Requisitos

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas31-51

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1. Comentário

Vista sob o aspecto lógico, a petição inicial se assemelha a um silogismo, definido por Aristóteles como “uma série de palavras em que, sendo admitidas certas coisas, delas resultará necessariamente alguma outra, pela simples razão de se terem admitido aquelas”.

A premissa maior, no caso, é representada pela demonstração de que os fatos alegados, que figuram como a premissa menor, produzem efeitos na ordem jurídica. Os pedidos derivantes desses fatos e fundamentos jurídicos correspondem à conclusão (dispositivo, decisum). Essa concepção silogística da petição inicial justifica, de certa forma, o seu indeferimento em algumas situações de inépcia, como quando, e. g., lhe faltar o pedido ou a causa de pedir; da narração dos fatos não decorrer, de maneira lógica, a conclusão, ou contiver pedidos entre si inconciliáveis (CPC, art. 330, § 1.º, incisos I, III e IV).

Muito mais do que um simples silogismo, a petição inicial, conforme pudemos demonstrar no Capítulo anterior, é o instrumento formal, instituído pelos sistemas processuais, de que se valem os indivíduos ou as coletividades para ativar a função jurisdicional (ação) e pedir um provimento de mérito (demanda), que poderá ser declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo, destinado a satisfazer ou a assegurar um bem ou uma utilidade da vida.

Essa petição é, também, o estalão pelo qual se poderá verificar se o juiz concedeu mais do que se pedia, ou menos do que era devido, ou fora do que havido sido postulado, sabendo-se que, em princípio, o juiz está obrigado a compor a lide nos limites em que foi estabelecida pelos litigantes (CPC, art. 492). Incumbe, assim, às partes traçar o perímetro do conflito de interesses, ou seja, precisar o objeto litigioso, e, ao juiz, respeitar esses lindes — particularidade a que se submetem, por igual, os juízes do trabalho, exceto quando no exercício do denominado poder normativo (CF, art. 114, § 2.º; CLT, arts. 856 a 875, quando, necessariamente, não precisam ficar adstritos aos mencionados limites. Diz-se, por isso, em doutrina, com certa dose de razão, que o poder normativo da Justiça do Trabalho é confucionista de Poderes, porquanto mescla o Judiciário com o Legislativo.

2. Requisitos

O conjunto desses fatos coloca em evidência a extraordinária importância que a petição inicial ostenta no universo do processo. Essa importância, somada à finalidade da referida petição, fez com que o legislador de nosso país estabelecesse determinados requisitos para a sua validade formal. A CLT os indica, com justificável singeleza — porquanto

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não poderia ignorar a capacidade postulatória que o seu art. 791, caput, atribui às partes — no art. 840, § 1.º; o CPC, mais preciso, os minudencia no art. 319. De modo geral, o processo do trabalho tem aplicado, em caráter supletivo, essa norma do processo civil, salvo quanto à fixação do valor da causa e à indicação das provas que o autor pretende produzir, segundo veremos adiante.

Podemos separar os requisitos de validade da petição inicial em duas classes: a) subjetivos e b) objetivos. O art. 840, § 1.º, da CLT, e art. 319, do CPC, cuidam, apenas, dos objetivos. Os subjetivos fazem parte do senso comum.

Esquematicamente, os subjetivos compreendem: 1) a precisão, 2) a clareza e c) a concisão; os objetivos dizem respeito: 1) ao juízo a que a petição é dirigida; 2) aos nomes, prenomes, estado civil, à existência de união estável, à profissão, ao número de inscrição no CPC ou no CNPJ, ao endereço eletrônico, ao domicílio e à residência das partes; 3) ao fato e aos fundamentos jurídicos do pedido; 4) ao pedido, com as suas especificações e valor; 5) ao valor da causa; 6) às provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; 7) à opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação (CPC, art. 319, I a VII, respectivamente).

Passemos, agora, ao exame pormenorizado desses requisitos, consoante a classificação que apresentamos, verificando se todos eles são exigíveis no processo do trabalho.

2.1. Subjetivos

1) Precisão. Significa que os fatos devem ser narrados, na iniciai, com determinação, ou seja, ser precisados. Uma exposição vaga, imprecisa, desses fatos dificultará não só a resposta do réu (e o regular exercício do seu amplo direito de defesa) como a própria intelecção do magistrado acerca de qual seja, efetivamente, o conjunto factual, com base no qual o autor extraiu os pedidos formulados (res in iudicio deducta).

Essa precisão dos fatos está ligada, por certo, às particularidades de cada caso concreto. Assim, p. ex., se o empregado pretende pedir a condenação do empregador ao pagamento de horas extras deve indicar, na petição inicial, não apenas o horário de início e de término da jornada e seus intervalos e o valor do salário e sua evolução cronológica, como a data da admissão, e, se for o caso, a da cessação do contrato. Cabe-lhe, ainda, esclarecer se havia, ou não, controle escrito da jornada e se os assentamentos constantes desses controles são corretos, ou não. Enfim, cumpre ao autor narrar, de modo preciso, todos os fatos necessários ao conhecimento do juiz, e, em seguida, formular os correspondentes pedidos.

Não seria admissível — retomando o exemplo que utilizamos há pouco —, por isso, que o autor se limitasse a dizer que prestou serviços ao réu (sem mencionar o período em que isso ocorreu) e que as horas extras trabalhadas não lhe foram pagas (sem indicar a jornada de trabalho a que estava sujeito, os intervalos concedidos, o valor do salário e sua evolução, etc.). Uma inicial, que assim se apresentasse, estaria roçando as fímbrias da inépcia. Devemos esclarecer que a petição inicial será inepta não somente quando lhe faltar a exposição dos fatos (causa petendi), mas, também, quando os fatos forem narrados

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de maneira imprecisa, de tal arte que não se possa saber, ao certo, quais sejam. É verdade que, em qualquer caso, o decreto jurisdicional de inépcia só será possível se o autor deixar de atender ao despacho do juiz, que lhe ordenou a emenda ou a complementação da inicial, no prazo de quinze dias (CPC, art. 321).

2) Clareza. Não basta que os fatos sejam precisados; impõe-se, ainda, que sejam expostos com clareza, para que possam ser entendidos pelo juiz e pela parte contrária. O requisito em exame concerne, pois, à inteligibilidade da manifestação do autor, lançada na peça de provocação da atividade jurisdicional do Estado. Se ele não se fizer entender, seguramente, não será atendido pelo juiz em sua postulação.

A clareza, aliás, é algo que não se exige, apenas, da petição inicial; claras devem ser, por igual, a resposta do réu, as razões finais, a sentença (esta, sob pena de render ensejo ao oferecimento de embargos declaratórios), as razões de recurso e as pertinentes contrarrazões, etc. A clareza, em síntese, deve estar presente em todos os atos processuais — para não dizermos que também é requerida em toda e qualquer manifestação do pensamento ou da vontade do indivíduo, mesmo no plano coloquial. Sem clareza não pode haver comunicação de vontade ou de ideia.

Não nos compete tentar empreender, aqui, um estudo das causas que levam a parte a elaborar petições obscuras, ininteligíveis, embora seja razoável supor que essa patologia mantenha íntimas ligações com certos estados de desordem mental ou emocional do indivíduo, fazendo com que o seu pensamento seja externado sob a forma de mistifório. Mas, uma coisa é certa: petições iniciais confusas, incompreensíveis, por serem enigmáticas tendem a causar prejuízo maior ao próprio autor do que ao réu. Ironia à parte, trata-se de uma das situações em que a criatura se volta contra o criador, para devorá-lo...

A linguagem forense, sem prejuízo da terminologia técnica que lhe é característica, deve ser simples, fiuir com naturalidade, sem construções fraseológicas empoladas ou postiças, que só fazem impressionar ao próprio escrevinhador. Não raro, a grandiloquência verbal constitui ingênuo subterfúgio destinado a encobrir a falta ou a escassez de ideias. Evite-se, também, o uso de estrangeirismos, de neologismos ou de arcaísmos. Quanto a estes, merecem lembrança as sentenciosas palavras de Rui Barbosa: “O gosto da antiguidade levado ao arcaísmo, isto é, a mania de rejuvenescer inutilmente formas anacrônicas, ininteligíveis ao ouvido comum na época em que se exumam com o vão intuito de as modernizar, avulta entre os mais ridículos e insensatos vícios do estilo, no falar idiomas vivos”.6

No tocante aos estrangeirismos (designadamente os galicismos, os anglicanismos e os italianismos), soem tornar o estilo presunçoso e afetado, sem nada contribuir para a força do argumento. Dispõe, aliás, o art. 192, caput, do CPC, que em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso da língua portuguesa. O CPC de 1973 (art. 156) aludia ao uso do vernáculo, fato que nos levou a observar, na primeira edição deste livro, o seguinte: “A um primeiro lançar de olhos, parece ter sido intenção do legislador impor, na realização desses atos e termos, o uso exclusivo de línguas indígenas, sabendo-se que vernáculo significa aquilo que é da própria terra. O que pretendeu o legislador, contudo, foi proibir o

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uso de línguas estrangeiras. Nesse sentido, talvez tivesse sido melhor que fizesse constar do art. 156 a referência à Língua Portuguesa, que é a adotada, oficialmente, em nosso país. A propósito, a expressão “Língua Portuguesa” estava no Anteprojeto daquela Código, vindo a ser substituída por “vernáculo” no Projeto encaminhado ao Congresso Nacional. Essa novidade trazida pelo estatuto processual civil de 1973 foi necessária para coibir o emprego de línguas alienígenas na linguagem forense, seja oral ou grafada, que tanto dificultam a defesa do réu e a própria intelecção do magistrado”.

Essa regra do processo civil é compatível com o do...

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