Requisitos do laudo pericial do portador de demência no processo de interdição para elaboração de um plano de curatela

AutorMaria Aparecida Camargos Bicalho, Mariana Santos Lyra Corte Real e Gustavo Câmara Corte Real
Ocupação do AutorDoutora em Medicina pela UFMG, Médica Geriatra pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/Médica Geriatra do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais/Mestre em Direito pela Cumberland School of Law, Samford University, EUA
Páginas147-162
REQUISITOS DO LAUDO PERICIAL DO
PORTADOR DE DEMÊNCIA NO PROCESSO
DE INTERDIÇÃO PARA ELABORAÇÃO DE UM
PLANO DE CURATELA
Maria Aparecida Camargos Bicalho
Doutora em Medicina pela UFMG, Médica Geriatra pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia. Professora Associada do Departamento de Clínica Médica
da Universidade Federal de Minas Gerais, membro da Alzheimer Association.
Mariana Santos Lyra Corte Real
Médica Geriatra do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Minas Gerais, membro titulado da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolo-
gia – SBGG / Associação Médica |Brasileira – AMB. Professora de Pós-Graduação em
Geriatria na Faculdade IPEMED de Ciências Médicas, Minas Gerais.
Gustavo Câmara Corte Real
Mestre em Direito pela Cumberland School of Law, Samford University, EUA. Juiz
de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Professor de Sociologia
Jurídica na Faculdade da Ecologia e Saúde Humana, Minas Gerais.
“Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo… Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil: – Em que espelho cou perdida a minha face?”
Cecília Meireles.
Sumário: 1. Introdução. 2. O processo de interdição e curatela no direito brasileiro. 3. O pro-
cesso de interdição e curatela no direito comparado. 4. A síndrome demencial. 5. O estigma
do diagnóstico de demência e o seu isolamento social: caso clínico. 6. Funcionalidade: A
premissa básica da funcionalidade na geriatria e gerontologia como avaliação inicial do ido-
so. 7. Estágio e classicação de demência. 8. Laudo pericial. 9. Conclusão. 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A partir da segunda década do Século XX, o Brasil iniciou um processo de alteração de
sua estrutura demográf‌ica. Os avanços médicos e tecnológicos impactaram a saúde da po-
pulação, reduzindo expressivamente a mortalidade infantil e estendendo a sua expectativa
de vida. A composição etária populacional modif‌icou-se a partir da diminuição das taxas
de fecundidade e de natalidade, resultando em redução da população jovem e aumento das
faixas etárias mais elevadas. As modif‌icações nas estruturas demográf‌ica e populacional
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MARIA BICALHO, MARIANA REAL E GUSTAVO REAL
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que determinam crescimento vegetativo negativo há pelo menos 50 anos em muitos pa-
íses da Europa, têm ocorrido rapidamente na população brasileira e em outros países em
desenvolvimento. No Brasil, a população com 60 anos ou mais, apresenta perspectiva de
sobrevida em média de 80,6 para os homens e de 84,2 para as mulheres (IBGE, 2018). O
crescente aumento da longevidade tem impactado no aumento nas demandas por serviços
de saúde. Atualmente, estima-se a população idosa mundial em torno de 900 milhões de
pessoas. O aumento da expectativa de vida, assim como as mudanças no estilo de vida e no
comportamento das pessoas, torna as doenças crônicas mais prevalentes (PRINCE, 2015).
Neste contexto, se desenvolve a epidemia de demência, em grande parte concentrada nos
países de baixo e médio nível socioeconômico.
De acordo com o World Alzheimer Report 2018, a estimativa de prevalência de por-
tadores de demência no mundo era de 50 milhões de pessoas. Estima-se que esse número
atingirá 82 milhões em 2030 e 152 milhões em 2050.
O impacto da demência poderia ser entendido em três níveis inter-relacionados: (1)
ao portador de demência, que sofre de problemas de saúde, incapacidade, prejudicando
a qualidade e reduzindo a sua expectativa de vida; (2) à família/amigos da pessoa com
demência, pedra angular do sistema de cuidado e apoio ao paciente; (3) à sociedade, de
forma mais ampla, seja diretamente através de gastos do governo ou, de forma indireta,
devido ao custo relacionado à perda da capacidade produtiva de pacientes e seus cuida-
dores familiares que muitas vezes abandonam suas atividades laborais com o objetivo de
cuidar do enfermo, bem como pelo custo despendido para prover cuidados sociais e de
saúde ao portador de demência e, até mesmo, para tratar do processo de adoecimento de
seus familiares e cuidadores ocasionado pelo fardo do cuidador. Outros impactos sociais
podem ser mais difíceis de quantif‌icar, mas não menos reais e importantes. A demência
associa-se à grande impacto econômico. O custo mundial estimado para o tratamento
da demência foi de US$ 1 trilhão em 2018, com estimativa de atingir US$ 2 trilhões em
2030 2018 (World Alzheimer Report, 2018).
2. O PROCESSO DE INTERDIÇÃO E CURATELA NO DIREITO BRASILEIRO
O portador de demência, independentemente de sua causa, necessitará, em algum
momento do curso evolutivo da doença, do auxílio e suporte social de um familiar/
cuidador para o cuidado integral e pleno de sua saúde. Ressalta-se a importância da ma-
nutenção do binômio – dignidade humana e autonomia do paciente – respeitando suas
vontades e escolhas quanto a sua participação na vida civil, até que as funções cognitivas
cerebrais não o permitam.
da Pessoa com Def‌iciência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015) contemplam o plano de
curatela, como documento formal capaz de restringir a capacidade do interdito apenas
aos limites de sua necessidade e, em atenção aos seus interesses fundamentais. Nesse
Estatuto considera-se a pessoa com def‌iciência aquela que tem “impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
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