Responsabilidade civil do profissional de saúde

AutorMaria de Fátima Freire de Sá/Bruno Torquato de Oliveira Naves
Páginas303-319
CAPÍTULO 15
RESPONSABILIDADE CIVIL DO
PROFISSIONAL DE SAÚDE
Exatamente isso se passa com a responsabilidade civil. Cuida-se de uma expressão uida como os
tempos em que vivemos. Pode exprimir uma ideia de reparação, punição ou precaução, conforme a
dimensão temporal e espacial em que se coloque. No zeitgeist da aurora do terceiro milênio, a res-
ponsabilidade civil se exibiliza e assume qualquer dessas narrativas. Como qualquer modelo jurídico
que pretenda se adaptar à leveza e à celeridade dos nossos dias, a responsabilidade se mostra dúctil
e maleável às exigências de um direito civil comprometido com as potencialidades transformadoras
1. ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL DE
SAÚDE E DOS HOSPITAIS
1.1 Conceito e pressupostos da responsabilidade civil
Caio Mário da Silva Pereira def‌ine a responsabilidade civil da seguinte maneira:
A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um
sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio
da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua
incidência na pessoa do causador do dano.2
Responsabilidade é o dever de assumir as consequências de uma ação ou omissão,
realizada pessoalmente ou por pessoa que esteja sob seu poder ou, ainda, em razão de
um fato da coisa de que lhe caiba a guarda. Logo, a pessoa será juridicamente responsável
quando o ordenamento jurídico sanciona o evento danoso, independentemente de ter
sido ou não o causador direto.
Trata-se de instituto sancionador, isto é, impõe uma sanção àquele que causa dano;
seja porque, por ação ou omissão, descumpriu uma norma jurídica, legal ou contratual;
seja porque, por imputação objetiva a certa situação danosa, independente de ilicitude,
o Direito obriga a reparar um prejuízo.
1. ROSENVALD, Nelson As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 21.
2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 14. O Código Civil
de 2002 assim dispõe no caput do artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
f‌ica obrigado a repará-lo.” Há, porém, hipóteses de responsabilização civil por ato lícito. Para tanto, basta verif‌icar
o disposto no artigo 188 combinado com os artigos 929 e 930.
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BIOÉTICA E BIODIREITO • MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ E BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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A responsabilidade civil visa, primeiramente, a reparação do dano, com retorno ao
status quo ante. Como em muitas situações a reparação se torna inviável, a responsabilida-
de assume a compensação da vítima, como forma de reequilibrar a relação social. Deve-se
atentar, pois, para o princípio da reparação integral3, que ordena que a reconstituição da
situação anterior seja a mais ampla possível, envolvendo quaisquer espécies de danos.
São pressupostos da responsabilidade civil: comportamento voluntário, dano e
nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. Se a espécie de responsabilidade
for subjetiva, acrescenta-se a estes pressupostos a culpa em sentido amplo.
Especif‌icamente com relação ao prof‌issional da Medicina, a responsabilidade pres-
supõe ato médico, praticado com violação a dever jurídico, determinado por lei, costume4
ou contrato, imputável a título de culpa, e causador de dano patrimonial ou existencial.
Não obstante o próprio ato, pelo qual o médico responde, poderá haver responsa-
bilidade por ato de outro, ou por fato das coisas que usa a seu serviço.
1.1.1 Do dano
Uma das funções da responsabilidade civil, juntamente com a remoção do ilícito,
é a reparação dos danos causados. Trata-se de responsabilizar civilmente o prof‌issional
de saúde que violou a situação subjetiva da personalidade, causando prejuízo físico e
moral ao titular.
O objetivo central da responsabilidade civil não é a punição do agente, mas o
retorno ao estado anterior ao dano, repondo os prejuízos materiais e compensando os
danos morais e estéticos.
A expressão “perdas e danos” vem do latim damnu emergens e lucrum cessans, que,
no Direito Romano, também trazia a ideia de reparação. Por dano emergente pretende-
-se exprimir a perda, o prejuízo que adveio da violação. É o dano atual que emergiu da
conduta prejudicial. Já os lucros cessantes traduzem-se em dano que se projeta para o
futuro, isto é, uma perda que não é atual, mas que se verif‌icará pelo fato de o prejudicado
não lucrar ou não obter uma vantagem esperada. É a frustração de uma expectativa de
ganho provável.
Hoje, pode-se entender que se incluem na expressão perdas e danos os danos
materiais, os danos morais e os danos estéticos. E a reparação destes danos pode in-
clusive ser cumulada, requerendo-se as três espécies de reparação de danos no mesmo
procedimento judicial.
3. No Direito Internacional também se prevê a reparação a partir da dicção de um dano presente e de uma perda de
ganho futuro. O UNIDROIT, que estabelece princípios de contratos comerciais internacionais prevê no artigo
7.4.2 a plena compensação. Logo, pela expressão “perdas e danos” estatui-se a proteção para qualquer espécie de
dano, seja na esfera patrimonial ou existencial. Estabelece o UNIDROIT: “(1) The aggrieved party is entitled to
full compensation for harm sustained as a result of the nonperformance. Such harm includes both any loss which
it suffered and any gain of which it was deprived, taking into account any gain to the aggrieved party resulting
from its avoidance of cost or harm. (2) Such harm may be non-pecuniary and includes, for instance, physical
suffering or emotional distress.”
4. Veja-se que a boa-fé objetiva, como impositiva de deveres, obriga à observância de um padrão de comportamento,
determinado para aquela situação específ‌ica, em virtude de costume social.
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