Responsabilidade civil do jornalista por divulgação de material sigiloso: operação lava jato e vazamentos seletivos

AutorBeatriz Capanema Young, Marcella Campinho Vaz e Tayná Bastos de Souza
Páginas263-281
RESPONSABILIDADE CIVIL DO JORNALISTA
POR DIVULGAÇÃO DE MATERIAL SIGILOSO:
OPERAÇÃO LAVA JATO
E VAZAMENTOS SELETIVOS
Beatriz Capanema Young
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada
em Direito pela IBMEC-RJ. Advogada.
Marcella Campinho Vaz
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada
em Direito pela UERJ. Advogada.
Tayná Bastos de Souza
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada
em Direito pela IBMEC-RJ. Advogada.
1. INTRODUÇÃO
Reconhecida como a maior e mais profunda investigação de corrupção e lava-
gem de dinheiro já conduzida no Brasil, a Operação Lava Jato fez emergir diversos
questionamentos envolvendo a divulgação de informações relacionadas a processos
investigativos sob segredo de justiça.
Referida Operação teve início no Paraná, na Justiça Federal de Curitiba, a partir
da unif‌icação de quatro ações que apuravam redes operadas por doleiros que pratica-
vam crimes f‌inanceiros com recursos públicos. O nome “Lava Jato” era uma dessas
frentes iniciais e fazia referência a uma rede de postos de combustíveis e lava a jato
de veículos de Brasília usada para movimentar dinheiro ilícito de uma das organiza-
ções investigadas inicialmente. Com o desenrolar das investigações, descobriu-se
a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobrás, envolvendo políticos
e algumas das maiores empresas públicas e privadas do país, principalmente em-
preiteiras. Os desdobramentos não f‌icaram restritos à estatal e às construtoras e a
investigação pode ainda assumir dimensões variadas.
Ao longo da Operação, a imprensa teve acesso, por meio de vazamentos, a diversos
dados relacionados à investigação, ainda que esta estivesse supostamente protegida pelo
manto do segredo de justiça. De posse dessas informações, a imprensa e, em especial, os
jornalistas, as tornaram públicas. De fato, o histórico da Lava Jato é composto por uma
série de vazamentos de informações que acabaram revelando fatos sigilosos contidos,
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principalmente, em depoimentos e delações premiadas referentes à investigação. Além
disso, observou-se uma certa seletividade nas informações difundidas, as quais foram
aos poucos tornando-se públicas dando-se ênfase em determinados personagens ou
dados específ‌icos, de modo que uma narrativa foi sendo construída sem que todas as
informações efetivamente existentes na investigação fossem conhecidas.
Sendo assim, a Operação Lava Jato incita importantes discussões no âmbito dos
direitos e liberdades fundamentais, que serão objeto de análise no presente artigo, cujo
principal objetivo será examinar a questão da responsabilidade civil dos jornalistas
no âmbito dessas divulgações. Assim, buscar-se-á compreender e estabelecer até
que ponto se pode af‌irmar ou não a existência de uma real responsabilidade desses
prof‌issionais pela divulgação de informações relacionadas a uma operação sigilosa,
levando em considerações diferentes cenários: (i) quando o vazamento das informa-
ções para o jornalista se dá de forma completa e (ii) quando o vazamento apresenta-se
fragmentado, sofrendo uma seletividade estratégica antes de ser tornado público.
Nestas situações, as liberdades de expressão, de informação e de imprensa en-
tram em direta colisão com direitos e garantias fundamentais, tais como os direitos à
honra, à imagem e à privacidade, além da presunção de inocência, do devido processo
legal e do regular processamento das investigações.
Cuida-se, então, de determinar se quem sofre algum prejuízo em razão dessas
divulgações conseguiria estabelecer a responsabilização do prof‌issional que tenha
tornado públicos os dados referentes ao processo investigativo, ou se a liberdade de
expressão e o interesse público se sobrepõem aos eventuais interesses individuais e
processuais envolvidos.
Para isso, o presente artigo desenvolverá inicialmente uma breve análise acerca da
tutela das liberdades constitucionalmente conferidas e a devida ponderação de interesses
que deve ser realizada. Após essas considerações iniciais, será possível ref‌letir acerca
da existência ou não de responsabilidade civil do jornalista que divulga informação
sigilosa e como a seletividade das informações pode inf‌luenciar a análise da situação.
2. A TUTELA CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE
INFORMAÇÃO E DE IMPRENSA E A PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Apesar de serem f‌iguras próximas, a doutrina brasileira distingue as liberdades
de expressão e de informação,1 sendo a primeira o direito fundamental2 pelo qual se
1. Nesse sentido: “Por isso é importante sistematizar, de um lado, o direito de informação, e, de outro, a liberdade
de expressão. No primeiro está apenas a divulgação de fatos, dados, qualidades, objetivamente apuradas.
No segundo está a livre expressão do pensamento por qualquer meio, seja a criação artística ou literária,
que inclui o cinema, o teatro, a novela, a f‌icção literária, as artes plásticas, a música, até mesmo a opinião
publicada em jornal ou em qualquer outro veículo” (CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de.
Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25).
2. O ordenamento jurídico brasileiro expressamente dispõe sobre a liberdade de expressão, tendo sido con-
sagrada como direito fundamental na Constituição Federal por meio dos incisos IV, VI e IX do art. 5º, e do

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