do mesmo modo, se houver tal discurso ou locução de candidatos que não buscam um segundo mandato, deverá ser verificado se o anúncio ou promessa diz respeito ao portfólio de campanha como instrumento geral de proselitismo político, ou destinada especificamente, ainda que seja com alcance coletivo, a conspurcar a vontade do eleitor.

    É essa a pontuação da jurisprudência no TSE:

    "AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 196558 -Mozarlândia/GO

    Acórdão de 30/11/2010

    Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES

    Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 4/2/2011, Página 123

    Ementa:

    Agravo regimental. Representação. Captação ilícita de sufrágio.

  8. A exposição de plano de governo e a mera promessa de campanha feita pelo candidato relativamente ao problema de moradia, a ser cumprida após as eleições, não configura a prática de captação ilícita de sufrágio.

  9. Não há como se reconhecer a conduta descrita no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 quando, a despeito do pedido de voto, não ficou comprovado o oferecimento de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza.

    Agravo regimental não provido.

    Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termos do voto do Relator." (www.tse.jus.br/jurisprudencia).

    Em relação ao recurso cabível contra a decisão de 1º grau, deve-se atentar para uma dificuldade de elaboração linear de procedimentos, dada a marcha remendada que a legislação eleitoral recebe paulatinamente, ao longo dos anos, impedindo-se a maturação dos institutos, através da força incidente da doutrina e jurisprudência.

    Page 218

    Em primeiro nível de compreensão, temos que o procedimento determinado pela lei é aquele previsto no art. 22, Lei Complementar 64/90. Ora, se o procedimento é esse, não se pode adaptá-lo ou aproveitá-lo de maneira fragmentada. Com tal reflexão, não seria pertinente, à luz do que dispõe o art. 15, LC 64/90, adotar a regra geral do art. 257, CE, sobre os efeitos dos recursos eleitorais, que a rigor não têm efeito suspensivo. É que o mencionado dispositivo da Lei das Inelegibilidades, ao condicionar o trânsito em julgado da representação para fins de cassação do registro ou diploma e aplicar a sanção da inelegibilidade, por linhas transversais estabelece a duplicidade de efeitos ao recurso eleitoral.

    Após a edição da Lei da Ficha Limpa - Lei Complementar 135/2010, que alterou profundamente a LC 64/90, a criação da execução provisória ou antecipada do julgado proferido por órgão jurisdicional colegiado, com muito maior razão se pode defender a tese de que nos recursos eleitorais, em todas as hipóteses de AIJE, contra as decisões singulares que imponham a desconstituição de registro ou diploma, devem ser admitidos os efeitos devolutivo e suspensivo.

    Prevalecendo entendimento contrário ao que foi exposto, a única solução, embora mais difícil, custosa e morosa é o aforamento de medida cautelar para a imposição de efeito suspensivo à decisão com aquele teor, o que em geral tem sido admitido para fins de não afastamento temerário do candidato eleito do cargo, criando-se um tenebroso cenário, antes da definição jurídica e forense sobre o episódio. (Vide AMC n. 1.784/BA, in DJ 23/08/2006, p. 108).

    A Lei 13.165/2015, que trouxe novo arcabouço jurídico em forma de minirreforma eleitoral ao cuidar do art. 257, Código Eleitoral, introduziu-lhe os §§ 1º, 2º e 3º. Dotou o recurso eleitoral que implique em cassação de registro de candidatura, afastamento de titular de cargo eletivo ou perda de mandato eletivo do efeito suspensivo.

    As consequências e desdobramentos dessa nova sistemática foram objeto de nossa abordagem no item acima 6.6, Candidato "sub judice".

    Page 219

    Em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT