Responsabilidade Civil do Estado

AutorWander Garcia
Páginas337-359
CAPÍTULO 11
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
11.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE ESTATAL
A responsabilidade patrimonial do Estado passou pelas seguintes fases:
a) fase da irresponsabilidade: nessa fase, o Estado não respondia por danos cau-
sados aos particulares, sob o argumento de que o poder soberano dos reis era divino, de
modo que não era correto dizer que o rei errava (“the king can do no wrong”);
b) fase civilista: nessa fase, o Estado passou a responder, mas apenas se o dano ti-
vesse sido causado por culpa ou dolo de um funcionário estatal; assim, caso o motorista de
uma Prefeitura, por exemplo, atropelasse alguém por conta de uma manobra imprudente,
o Estado responderia civilmente pela respectiva indenização;
c) fase publicista: nessa fase, o Estado passou a responder civilmente mediante a
aplicação de institutos jurídicos mais adequados às características estatais, ou seja, segun-
do princípios próprios do direito público, daí o nome de fase publicista; pertencem a essa
fase a responsabilização estatal segundo dois fundamentos:
c1) culpa administrativa: aqui, o Estado responde se o dano tiver origem num servi-
ço defeituoso; por exemplo, caso alguém sofra um acidente automotivo pelo fato de haver
uma enorme cratera numa rua já há alguns meses, caracteriza-se o serviço estatal defei-
tuoso e, consequentemente, a culpa administrativa a ensejar a responsabilidade civil do
Estado. Repare que, aqui, o foco não é a culpa do funcionário, mas a culpa do serviço,
também chamada de culpa anônima do serviço, pois não se analisa a conduta de alguém
em especial, mas o desempenho do serviço público;
c2) risco administrativo: aqui, o Estado responde objetivamente pelos danos que
causar, ou seja, basta que uma conduta estatal cause um dano indenizável a alguém para
que o Estado tenha de responder civilmente, pouco importando se há culpa do funcioná-
rio ou se há culpa administrativa. Um exemplo é um policial atirar para se defender e a
bala acabar atingindo um terceiro (a chamada “bala perdida”); nesse caso, pouco importa
se o policial agiu com culpa ou não, respondendo o Estado objetivamente. O princípio
maior que rege a Teoria do Risco Administrativo é o da igualdade, não sendo justo que a
vítima sofra sozinha por conduta estatal que, em tese, beneficia a todos; a teoria em ques-
tão objetiva que haja igualdade nos ônus e encargos sociais.
A responsabilidade fundada no risco administrativo é a regra hoje no direito brasi-
leiro, que, assim, impõe que o Estado responda objetivamente pelos danos que seus agen-
tes causarem a terceiros (art. 37, § 6º, da CF).
A responsabilidade objetiva estatal tem como marco histórico o famoso Caso Blanco,
em que uma menina fora atropelada por veículo público e ficou decidido que o Poder
Judiciário (que analisava casos cíveis, com princípios próprios) não era o competente para
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conhecer da questão, mas sim o Conselho de Estado (que analisava casos afetos ao Poder
Público), que deveria aplicar princípios próprios do direito público, como o da igualdade
e da legalidade, que impõem a indenização ao particular que é lesado em detrimento de
uma atividade de proveito à coletividade.
Por fim, é bom ressaltar que a responsabilidade obj etiva no Brasil admite excludentes
de responsabilidade do Estado, de modo que não adotamos a Teoria do Risco Integral,
que não admite excludentes, mas a Teoria do Risco Administrativo, conforme mencio-
nado, teoria essa que admite excludentes de responsabilidade.
A Teoria do Risco Integra l vem sendo aplicada, s em cont rovérsia alguma, na respon-
sabilidade por dano nuclear, seja o responsável pelo dano o Estado ou o particular. Além
dos casos previstos na CF, o STF entende que lei infraconstitucional também pode estabe-
lecer novos casos de responsabilidade estatal com risco integral (ADI-4976, J. 07.05.2014).
11.2. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE
Conforme vimos no item anterior, a responsabilidade do Estado, como regra, é obje-
tiva, fundada no risco administrativo.
Porém, a jurisprudência vem reconhecendo que, em alguns casos, a responsabilidade
estatal é subjetiva, fundada na culpa administrativ a.
Assim sendo, pode-se dizer, hoje, que há duas mod alidades de responsabilidade civil
estatal.
A primeira modalidade é a responsabilidade objetiva. Trata-se da regra em matéria
de responsabilidade do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. A responsabilidade é
objetiva em três situações:
a) por conduta comissiva do Estado: nesse caso pode-se dizer que o Estado causou
materialmente um dano, já que atuou positivamente (comissivamente), o que faz incidir o
texto do art. 37, § 6º, da CF, que não reclama conduta culposa ou dolosa para que o Estado
responda civilmente por danos causados a terceiros; são exemplos de condutas comissivas
a bala perdida de um policial, a agressão feita por agente público com arma da corporação,
a transfusão de sangue contaminado com HIV em hospital público, a interdição indevida
de um estabelecimento comercial, um acidente com um carro oficial dirigido de modo
imprudente, dentre outros. O art. 37, § 6º, da CF estabelece que essa responsabilidade
objetiva alcança as pessoas jurídicas de direito público (entes políticos, mais entidades
com natureza autárquica) e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos;
b) por atividade de risco estatal: nesse caso, temos situações em que não se sabe
muito bem se o Estado age numa conduta comissiva ou omissiva; por exemplo, imagine
um depósito de explosivos das Forças Armadas, que acaba por pegar fogo, gerando inú-
meros danos na vizinhança. Perceba que pouco importa se a conduta estatal é comissiva
ou omissiva, pois como a atividade de armazenar explosivos é uma atividade de risco,
aplica-se o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, para efeito de resp onsa-
bilizar o Estado objetivamente; vale ressaltar que qualquer pessoa, de direito público ou de
direito privado, responde objetivamente por danos causados por atividades de risco que
pratiquem;
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